Com a enxurrada de críticas, o Ministério da Justiça e Cidadania (MJC) voltou atrás e revogou a portaria n° 68, que mudava o processo de demarcação de terras indígenas. No lugar dela, conforme publicação no Diário Oficial da União da última sexta (20), foi criada a portaria n° 80, que ainda assim altera o processo.
Apesar de ser mais enxuta, a nova portaria mantém a criação de um Grupo Técnico Especializado (GTE), que será um “braço-direito” do Ministério da Justiça e Cidadania (MJC). A medida é ainda desaprovada por várias entidades como o Ministério Público Federal, que acreditam que o texto retira autonomia da Fundação Nacional do Índio (Funai), além de ser considerado inconstitucional.
Hoje, conforme a Constituição Federal, a Funai é responsável pela definição de terras indígenas a serem demarcadas, com laudo técnicos. O relatório de demarcação é então encaminhado ao ministro da Justiça e ao presidente da República. O sistema está em vigor no Brasil desde decreto aprovado em 1996 pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB).
Com a portaria nº 80, haverá mudanças entre a Funai e o Ministério da Justiça e Cidadania. Se antes a entidade era a única responsável por definir as áreas, agora o GTE deverá ser consultado, podendo reavaliar análises já desenvolvidas pela Fundação.
De acordo com a publicação no diário oficial, o grupo será composto por representantes da Funai; de uma Consultoria Jurídica – ainda não especificado os integrantes –; da Secretaria Especial de Direitos Humanos e da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial.
Críticas
Na quinta-feira (19), a Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do MPF se manifestou após a publicação da portaria nº 68 no Diário Oficial da União.
O MPF declarou que a portaria é "ilegal e inconstitucional". A norma violaria o Decreto 1775/1996, que dispõe sobre a demarcação de terras indígenas, além de não ter consultado previamente os povos indígenas sobre as mudanças.
De acordo com o subprocurador-geral da República Luciano Mariz, como o ato é feito por portaria, invade a competência do presidente da República; também afronta posicionamento do Supremo Tribunal Federal (STF), “para o qual a demarcação de terra indígena é procedimento atribuído à Funai, que adota metodologia propriamente antropológica, sendo reservado ao Ministério da Justiça o papel de análise da legalidade do procedimento”.
"A portaria foi editada não para aperfeiçoar e acelerar o já tardio processo de identificação e demarcação de terras indígenas, mas para impedir sua continuidade", disse Luciano Mariz.
Ainda segundo o MPF, a portaria também pretendia mudar o conceito de terra indígena, que consta no artigo 231 da Constituição Federal como "terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições".
A portaria nº 68 queria definir que, para serem consideradas terras indígenas, elas deveriam conter “provas da ocupação e do uso históricos das terras e dos recursos por membros da comunidade, bem como da reunião das condições necessárias para a caracterização do território para o desenvolvimento da comunidade”; dentre outras.
Confira na íntegra portaria n° 80, que substitui a nª 68:
"Art. 1º Fica criado no âmbito do Ministério da Justiça e Cidadania o Grupo Técnico Especializado - GTE, com o objetivo de auxiliar o Ministro de Estado da Justiça e Cidadania, que no exercício de sua competência prevista no § 10, do art. 2º, do Decreto nº 1.775, de 08 de janeiro de 1996, deverá decidir pela:
I - declaração, mediante portaria, dos limites da terra indígena e determinar a sua demarcação;
II - prescrição de diligências que julgue necessárias, as quais deverão ser cumpridas no prazo de noventa dias; e
III - desaprovação da identificação e retorno dos autos ao órgão federal de assistência ao índio, mediante decisão fundamentada, circunscrita ao não atendimento do disposto no § 1º do art. 231 da Constituição e demais disposições pertinentes.
Parágrafo único. O GTE será composto por representantes da:
I - Fundação Nacional do Índio - Funai;
II - Consultoria Jurídica;
III - Secretaria Especial de Direitos Humanos; e
IV - Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial.
Art. 2º Fica revogada a Portaria nº 68, de 14 de janeiro de 2017.
Art. 3º. Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação".