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Domingo, 18 de Julho de 2021, 08h:05

Após perda de gestações, Elaine se curou por meio da arte

Mesmo em meio a adversidades ela mantém vivo seu sonho de ser mãe

Lethycia Anjos
Capital News

Deurico/Capital News

Após perda de gestações, Elaine se curou por meio da arte

Montagem da exposição

“O dia mais lindo da minha vida, foi quando ouvi o coraçãozinho do meu bebê, tinha vida ali no meu útero. Eu pensava, dessa vez vou ter meu filho em meus braços. Porém, um dia tive um leve sangramento e dores e para minha tristeza, meu bebê estava sem vida”, o relato é da empreendedora Elaine de Moraes, que mesmo em meio às adversidades da vida, mantém vivo seu sonho de ser mãe. Aos 40 anos, Elaine é artista, manicure e estudante de Estética e Cosmética, casada há 13 anos, ela precisou superar a perda de gestações mas encontrou na arteterapia a cura para sua dor. 

Arquivo pessoal

Após perda de gestações, Elaine se curou por meio da arte

                    Primeiro desenho feito por Elaine

 

Elaine relata que a arte esteve presente em sua vida desde muito cedo e por meio dela sempre teve um refúgio acolhedor. “O meu primeiro desenho fiz aos 11 anos de idade, onde lembro-me que passei por um período bem difícil e me lembro que foi a primeira vez que me peguei triste e me deu vontade de desenhar. Peguei uma revista onde havia um cavalo, meu lápis da escola, uma folha sulfite e uma borracha e foi onde desenhei sozinha ali na minha cama e quando vi, tinha desenhado o cavalo da revista, olhei e tinha ficado perfeito (aos meus olhos claro), e assim comecei a desenhar”.

 

Arteterapia

Conforme estudo desenvolvido pela Organização Mundial de Saúde (OMS) a arte pode auxiliar no tratamento de diversas doenças físicas e mentais, o estudo indica analisou evidências de mais de 900 publicações globais e mostra que as atividades artísticas podem ser utilizadas para complementar ou aprimorar os protocolos de tratamento. Por meio da música e arte é possível, por exemplo, reduzir efeitos colaterais do tratamento do câncer, como sonolência, falta de apetite, falta de ar e náusea. A pesquisa mostra ainda que atividades artísticas como artesanato e arte do palhaço, auxiliam no tratamento da ansiedade, dor e pressão arterial, enquanto a prática da dança promove melhorias clinicamente significativas na capacidade motora de pessoas com doença de Parkinson.

 

No Brasil, a arteterapia foi regulamentada em 2017 por meio da Portaria Nº 849, que estabelece a arte como base do processo terapêutico, o que inclui diversas técnicas como pintura, desenho, sons, música, modelagem, colagem, mímica, tecelagem, expressão corporal, escultura, dentre outras. Conforme a lei, a arteterapia pode ser promovida  de forma individual ou em grupo, baseando-se no princípio de que o processo criativo é terapêutico e fomenta a qualidade de vida. 

Arquivo pessoal

Após perda de gestações, Elaine se curou por meio da arte

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A Arteterapia estimula a expressão criativa, auxilia no desenvolvimento motor, no raciocínio e no relacionamento afetivo, por meio da arte estimula-se de forma mais harmônica as pessoas a lidarem com o stress e experiências traumáticas, a portaria busca ainda valorizar os saberes populares e tradicionais, e as práticas integrativas e complementares.

 

Apesar de estar conectada ao meio artístico desde criança, foi somente aos 19 anos, época em que passava pela primeira crise de depressão, que Elaine encontrou na arte um aliado em seu processo curativo. “Emagreci 14 quilos em 10 dias, onde só ficava em um quarto escuro e só comia pão e água, porque era o que descia. E um dia quando saí do quarto, vi minha mãe fazendo crochê na sala e vi ela concentrada e perguntei a ela: Mãe, é difícil fazer crochê? E ela me respondeu: Não filha, você quer aprender? Eu te ensino. E foi aí que tudo praticamente começou. Sentei no sofá e comecei a fazer e no outro dia saí do quarto depois de dias para me sentar na mesa e tomar café da manhã e pedi pra minha mãe se poderia fazer novamente o crochê e ela prontamente veio me ajudar, os dias foram se passando e a tristeza e depressão que estava foi indo embora. Trabalhei com artesanato por muitos anos”.

