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Opinião Quinta-feira, 09 de Março de 2017, 07:00 - A | A

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As fantasias virtuais e a violência contra as mulheres

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Por Claudia Prioste*
Artigo de responsabilidade do autor

A sociedade tem passado por intensas transformações, mobilizadas, em grande parte, pela internet. Se de um lado, se amplia o acesso às informações, de outro, a hiperconectividade pode produzir alterações no funcionamento psíquico, inclusive em nossas fantasias.

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Claudia Prioste - Artigo

Claudia Prioste


Freud acreditava que as fantasias estavam vinculadas aos desejos inconscientes e determinavam a maneira pela qual o sujeito interpretava sua realidade.

Para Lacan, nossos desejos são formados pelo desejo do Outro. Entendia esse Outro como as insígnias culturais que nos seriam transmitidas desde a infância e que cada um introjetaria a seu modo.

Ocorre que esse Outro da cultura globalizada é guiado pelas “mãos invisíveis” do mercado, e se faz presente nos dispositivos televisuais. Esse Outro tem atuado por meio de um psicopoder tecnológico alimentado pelas pulsões perverso-polimorfas.

Pode parecer um pouco estranho, mas Freud identificou que as crianças desde pequenas possuíam pulsões perversas: sádicas, masoquistas, voyeurísticas e exibicionistas. No entanto, com os processos educativos, parte dessas pulsões seriam convertidas em atividades culturalmente relevantes.

Na sociedade de consumo, ao invés de serem sublimadas, tais pulsões são hiperestimuladas e exploradas comercialmente, se transformando em “matéria-prima” das chamadas fantasias virtuais.

Em meu livro: “O adolescente e a internet: laços e embaraços no mundo virtual” apresento uma pesquisa na qual identifiquei as seguintes fantasias nas meninas: a amada-escolhida; a mãe-bebê e a fantasia de ser celebridade.

São fantasias culturalmente engendradas que podem ser usadas no controle dos corpos femininos. Se definir mulher ao ser escolhida ou não por um homem? Se definir mulher a partir da maternidade? Se definir mulher a partir da oferta de seu corpo ao prazer masculino?

O problema é que muitas meninas se submetem a situações abusivas em função dessas fantasias, sem questioná-las.

Em relação aos meninos identifiquei predominantemente fantasias sádicas e de poder. Desde cedo são estimulados às disputas e aos games violentos. Um deles, o GTA, possui cenas fortíssimas de violência sexual e, apesar de proibido para menores de 18, é amplamente jogado por crianças.

Nos sites de pornografia ou nas salas de bate-papo predominavam vídeos de pedofilia, zoofilia e estupros coletivos, cujas vítimas eram sempre mulheres.

Esse tipo de exposição intensa e precoce pode criar no menino um padrão de satisfação sexual perversa que irá influenciar suas relações, podendo inclusive afetar o investimento nas atividades intelectuais.

Os filósofos Adorno e Horkheimer, nos anos de 1940, demonstraram como a exploração da libido na sociedade capitalista induzia o desprezo à mulher, estimulando um prazer que ao invés de se aliar à ternura, se aliava à crueldade.

Assim, muitos meninos ou mesmo adultos, ao experimentarem repetidamente fantasias virtuais sádicas, podem ser privados de vivências amorosas concretas restauradoras. Ao se submeterem a um padrão de gozo destrutivo também estão mais vulneráveis às pulsões autodestrutivas, pois não desenvolvem a capacidade de cuidar bem de si, nem do outro.

É muito importante que prestemos atenção às fantasias virtuais pois elas podem contribuir para a banalização da violência contra a mulher. Além disso, é essencial que as famílias e as escolas atuem na proteção online das crianças e adolescentes.

 

 

*Claudia Prioste

Psicanalista, Professora Assistente Doutora do Departamento de Psicologia da Educação da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp - Câmpus Araraquara. Coordena o grupo de pesquisa: “A formação do sujeito na era digital”.

 

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XurizManson 09/03/2017

Submeter-se ao Skype: violência ou livre arbítrio?

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