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Opinião Sexta-feira, 27 de Maio de 2022, 19:15 - A | A

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Opinião

Caso Daniel Silveira e sua similaridade com o direito dos aposentados brasileiros

Por João Badari*

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Indicado pelo presidente Bolsonaro ao Supremo Tribunal Federal (STF) no ano de 2020, o ministro Kássio Nunes Marques paralisou (por meio de pedido de vistas), anulou (por meio de pedido de destaque) e declarou votos que demonstram sua posição e estratégia em relação ao Poder Executivo. O caso mais recente foi o seu voto pela absolvição do deputado Daniel Silveira. Mas também podemos destacara ação penal contra o ferrenho aliado de Jair Bolsonaro e ex-deputado federal, Roberto Jefferson, em que o ministro pediu vista, além do pedido de destaque no caso do passaporte da vacina contra a Covid-19, novamente um pedido de destaque no uso de linguagem neutra nas escolas e realização de pedido de vista nas onze ações contra decretos presidenciais sobre impostos e acesso a armas.

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João Badari - Artigo

João Badari

 

No caso do deputado Daniel Silveira, o seu voto foi o único pela absolvição, sendo contrário aos outros 10 ministros, o que gerou até mesmo espanto na Corte Superior. Em 2021, Nunes Marques pediu que o professor Conrado Hubner Mendes fosse investigado por críticas feitas a ele numa coluna no jornal Folha de S. Paulo. Para Marques, o professor teria cometido os crimes de calúnia, difamação e injúria. Porém, em seu voto inocentou Daniel Silveira.

Em sua coluna para o jornal, o professor criticou a decisão liminar do ministro de liberar cultos e missas presenciais na Páscoa, quando prefeitos e governadores haviam adotado medidas restritivas para conter o avanço da pandemia no país. No caso de Daniel Silveira ele entendeu que foi apenas uma brincadeira inocente.

Aqui, não irei adentrar no mérito do seu entendimento pela absolvição do deputado, e sim abordar a interferência do Executivo também em um tema previdenciário, que afeta a vida de milhares de aposentados, que é a Revisão da Vida Toda. Estes dois julgamentos possuem pontos em comum: a interferência do Presidente Bolsonaro nos julgamentos do STF e a falta de simetria do ministro Nunes Marques em seus julgados.

Com o anúncio da decisão pela condenação do deputado, o Presidente se pronunciou em uma live concedendo o perdão a pena imposta. O indulto presidencial possui fundamento constitucional, e de certa forma “anula” a decisão trazida pelos ministros.

Agora, por meio de fundamento da Resolução 642/2019, Marques anulou todo o julgamento da revisão dos aposentados, mesmo após os 11 votos serem juntados e prestes a ser anunciada uma decisão contrária ao poder Executivo. Vale lembrar que o chefe do Executivo também se manifestou sobre esta ação, dizendo que os aposentados “quebrariam o Brasil”, logo após o Ministro Marques requerer o reinício de todo julgamento.

Sobre o pedido de destaque na revisão, ele é uma manifestação processual para que o processo seja retirado do plenário virtual e o julgamento ocorra no presencial, anulando todos os votos. O mecanismo se mostrou como um “recurso de Ministro contra Ministro”, criando um terrível precedente infralegal.

O processo já estava concluído com relação ao voto de todos os ministros, inclusive o do ministro Nunes, que foi contrário aos aposentados e solicitou a anulação do julgamento. Isso gerou enorme temor em toda a comunidade jurídica, pois este perigoso precedente pode diminuir a importância do colegiado, onde um Ministro, descontente com o julgamento, anula sem motivação aceitável todo o trabalho já realizado, trazendo insegurança jurídica aos cidadãos.

O pedido de destaque deve ter uma motivação em sua requisição, e posteriormente deveria ser necessária a aceitação do órgão, como ocorre para as partes que o requisitam. Aqui abro mais um ponto em comum entre a revisão da vida toda e o processo de Daniel Silveira, mostrando a ausência de simetria entre as decisões do Ministro. Na ação penal contra Hubner Mendes, que citei no início deste artigo, ele entendeu que o professor teria cometido os crimes de calúnia, difamação e injúria, e no caso do deputado não.

