Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento solicitou, em nota técnica, revisão urgente do documento
Publicado em 2014, o Guia Alimentar para a População Brasileira traz uma série de orientações para ajudar os brasileiros a planejar melhor as suas refeições. Feito a partir de consulta pública a diversos setores da sociedade, o estudo, que enfatiza a importância de escolhas saudáveis, se tornou alvo de críticas nos últimos meses por parte de integrantes do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e da indústria alimentícia, que propõem a revisão urgente do documento.
Elaborado pelo Ministério da Saúde em conjunto com o Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (Nupens) da USP, o Guia Alimentar traz a classificação NOVA dos alimentos, baseada no grau de processamento industrial, que divide as comidas em quatro categorias: in natura ou minimamente processados, ingredientes culinários, processados e ultraprocessados. Assim, o documento traz como regra de ouro a priorização de alimentos in natura ou minimamente processados e preparações culinárias a alimentos ultraprocessados.
Para exemplificar, o Guia esclarece que um peixe fresco, rico em ômega 3, seria considerado um tipo de alimento in natura; uma lata de peixe em conserva é um exemplo de alimento processado (em razão da adição de ingredientes culinários como óleo e sal); e uma caixa de nuggets de peixe congelado seria classificada como ultraprocessado (por conta dos compostos químicos usados para dar cheiro, sabor e longevidade ao produto).
Uma forma prática de identificar em que grupo determinado alimento se enquadra é observar o rótulo do produto – quando houver – e analisar a lista de ingredientes. Caso sejam constatados mais de cinco ingredientes pouco familiares (espessantes, emulsificantes, aromatizantes, xarope de glicose, etc), o produto é considerado ultraprocessado.
Pedido de revisão
Crítico ao critério de classificação apresentado no Guia Alimentar, o MAPA publicou em setembro uma nota técnica dirigida ao Ministério da Saúde com a solicitação de revisão "urgente" do documento. A justificativa é de que a classificação presente no Guia seria "confusa, incoerente e prejudica a implementação de diretrizes adequadas para promover a alimentação adequada e saudável para a população brasileira".
Além disso, o pedido alega não existirem evidências que relacionem o valor nutricional e a saudabilidade de um alimento aos níveis de processamento, e afirma que "os determinantes mais importantes da qualidade da dieta são os tipos específicos de alimentos consumidos, e não o seu nível de processamento". A nota técnica traz entre as suas referências o artigo Contributions of processed foods to dietary intake in the US from 2003-2008, publicado em 2012 e financiado pelo International Food Information Council, organização que recebe apoio das indústrias de alimentos, de bebidas e da agricultura.
Em nota oficial, o Nupens contestou o pedido do MAPA e disse que o ofício não leva em consideração as centenas de estudos científicos indexados na base PubMed, que utilizaram a classificação NOVA e o conceito de alimentos ultraprocessados e também não leva em conta as pesquisas que demonstraram a associação inequívoca do consumo dos alimentos ultraprocessados com o risco de doenças crônicas de grande importância epidemiológica no Brasil, como obesidade, diabetes, doenças cardiovasculares e acidentes vasculares cerebrais.
De acordo com a pesquisadora Maria Laura Louzada, do Nupens, o objetivo do Guia é tratar da alimentação de uma forma ampliada, para além dos nutrientes. Sua elaboração levou em conta os hábitos e os costumes alimentares da própria população brasileira, por meio de dados do IBGE, e não se restringiu à apresentação de dados teóricos produzidos em estudos internacionais. “Além de apresentar os princípios e as recomendações sobre o que é uma alimentação saudável, conceitos de educação alimentar e de comunicação, o Guia foi pensado como um indutor de políticas públicas para a promoção da saúde e a prevenção de doenças”, disse em vídeo no canal da Faculdade de Saúde Pública da USP no YouTube.