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ENTREVISTA Domingo, 09 de Fevereiro de 2014, 07:45 - A | A

Domingo, 09 de Fevereiro de 2014, 07h:45 - A | A

Denúncia é a arma mais potente contra a violência doméstica, diz delegada

Anahi Zurutuza - Capital News (www.capitalnews.com.br)

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Estas foram algumas das manchetes do Capital News entre o final do ano passado e o início deste ano. Nos 36 primeiros dias de 2014, a Delegacia Especializada Atendimento à Mulher (Deam) atendeu a 596 mulheres vítimas de algum tipo de violência dentro de casa. Crime que acontece entre quatro paredes e que, muitas vezes, deixa as vítimas impossibilitadas de se defenderem, não só fisicamente, mas pelo medo ou vergonha de denunciar o agressor. É sobre estes casos acima e tantos outros parecidos que Rosely Molina, delegada titular da Deam desde 2011, fala à reportagem, nesta semana.

Capital News: Tivemos vários casos de violência contra a mulher neste início de ano que foram amplamente divulgados pela imprensa local. Um caso, em especial, ganhou a mídia em janeiro: o do rapaz que agrediu a namorada deixado-a com o rosto desfigurado. Como é o dia a dia da Deam? Situações como estas surpreendem ou não? Quanta mulheres vivendo situações parecida procuram a delegacia por dia?

Rosely Molina: Para a Polícia Civil não tem novidade nenhuma em nenhum desses casos. Este que você citou só teve essa repercussão tamanha porque foi colocado no Facebook, nas redes sociais. Se não, teria sido mais um dos casos que a gente atende dioturnamente aqui. Nós atendemos 70 mulheres por dia. Estas 70 mulheres, invariavelmente, são vítima de tudo quanto é tipo de violência, dos cinco tipos de violência: física, psicológica, sexual, moral e patrimonial. E, quem são essas mulheres? São mulheres, desde as mais tenras idades, até senhoras como atendemos hoje uma de 93 anos de idades. Não existe padrão de idade, classe social, não existe isso. A gente atende todo tipo de mulher mesmo. E, não necessariamente, essas 70 mulheres que a gente atende, nos procuram para dizer que foram vítimas de algum crime, às vezes elas nos procuram para se orientar, para se informar.

Capital News: Quantos casos a Deam atendeu neste ano?

Rosely: Só em janeiro fora 569 boletins de ocorrência registrados. Nós fizemos 31 flagrantes neste primeiro mês de 2014, foram cinco homicídios e cinco estupros. E, a estatística do ano passado dá conta de que foram registrados 5.640 boletins de ocorrência, lavrados 266 flagrantes, mais 46 mandados de prisão. O um número é muito alto.

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Delegacia da mulher passa o dia lotada e três delegadas dividem a apuração dos crimes
Foto: Deurico/Capital News

Capital News: A senhora acredita que a Lei Maria da Penha, que completa oito anos em 2014, deu mais segurança para as mulheres fazerem denúncias e livrarem-se duma situação de violência?

Rosely: A lei é uma das três melhores leis do mundo. Ela traz vários mecanismos de proteção para a mulher. Primeiro que ela deixa muito claro que violência doméstica não é apenas a agressão física e descreve os cinco tipos de violência. Depois, porque ela inovou colocando a medida protetiva de urgência, que também dá segurança e tranqüilidade para a mulher. E também porque ela tem outros mecanismos que fazem com que a gente trabalhe na certeza de que vai haver a responsabilização penal deste autor e vai também haver toda uma rede de atendimento para esta mulher.

Capital News: Mas, a Lei Maria da Penha coíbe os crimes? O homem agressor pensa duas, três vezes antes de cometer a violência?

Rosely: Sim. Pensa, porque é uma lei pedagógica. Ela mostra que haverá punição e que essa punição efetivamente será aplicada. No Brasil, só duas coisas levam um homem para a prisão: o não pagamento de pensão alimentícia e a Lei Maria da Penha. Recebo muitos homens aqui que vem para se explicar. Eles dizem: "olha doutora eu to vindo aqui porque eu estou tendo um problema com a minha mulher, ela registrou um boletim, mas eu já estou resolvendo esse problema, porque eu não quero ser preso". Os homens temem a lei. A gente vê que antes da lei os números eram muito menores, é uma questão de tempo para que a lei realmente se consolide. Por mais que você fale que a Lei Maria da Penha tem bastante tempo, ela é uma lei nova, que ainda demanda adequações e efetiva aplicação.

