Na década de 1970, três primos adolescentes e urbanoides da capital paulista tiveram a oportunidade de conhecer o centro oeste do Brasil, que na época era espaço da política de expansão das fronteiras agrícolas do governo militar, um modelo pouco sustentável num momento em que a consciência da necessidade da preservação ambiental era ainda embrionária no país.
O livro Fazendo o que aqui? (Editora Chiado, Coleção Viagens na Ficção), que será lançado no dia 23 de outubro em São Paulo, é inspirado no testemunho acidental vivido por Marcos Kawall, autor que transformou o que captou em férias escolares na época em narrativas ficcionais que remetem ao cotidiano bem-humorado dos personagens, levando o leitor a experiências bastante diversificadas.
No livro de Kawall há um quê de Coleção Vagalume, mas também um clima antropológico de contato com o outro, o diferente. E com um outro Brasil. Há inevitavelmente inspira reflexões sobre a política expansionista do centro oeste, promovida pelo governo militar brasileiro, e convida ao estabelecimento de uma imediata relação com os resultados colhidos nos dias de hoje, danosos para o meio ambiente e as populações originais.
O autor revela detalhes da paisagem, vegetação, peculiaridades alimentares, meios de comunicação e muitas outras coisas daquele enorme pedaço do Brasil na década de 1970, numa variação de características geográficas muito grande levando em conta os territórios percorridos. Em linguagem descontraída, acompanhamos os três jovens em seus novos horários, em que os dias começavam e terminavam infinitamente mais cedo. Em viagens de trem de passageiros, estradas esburacadas, aeronaves e aventuras que incluíram, por exemplo, a tentativa de levar para casa um filhote de felino selvagem.
“Surgiu do nada a vontade de incorporar a escrita como ferramenta de expressão. Até então, desenho e fotografia eram as ferramentas que eu dominava. Nas reportagens que fazia como colaborador para o jornal Folha de São Paulo, além das fotos, comecei a redigir os textos. Esse desafio me inspirou a seguir o caminho até o livro. Ao descrever os personagens, era como se estivesse desenhando e a cena em que compunha a narrativa nada mais era do que uma grande angular procurando o melhor ângulo para o click, agora literário”, diz o autor, Marcos Kawall.
Kawall foi colaborador da Folha de São Paulo no caderno Agrofolha, em fins da década de 1980, produzindo textos e fotos sobre natureza e agropecuária. Antes disso, foi roteirista e diretor do documentário Extremo Norte, rodado o Amapá, e estudante de fotografia do Foto-Cine Bandeirantes, com 12 anos. Desde 1996 trabalha na área ambiental, produzindo conteúdo para publicações de educação ambiental e divulgação científica. Autor e coordenador do livro Fauna Silvestre: quem são e onde habitam os animais na metrópole paulistana, da cartilha Bugio na Mata: a natureza agradece e um dos autores do roteiro de vídeo Voando com as Aves.
“Buscar minhas memórias de viagem de quando era menino e reinventá-las foi gratificante. Ao voltar à década de 1970, me coloquei como um dos personagens, e sendo também narrador das histórias pude criar uma ponte com o leitor, indo e vindo ao tempo passado e atual”, analisa o autor.
O prefácio de José Hamilton Ribeiro, respeitado jornalista, autor, entre outros, dos livros “Pantanal, Amor-Baguá” (com mais de 40 edições); “Gosto da Guerra”, sobre sua participação na guerra do Vietnã; e o mais novo “Música Caipira: as 270 maiores modas de todos os tempos”, aponta três momentos do livro: a primeira, nos territórios de Cuiabá, Rondonópolis; a segunda, com o Pantanal, suas belezas e mistérios; a terceira, mais ao norte, no encontro do rio Culuene, já numa paisagem de transição do cerrados para a floresta amazônica.
Por meio de uma prosa leve e divertida, Kawall nos faz refletir sobre aquele momento do Brasil e as consequências que colhemos hoje, quase 50 anos depois da política expansionista de ‘conquista’ do centro oeste brasileiro. Uma literatura com certo perfume antropológico, histórico e reflexivo.
Para José Hamilton Ribeiro, o livro “é um documento histórico, precioso, tanto pelo que conta quanto pela reação de surpresa e admiração que a cada dia se mostrava no rosto daqueles três ‘desbravadores’. (...) instrutivo, interessante, alto astral e com bom senso de humor, o que favorece a leitura até o fim. Termina com um gostinho de quero mais”.
O lançamento do livro acontece no dia 23 de outubro, a partir das 19h, no Bar
Balcão. Uma exposição de fotografias do autor acontecerá no mesmo espaço. São 10 fotos em preto e branco, clicadas na década de 1970 no interior do Mato Grosso e do Amapá. Personagens e paisagens que atraíam o olhar do ainda jovem fotógrafo paulistano que dialogam com o livro Fazendo o que aqui? A exposição pode ser conferida no Balcão até o dia 29/10.