 

Primeira gestação

Arquivo pessoal

Após perda de gestações, Elaine se curou por meio da arte

Arte retrata suas gestações

Desde então, a empreendedora enfrentou diversos obstáculos, mas sempre mantendo a arte presente em sua vida. Em 2007 casou-se com Altemar, época em que descobriu que teria problemas para engravidar, mas somente em 2010 teve sua primeira gestação. “Fiz muitos exames e procedimentos, até que engravidei. Porém, descobri no mês de outubro, quase no final do mês, em uma terça feira e no sábado eu perdi, tive um aborto espontâneo, foi difícil, pois tive dores de parto mesmo. Cheguei a ver nosso bebê, formadinho e entrei em tristeza profunda novamente”.

 

A perda da primeira gestação desencadeou uma nova crise depressiva, foi quando descobriu o teatro. “Não queria ver pessoas, não queria ver ninguém. Na época, lembro de ter mudado de igreja, pois não queria encarar as pessoas, não queria dar explicação de nada para ninguém. Então, em 2011 o teatro entrou em minha  vida, fiz um curso fora de Campo Grande pois estava apaixonada pelo teatro. E assim foram 4 anos respirando arte”, relatou. 

 

Quando tudo caminhava bem, Elaine descobriu que estava com endometriose e devido ao estágio avançado da doença precisaria operar, o que a tornaria inapta a engravidar. “A endometriose na época já tinha acometido minha bexiga, meu útero por dentro e por fora, minha cavidade entre intestino e útero. Então, foi quando tive que operar, meu diagnóstico era de que teria que tirar o reto por inteiro e teria que usar uma bolsa de colostomia para o resto da vida. Porém, o meu médico foi mão de Deus e conseguiu recuperar metade, retirei apenas metade do reto e uma parte final do intestino onde já estava todo comprometido pela endometriose”.

 

Endometriose é uma doença inflamatória ocasionada por células do endométrio, tecido que reveste o útero, ao serem expelidas durante a menstruação as células se movimentam no sentido oposto e caem nos ovários ou na cavidade abdominal, voltando a multiplicar-se e a sangrar. No Brasil, somente em 2019 cerca de 11.790 brasileiras precisaram de internação em decorrência da doença. Dados da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), apontam que a endometriose afeta cerca de 10% da população feminina brasileira, principalmente entre mulheres de 25 a 35 anos de idade

 

Após a cirurgia ela precisou fazer uma importante escolha. “Minha ginecologista disse, ou você tentar engravidar ou temos que colocar o DIU, pois menstruar você não pode, corre o risco da endometriose voltar. Então, optamos por tentar engravidar”. 

 

A partir disso a empreendedora iniciou uma série de tratamentos para viabilizar a gravidez, mas a longa espera e a insegurança ocasionaram uma nova crise depressiva. “Foram dias frustrados, pois não conseguimos, então mais uma vez, entrei em depressão, fiquei muito mal novamente e foi daí que decidi que precisava focar em outra coisa, foi quando a área da beleza entrou na minhas vida, comecei a fazer um curso de manicure para sair da depressão e acabou se tornando a minha profissão daquele dia em diante, também procurei ajuda de uma psiquiatra e comecei a tomar remédio”.

Arquivo pessoal

Após perda de gestações, Elaine se curou por meio da arte

“Ali meu sonho de ser mãe foi por água abaixo” 

Quando tudo caminhava bem, um novo obstáculo surgiu em sua vida, quando em 2015 descobriu que seu marido estava com câncer. “Meu marido estava com um caroço no pescoço, e achou estranho, procuramos um médico e ele disse, ‘Altemar, me parece que é um gânglio aumentado, mas pode não ser nada, mas se você topar vamos fazer uma biópsia’, só em janeiro de 2016 veio a confirmação, meu marido estava com câncer, linfoma não hodgkin de células B grau 4, ou seja, era um câncer de um grau gravíssimo”.