Capital News: Não existe perfil para a mulher agredida, como já foi dito. Mas, existe perfil para o agressor? E em quais as teorias sobre o porquê das mulheres serem mais vítimas de violência doméstica a senhora acredita?

Rosely: Existem muitos estudos. Para simplificar, para mim, é uma construção cultural. A sociedade é construída em cima de paradigmas, ela tem ainda essa questão de ser uma sociedade patriarcal, machista, onde o homem era considerado o provedor. A mulher não tinha essa independência toda. A mulher está conquistando o seu espaço e a sociedade tem de se adaptar a isso, principalmente a sociedade masculina.

Capital News: Esse processo de mudança social, dessa mulher que toma conta do mercado de trabalho e que se torna independente, a senhora acredita que isso influencia nos casos de violência? Que os homens se sentem, de certa forma, agredidos por essa independência e isso culmina nos crimes contra as mulheres?

Rosely: Não vejo dessa forma. É realmente uma construção social, a sociedade vai se adaptando. Isso sempre aconteceu, mas era velado. Foi com a Constituição de 1988 que as mulheres galgaram esse espaço maior na sociedade, isso tudo é muito recente. A coisa era muito diferente. São questões que precisam ser muito debatidas ainda para criar essa mudança de mentalidade. E, para você mudar a mentalidade das pessoas, não é de um dia para o outro.

Capital News: E como vai ser possível alcançar tal mudança, em sua opinião?

Rosely: Isso é feito através da educação. A polícia tem o serviço constitucional de apurar as infrações penais, de reprimir o crime e não obstante a gente trabalha com ações preventivas, mas a nossa função precípua é reprimir o crime. Este é um problema social. Homens e mulheres não são iguais, a lei fala que eles são iguais em direitos e garantias, mas fisicamente eles não são iguais. Até a maneira de criar, de educar p homem e a mulher é diferente. Para se ter uma ideia, essa coisa da cor: para mulher rosa e para homem azul. A mãe faz um quartinho rosinha, tudo arrumadinho, tudo bonitinho para a menina e passa para esta menina que aquilo é o universo dela. Diz: "olha, você vai brincar de casinha, você vai brincar de boneca, aqui fechada, neste espaço". Qual a cor escolhida para o homem? Azul. O azul do céu, a mensagem é: "o mundo é teu. Você vai brincar de bola, lá fora, vai correr, você vai ter o mundo para você. Mulher, o teu espaço é esse aqui, limitado". Isso faz parte de uma das teorias que explicam a coisa. E isso vem de séculos, a família faz isso sem nem saber o porquê.

Capital News: Qual a principal ferramenta que a mulher tem de defesa contra um agressor?

Rosely: A denúncia e a informação. Porque a partir da denúncia é que vai se desencadear todo um processo para auxílio dessa mulher. Tem muita mulher que não tem informação, que fica fechada no universo dela, ela acredita que o problema dela é único e se fecha.

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Crimes contra a mulher, quase sempre, não deixam testemunhas. Mulheres têm de denunciar, alerta delegada
Foto: Deurico/Capital News

Capital News: Quando o agressor chega ao ponto de matar a parceira, significa que ele já havia cometido outras violências contra essa mulher antes? E essa mulher era omissa ou já havia denunciado o companheiro?

Rosely: A violência é crescente e gradativa. Primeiro ele xinga, ele grita, ele dá um empurrãozinho, para depois partir para uma coisa pior. Quanto tem o homicídio e a gente vai apurar como era o relacionamento, as pessoas que conhecem o casal falam do comportamento do agressor. Mas, essa mulher, às vezes, acredita que o amor dela vai transformá-lo. Esse é o grande erro, é acreditar que a pessoa vai mudar.

Capital News: Os homens se arrependem do que fazem?

Rosely: A maioria. Alguns até fazem acreditando que o que ele estava fazendo é correto. Ele foi criado dessa forma, ele entende que a autoridade dele vai ser exercida através da força. Para ele, aquilo é apenas exercício de autoridade. E não é, autoridade se conquista, e não pelo medo e pela força.

Capital News: Mas, existem os casos de mulheres que utilizam a lei para chantagear os parceiros. Isso aparece aqui na Deam?

Rosely: Em número infinitamente menor. É muito pouco, só que nestes casos, como em todos os casos, a gente trabalha para apurar a verdade e quando isso é comprovado, a mulher acabar respondendo pelo crime de denunciação caluniosa. Se você for à delegacia e mentir, você vai usar a máquina do Estado para apurar um crime que não aconteceu e isso também é uma prática de crime.

