O lucro desses eventos criminosos cobra uma taxa perversa que recai, principalmente, sobre as muitíssimas famílias que têm pago o mais pesado preço: a dor indizível de quem perde um ente querido para a Covid-19.
Com a ‘média móvel’ de mortes e de novos casos caindo de forma lenta, mas consistente, a pandemia de Covid-19 dá mostras de arrefecimento no Brasil.
Não é, porém, o caso de nos deixar envolver, como querem muitos, pela falsa sensação de que o ‘pior já passou’. Nada mais perigoso. Seja pelo fato de que ainda temos um número baixo de brasileiros completamente imunizados, seja porque os especialistas ainda não podem dimensionar plenamente o perigo representado pela variante delta.
Mais transmissível que outras mutações do coronavírus, essa variante, que já causou mortes no Brasil, até agora foi registrada em mais de noventa países, e pode se tornar a dominante no mundo, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS).
Com sintomas muito semelhantes aos de um resfriado comum – não é frequente a perda de paladar e olfato, por exemplo –, a delta pode ser disseminada por quem suponha estar apenas levemente gripado. O que leva grande preocupação às autoridades sanitárias, que temem uma escalada der contágio sem precedentes. Ainda que as pessoas imunizadas com duas doses – ou dose única – corram menos riscos de hospitalização por conta dessa variante.
Lamentavelmente, quando o Brasil ainda não alcançou vinte por cento de sua população totalmente imunizada, vemos ampliar a criminosa irresponsabilidade que se materializa, a cada semana, em dezenas de festas que, mais ou menos clandestinas, reúnem centenas ou até milhares de pessoas, sem qualquer respeito às regras sanitárias.
Contagiados de insensibilidade humana e tomados por um egoísmo que é feito de escárnio às mínimas regras de respeito à coletividade, esses milhares de baladeiros presumem “celebrar a vida” em seus festins insensatos, quando na verdade cultuam a morte ao se expor – e aos próximos, como pais, irmãos, avós – ao risco de contágio. Muito além de total ausência de empatia, esse comportamento traduz falta de senso de humanismo e, no extremo, afronta o próprio instinto de sobrevivência, um ‘dom’ primário comum até aos irracionais.
Não há como deixar de fazer ‘julgamento moral’ dessa impenitente e irrefreável tendência que empurra milhares de jovens – outros muitos nem tão jovens assim – à essa exposição ‘voluntariosa’ ao contágio de uma doença potencialmente mortal. São pessoas a quem falta, no mínimo, um fundamento civilizatório primário: o que reza que nenhum ser humano de posse de suas faculdades mentais pode se eximir de seu compromisso com a vida e o bem estar de seus semelhantes.
Aflige ainda mais saber, pelas próprias autoridades policiais, que, para cada festa clandestina flagrada e fechada, pelo menos outras três se desenrolam sem que seus irresponsáveis ‘convivas’ sejam perturbados. Ou seja, por mais que a fiscalização se desdobre, não é possível impedir totalmente as chamadas ‘festas secretas’. Que de secretas nada têm, pois em sua maioria são amplamente divulgadas pelas redes sociais.
Neste momento, quando o avanço da vacinação tem permitido às autoridades a redução gradual das restrições sanitárias, estendendo os horários de funcionamento para comércio e serviços, a fiscalização sobre essas aglomerações clandestinas deve ser ainda mais rigorosa, punindo com o máximo rigor possível seus inescrupulosos organizadores. Do contrário, corremos o risco de que todo o cuidado dos sensatos seja anulado pela sanha dos que tiram proveito da “coragem” dos que se julgam invencíveis ante o coronavírus.
O lucro carreado para os bolsos dos promotores desses eventos criminosos cobra uma taxa perversa que recai sobre toda a coletividade – que além do aumento exponencial do risco de contágio, banca os custos da rede pública de saúde – e sobre as famílias. Muitíssimas delas têm pago o pior e mais doloroso preço: a dor indizível de quem perde um ente querido para a Covid-19.
Mais do que para todos os outros, para essas famílias as festas clandestinas são escárnio a sua dor e vitupério a seu luto.
Logo nos primórdios da pandemia dizíamos que se a humanidade iria sair melhor ou pior dela, dependeria de como cada um de nós iria se comportar diante desse flagelo de escala planetária.
Definitivamente, os que promovem e participam dessas festas clandestinas não contribuem para que o conjunto dos seres humanos saia engrandecido dessa provação. Muito pelo contrário.
*Iran Coelho das Neves
Presidente do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul.
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