"Você já tem filhos?’.... e eu quase em prantos disse ‘Não temos’"

 

Elaine contra que a médica que o acompanhou disse que a situação era gravíssima e que seu marido precisaria passar por quimioterapia de impacto. "Lembro de que estávamos no consultório dela, e eu perguntei, ‘Ele vai ficar estéril?’ ‘E ela disse sim, você já tem filhos?’.... e eu quase em prantos disse ‘Não temos’. Então, ela sugeriu guardar os espermatozoides dele, porém, não haveria tempo hábil para isso, pois o câncer era tão agressivo que o tratamento teria que começar imediatamente. Então, ali meu sonho de ser mãe foi por água abaixo, meu marido quase morreu, porém, graças a Deus,  ele foi curado e hoje após 5 anos está de alta”. 

 

Anos se passaram e em 2019, Elaine iniciou a faculdade de Estética tudo corria bem até que ela teve um grande surpresa. “Estava conversando com meu marido e estávamos planejando uma viagem, daí eu disse ‘Amor, tem 15 dias que minha menstruação tá atrasada, deve ser o nervoso das provas” e ele me disse para um teste de farmácia. Eu ri, e disse ‘como? você ficou estéril”. E ele respondeu ‘Nada é impossível pra Deus’, dei risada e disse ‘ok, vamos lá’, quando fiz o teste deu positivo”.

 

“Eu não ACREDITAVA no que estava vendo. Eu tremia por inteiro”, a surpresa foi tão grande que ela resolveu fazer um um exame de sangue que também deu positivo. “Fiz ultrassom, pois o BetaHcg tinha sido muito alto e achava que estava grávida de uns 3 meses. Quando fiz, para minha surpresa estava realmente grávida, não só de 1 mas de 2 bebês”.

 

Elaine conta que após a confirmação seu marido fez um espermograma para avaliar o ocorrido. “Ele tinha voltado a produzir espermatozoides, um milagre. Na época que estava com câncer e foi curado fizemos o mesmo teste, e ele tinha apenas 4 espermatozóides vivos, o restante era morto ou inativo. Dessa vez, ele tinha 38 milhões de espermatozóides”.

 

Após um mês e meio de gestação ela teve um sangramento que ocasionou na perda da segunda gestação. “Fui fazer um exame de ultrassom, já não estava mais grávida. Havia perdido meus bebês, foi aí que entrei em depressão novamente. Foi muito difícil”. 

 

Em 2020, em meio a pandemia da Covid-19 Elaine descobriu uma nova gestação. “Meu sogro pegou Covid e morreu em 28 de setembro de 2020, só que eu e meu esposo havíamos pego também. Ficamos em isolamento e muito tristes pela perda, um dia passei mal e resolvi fazer um teste de farmácia e pra minha surpresa estava grávida, 15 dias após a morte do meu sogro, descubro que estou grávida...novamente. Foi um misto de alegria e tristeza e preocupação ao mesmo tempo, pois não queria perder e o medo que estava, pois tinha tido Covid”.

"Tinha vida ali no meu útero"

 

A partir disso Elaine iniciou uma nova fase de exames pois descobriu que tinha trombofilia

“Estava tomando uma medicação específica para quem tem essa doença para não perder o bebê, fazendo tudo certinho. O dia mais lindo da minha vida, foi ouvir o coraçãozinho do meu bebê... que coisa mais linda. Tinha vida ali no meu útero, formadinho, com bracinhos em formação, pernas em formação e o coração a mais de 120 batimentos, coisa mais linda. Eu pensava, dessa vez vai, vou ter meu filho(a) em meus braços. Porém, um dia a noite tive um leve sangramento e dores. liguei pra minha médica e no outro dia fui fazer um ultrasson. E pra minha tristeza, meu bebê estava sem vida. Que dor que senti naquele dia. Eu chorei tanto na sala de ultrassom que a médica não sabia o que falar, meu marido desolado e o nosso bebê ali naquela imagem sem vida, parado, morto. Que dia difícil. Naquele mesmo dia fui para o hospital para tirar. E assim foi. Fiz a retirada do meu bebê”.