Capital News: Já aconteceu de aparecerem homens que sofreram algum tipo de violência por parte da parceira?

Rosely: Tem gente que procura a Deam sim. A porta de entrada da violência é a polícia e da violência doméstica é a Deam. Nestes casos, a gente faz um boletim de ocorrência e encaminha para a delegacia competente para a apuração. Mas, esse número é infinitamente menor.

Capital News: Há quanto tempo a senhora está à frente a Delegacia da Mulher?

Rosely: A minha primeira lotação aqui no Estado foi a Delegacia da Mulher. Nosso cuncurso é de 1999 e, em 2000, nós fomos nomeados e eu assumi a Delegacio da Mulher. Depois eu passei por outras delegacias, a Derf, a Denar, passei pela Defraudações e agora, no final de 2011, voltei para Deam e assumi a titularidade da delegacia. Somos aqui três delegadas e mais a equipe. O que é interessante que o pessoal da Deam é tão comprometido, tão dedicado que a gente trabalha com muita tranquilidade. O nosso pessoal é especializado, tem muito preparo para atender essa demanda toda.

Capital News: A senhora acredita que realmente é preciso ter um atendimento especializado para essas mulheres vítimas de violência?

Rosely: Sem dúvida nenhuma. Nós temos psicóloga aqui, assistente social. Então, olha só o universo de profissionais que estão aqui para atender essas mulheres. O que precisa é que essas mulheres tenham conhecimento da existência desse grupo, da especialidade desse grupo e que nos procurem. Porque se a mulher não nos comunica do que está acontecendo com ela, nós não vamos poder dar o atendimento correto. Porque o crime de violência doméstica é um crime que ocorre intramuros. É algo que não se divulga, não se espalha, não se comenta. Então, a gente precisa que haja participação da vítima. A importância da participação da vítima é extrema, o relato dela é que vai direcionar todo o nosso trabalho de investigação.

Capital News: A senhora acredita que é necessário haver uma ampliação de efetivo para a 1ª Deam ou, então, na necessidade de abertura de uma segunda Delegacia da Mulher em Campo Grande, como é o pleito até de alguns vereadores e de alguns setores da sociedade civil organizada?

Rosely: Tudo o que é para auxiliar nos trabalhos. A Polícia Civil já verificando isso aí, solicitou para o Governo do Estado mais pessoal e o governo sensível a estas questões já autorizou e está em andamento. Nós temos 56 delegados de polícia fazendo academia já, em breve vai iniciar a academia para investigador e escrivão. São mais funcionários para a Polícia Civil e, consequentemente, na hora da lotação alguns acabam vindo para a Deam.

Capital News: Mas, não se fala ainda na abertura de uma segunda delegacia de atendimento especializado?

Rosely: Ainda não.

Capital News: E sobre essa questão de atendimento 24 horas. A senhora acredita que seria mais confortável para esta mulher vítima de violência vir para a Deam do que ter de ir para uma Depac, numa madrugada, num fim de semana?

Rosely: Preocupados com isso, a Polícia Civil colocou nos Depacs existem funcionárias. Delegadas, escrivãs, investigadoras para pode dar esse atendimento melhor.

Capital News: As mulheres se sentem mais confortáveis em falar sobre esse assunto violência com outra mulher?

Rosely: Sempre. E sabendo desta necessidade, o nosso delegado-geral, Dr. Jorge Razanauskas, lotou mulheres nos plantões para poder dar esse atendimento à noite e nos finais de semana.

Capital News: Nessas suas duas passagens pela Deam, tiveram casos mais marcantes, crimes de difícil solução, mas que a delegacia conseguiu resolver?

Rosely: Felizmente, na Deam, o índice de solução é altíssimo. Veja, neste ano nós tivemos cinco homicídios. Dos cinco homicídios, um o autor deu cabo da própria vida, os outros três nós representamos pela prisão preventiva e eles estão presos, este quinto e último está com a prisão decretada e está foragido. Então, a Deam trabalha muito para realmente resolver esse problema. No ano passado nós encaminhamos para o Fórum, 3.022 inquéritos policiais concluídos, com autoria definida, e mais 839 casos, onde as mulheres se retrataram, porque existem crime que a lei dá essa oportunidade, existem situações onde a vítima, por força de lei, pode deixar de dar continuidade.

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