A praticamente duas semanas do primeiro turno das eleições municipais, é oportuno tratar da participação feminina no processo político-eleitoral de Mato Grosso do Sul.
Na verdade, nem seria necessário debruçar-se sobre estatísticas para constatar o óbvio: o flagrante e persistente déficit de representatividade feminina na política estadual, seja nas Câmaras de Vereadores, seja na instância do Poder Executivo municipal, onde apenas sete dos 79 municípios elegeram prefeitas na última eleição. Na Assembleia Legislativa não há uma única representante do sexo feminino na atual legislatura.
Apenas para apontar que essa distorção não dá sinais de que será superada plenamente a curto prazo, basta citar que 52,2% dos 1.932.293 eleitores de Mato Grosso do Sul são mulheres, mas apenas 33 delas concorrem à chefia do Executivo em 29 dos 79 municípios do estado. Ou seja, em 50 deles não há candidatas a prefeita. Atualmente são apenas seis prefeitas. Três delas buscam a reeleição.
Indicativo de algum incremento na participação política feminina está no fato de que em Campo Grande duas mulheres concorrem à Prefeitura e nove outras são candidatas a vice, enquanto em Ladário são três candidatas a prefeita, e em Nioaque, duas. Porém, no caso da Capital são duas mulheres e nada menos que doze homens inscritos na Justiça Eleitoral para disputar a Prefeitura.
A realidade atual não contribui para projeções muito otimistas, a menos que haja uma mobilização suprapartidária de valorização da representatividade feminina: Com 51,5% do eleitorado formado por mulheres, Campo Grande tem apenas duas representantes em uma Câmara Municipal de 29 vereadores.
Campo Grande e Mato Grosso do Sul reproduzem a realidade brasileira, de sub-representação da mulher na política, distorção que acaba por comprometer a própria democracia representativa.
Importante observar que tal déficit de representatividade feminina tem raízes profundas na história política do Brasil, de matriz patriarcal e, portanto, longamente refratária à atuação da mulher fora dos ‘limites do lar’.
Basta lembrar que o direito de voto para as mulheres foi instituído há apenas 90 anos, no dia 3 de novembro de 1930. Ainda assim com severas restrições que hoje, à distância, soam quase cômicas: só podiam votar mulheres casadas, com autorização do marido, e viúvas e solteiras... que exercessem trabalho remunerado.
Esse impenitente anacronismo sobreviveria à instituição do Código Eleitoral Provisório – e consequente criação da Justiça Eleitoral –, em 1932, e à Constituição de 1934. Embora a garantia constitucional do voto secreto, ali expressa, livrasse a mulher de prestar contas de seu voto ao marido ou ao pai, somente aquelas que exerciam atividade remunerada eram obrigadas a votar. Em uma época em que o trabalho feminino fora de casa era uma exceção, para a imensa maioria das mulheres o voto era facultativo.
Ainda que o direito ao voto tenha sido ampliado para todas as mulheres pela Constituição de 1946, somente em 1965, com a edição do Código Eleitoral até hoje em vigor, tal direito estaria definitivamente consolidado.
Por aí se vê que a sub-representação da mulher na política brasileira tem, como já dito, suas origens mais profundas no patriarcado que a República herdou do Império e cultivou enquanto pode, restringindo a participação feminina na política nacional por longo tempo.
Contudo, seria ingenuidade identificar apenas em circunstâncias históricas a origem desse déficit de representatividade da mulher na política.
Preconceitos arraigados – porém tão atuais quanto perniciosos – movem ainda hoje os que buscam travar a atuação política das mulheres, reduzindo espaços institucionais que lhes seriam naturalmente propícios. E, com frequência, manobram no interior dos partidos para que candidaturas femininas, principalmente para vagas no Legislativo, sejam instrumentalizadas apenas como coadjuvantes que conferem a essas agremiações status de modernidade social, de preocupação com a igualdade de gênero.
A partir de 1995, com a chamada ‘Lei das Cotas’ – válida então apenas para eleições legislativas municipais – vem sendo construída uma legislação capaz de assegurar, progressivamente, a efetividade da representação feminina em todas as instâncias político-partidárias. Contudo, as denúncias de lançamento de candidaturas femininas ‘laranjas’, nas últimas eleições legislativas, apontam que distorções e manipulações ainda persistem.
De todo modo, pela determinação das próprias mulheres, a redução do déficit de representação feminina na política brasileira é processo que, embora lento, tem avançado com consistência. Embora esteja ainda longe de expressar o crescente protagonismo das mulheres nos mais diversos setores da vida nacional.
Reduzir esse déficit de representação da mulher na política nacional é desafio contemporâneo a ser enfrentado por todos os segmentos lúcidos da sociedade brasileira.
Só então poderemos falar com propriedade que temos um autêntica democracia representativa.
*Iran Coelho das Neves
Presidente do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul.
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