 

Após alguns dias ela recebeu o diagnóstico, a perda de terceira gestação foi ocasionada pela Covid-19. “Chegamos a conclusão que eu perdi por causa do Covid, pois estava fazendo tudo corretamente para a trombofilia, todas as medicações certinho.Eu engravidei  infelizmente já estava infectada e não sabia. Conforme ia passando os dias a tristeza vinha à tona, porém eu me fazia de forte, dizendo que estava tudo bem, mas na realidade estava destruída por dentro”.

 

Exposição

Eder Santos/Projeto NOVA

Após perda de gestações, Elaine se curou por meio da arte

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Em janeiro deste ano, Elaine se viu novamente com início de depressão, foi então que resolveu voltar a desenhar. “Disse a mim mesma, “Não quero mais isso, chega de ficar triste, preciso fazer algo ou já sei onde isso vai dar”. Então, foi quando um dia pensei nas coisas que gostava de fazer e mexendo em casa, vi minhas coisas de desenho e resolvi voltar a desenhar. Muito enferrujada, amadora, pois a última vez que tinha desenhado foi em janeiro de 2015, depois nunca mais. Comecei 1 desenho por dia. Depois de 2 desenhos por dia, 3, 4, cheguei a fazer 8 desenhos no dia. E todos eles tentando expressar a minha dor, a minha tristeza, meu choro, aquilo que estava sentindo em forma de desenho, já que eu não queria conversar ou falar sobre as minhas dores e tristezas”.

Eder Santos/Projeto NOVA

Após perda de gestações, Elaine se curou por meio da arte

Viviane Vaz e Elaine de Moraes

 

Elaine conta que um dia recebeu um convite de sua amiga de infância, Viviane Vaz, coordenadora do Projeto Nova, para participar de uma exposição sobre saúde mental. “Mostrei a ela os desenhos que estava fazendo e foi quando ela viu um desenho específico e começou a chorar, choramos juntas naquele momento e ela me disse ‘Amiga, você tem que mostrar sua arte para as pessoas, o mundo precisa conhecer a sua história’. 

 

Foi assim que ela chegou até a exposição “Saúde Mental”, inaugurada no dia 30 de junho na Galeria de Vidro da Plataforma Cultural, a mostra busca promover a conscientização por meio da arte, com obras de artistas amigos e parceiros do Projeto Nova, as obras retratam a busca pela qualidade emocional e saúde psíquica e oferecem à contemplação ao belo e lúdico.

 

“Nunca poderia imaginar que um dia faria parte de uma exposição de arte e ainda mais expondo meus desenhos,  pois quase ninguém sabia que desenhava, quase ninguém, somente a minha família e hoje as pessoas vendo a minha arte, é surreal”, contou.

 

 

Mesmo em meio a adversidades ela mantém vivo seu sonho de ser mãe. “Não desisti. Estava esperando tomar a vacina contra o covid-19,  que tomei dia 06/07/21, dose única da Janssen, vou terminar esse último semestre da faculdade e em 2022 seguirei em busca do meu sonho de ser mãe, de ter meu filho ou filha, ou filhos nos meus braços, pois enquanto houver chance, esperança e fé, não vou desistir do meu sonho que é de ser mãe”.

 

Por fim, Elaine ressalta a importância da arte em sua vida, em todas as formas que ela se manifestou ao longo de sua trajetória. “Arte é você olhar pra dentro da pessoa, do ser humano que quis expressar aquele desenho, quadro, escultura, toda forma de arte. É olhar para a alma daquela pessoa. Foram momentos difíceis, onde pensei em suicídio pois achava que a minha vida não valia a pena, onde achava que eu não tinha valor. E agora a arte mais uma vez me resgatou, me trouxe de volta a minha essência e aflorou aquilo que estava adormecido, aquilo que sei fazer de melhor e com amor, arte. A arte liberta, a arte transforma, a arte traz a vida, e eu sou prova viva disso”.

Eder Santos/Projeto NOVA

Após perda de gestações, Elaine se curou por meio da arte

 

Eder Santos/Projeto NOVA

Após perda de gestações, Elaine se curou por meio da arte

 

Eder Santos/Projeto NOVA

Após perda de gestações, Elaine se curou por meio da arte

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