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A geopolítica das incertezas

Por Victor Missiato*

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Quando quatro boeings foram sequestrados e arremessados contra alguns dos principais símbolos dos Estados Unidos, em setembro de 2001, uma nova era de incertezas se instalou no mundo. A velocidade e o impacto como tudo aconteceu espetacularizou um drama social sem que uma referência coletiva pudesse ser imediatamente identificada. Não se tratava mais de um conflito entre países, mas de uma ameaça “invisível”, que, instalada em um país sem uma nação (Afeganistão), desequilibrou todo um sistema internacional.

Nessa nova era da hipermodernidade, segundo o filósofo francês Gilles Lipovetsky, todo um vazio existencial paira sobre as instituições tradicionais, destronando diversas visões de mundo e impondo um caos fragmentário, que se reorganiza às bases de um hiperindividualismo narcisista, indiferente e sedutor. Sendo assim, a disputa pelo poder também absorve tais preceitos.

Nos últimos tempos, uma série de acontecimentos mundo afora corroboraram para essa percepção cada vez mais complexa da realidade. Governos e regimes, doravante institucionalizados, passaram a conviver com novos atores e movimentos, que em seus programas buscam rechaçar “tudo aquilo que está aí”. Na mesma medida, as reações institucionais também passaram a transmitir posições excepcionais e radicais em diversas situações.

Nas Américas, as vitórias de Donald Trump abalaram todo um sistema tradicional de transição de poder nos EUA. No México, o Movimento Regeneração Nacional vem promovendo uma série de transformações inéditas no país, que conviveu por décadas com um mesmo partido no poder. Na América do Sul, Brasil, Chile e Argentina, lideranças como Bolsonaro e Pablo Marçal, Gabriel Boric e Javier Milei, vêm promovendo mudanças inéditas no perfil político, influenciando, inclusive, em uma nova cultura política na região.

Na Europa, a guerra entre Rússia e Ucrânia é mais um reflexo dos efeitos do Brexit, que colocou o poder de união das nações em xeque, fragilizando um sistema social, que preservava uma perspectiva social democrata desde a consolidação da União Europeia. Sem a Inglaterra de um lado e com as agressões russas de outro, a Europa vem optando por partidos mais conservadores, que volta e meia criticam as atuais normas do Conselho Europeu.

No Oriente Médio, o ataque inédito e assustador do Hamas está influenciando toda a geopolítica da região. Uma sociedade ameaçada e armada como a israelense declarou guerra contra o Hamas, Hezbollah e Irã, impactando os regimes políticos da Palestina, Líbano e do próprio Irã. O recente desmantelamento do governo da Síria é um reflexo desse processo, pois sem o apoio devido de Rússia e Irã, o governo de Bashar Al-Assad se esfacelou em questão de dias, assim como ocorreu com a Líbia, em 2011.

No Leste Asiático, a recente tentativa de um autogolpe pelo presidente da Coreia do Sul, Yoon Suk Yeol, estremeceu uma das democracias mais sólidas da região, que possui grande apoio norte-americano. Enquanto isso, novos movimentos sociais e guerras civis continuam impedindo vários países africanos de alcançar um mínimo de institucionalidade a fim de acelerar um inevitável processo de desenvolvimento regional.

Subjaz de toda essa série de acontecimentos geopolíticos, a certeza de que o improvável deve compor a estratégia política de toda potência global ou regional. Em uma era de emancipação identitária, em que o sentido coletivo da vida sofre com rupturas constantes da hiperindividualização do Eu, líderes, partidos e movimentos sociais tendem a cada vez mais adotar aspectos radicais em seus discursos e práticas no intuito de sensibilizar uma massa cada vez mais escorregadia.

Soma-se a isso, todo o impacto das novas tecnologias, principalmente ligadas à Inteligência Artificial, promotoras de um processo de desigualdade digital e social, que pode acarretar uma nova série de conflitos mundo afora. O recente assassinato de Brian Thompson, CEO da United HealthCare, não deve ser visto como um ponto fora da curva, pois os muros invisíveis das relações de poder nas democracias liberais também estão criando novas rachaduras.


*Victor Missiato
Professor de História no Colégio Presbiteriano Mackenzie (CPM), Tamboré. Dr. em História e analista político.

 

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