Na ação dos aposentados ele também se mostrou contra o seu próprio entendimento, na relatoria da ADI 6.630/DF, onde indeferiu pedido de destaque feito pela parte. Sua fundamentação foi “2. O fato de ocorrer em ambiente virtual não restringe nem desqualifica a análise da demanda. Alterações foram recentemente promovidas no Regimento Interno a fim de aproximar, tanto quanto possível,  essa modalidade de julgamento do realizado presencialmente.”  E concluiu “os Ministros possuem amplo acesso às peças processuais, e os votos são disponibilizados, à medida que proferidos, no sítio eletrônico do Tribunal. Ausente excepcionalidade a justificar o acolhimento da pretensão, mostra-se oportuno o exame do mérito”.

Ou seja, ele entende que o requisito básico do pedido de destaque ser válido é existir uma excepcionalidade, que justifique a sua motivação. E aqui sem qualquer fato novo ou justificativa ele próprio requereu a anulação do julgamento ocorrido por Plenário Virtual. Entendo que não obter a decisão esperada pela maioria dos seus colegas não é motivo de anulação de julgamento, e isso traz uma conseqüência processual anômala, onde a decisão do colegiado passa a ter um peso menor que o pedido realizado por um Ministro, caso ele (ou o Executivo) não concordem com a solução da maioria na matéria.

Na revisão da vida toda mais um fato chama a atenção, em razão do ministro Marco Aurélio ter se aposentado, pois futuramente o Presidente da República poderá indicar mais dois novos ministros no próximo ano, onde a Ministra Weber (outubro/2023) e o Ministro Lewandowski (maio/2023) se aposentam. O pedido de destaque pode ser um mecanismo estratégico para escolha da composição do colegiado em temas que interessem ao Executivo. O próprio Presidente ao indicar Nunes Marques frisou “Tenho 10% de mim no Supremo”, uma matemática incompreensível em um universo de 11 julgadores, porém o recado está muito claro.

Caso um Ministro, que já votou, deixe seu cargo o seu voto deverá ser considerado no Plenário Presencial, e isso é uma proteção ao impedimento de manipular o julgamento trazida pelo artigo 941, §1º, do Código de Processo Civil, a conferir: "O voto poderá ser alterado até o momento da proclamação do resultado pelo presidente, salvo aquele já proferido por juiz afastado ou substituído".

Este motivo também é lembrado no artigo 940, quando o Código de Processo Civil fixa prazo para a apresentação do voto vista, impedindo que a demora do julgamento leve a modificações na composição do colegiado, de modo e beneficiar uma das partes.

Este objetivo trazido pelo CPC já foi abordado pelo doutrinador Humberto Theodoro Júnior, que muito bem ilustrou:

 

"Pode parecer que o texto inovado seria desnecessário em face da obviedade do direito de vista só caber a quem tem o direito de voto na sessão. A experiência, todavia, demonstra que situações absurdas acontecem em alguns tribunais. Em certo Tribunal do Norte do País, o presidente do Colegiado, que não tinha direito de voto, diante de um julgamento já encerrado, mas não proclamado, pediu vista, para aguardar (sic) a posse de um novo Desembargador, que em seguida foi admitido no processo, após a investidura, e empatou os votos, permitindo assim que o Presidente usasse o voto de minerva e mudasse o teor do julgamento fixado na sessão anterior (!)"

 

A clara tentativa de manipular o resultado, tratada pelo doutrinador como absurda, deve ser sumariamente sanada pelo STF, impedindo também interferências de outros poderes em suas decisões, e fará isso mantendo o posicionamento de ministros que não fazem mais parte da Corte, porém já juntaram o seu voto no processo. Isso é uma clara interpretação do CPC e também do RISTF, por meio do seu artigo 134, §1:

“Art. 134. Se algum dos Ministros pedir vista dos autos, deverá apresentá-los, para prosseguimento da votação, até a segunda sessão ordinária subsequente. § 1º Ao reencetar-se o julgamento, serão computados os votos já proferidos pelos Ministros, ainda que não compareçam ou hajam deixado o exercício do cargo.”

Na ADI 6.630/DF foi apresentada questão de ordem em que a parte requereu a reiteração de suas sustentações orais, em razão de pedido de destaque realizado pelo Ministro Alexandre de Moraes. Os atos que ocorreram no Plenário Virtual foram acertadamente confirmados novamente pela Ministra Carmen Lúcia: "Digamos que tivesse havido ali, nos votos que já foram tomados, alguém que se aposentou, que na minha compreensão do Regimento não permite sequer o destaque, porque o Regimento impede esse tipo de situação. O voto tomado do aposentado, que estava no exercício regular, não pode ser desfeito".

Para que um julgamento seja reiniciado do zero, anulando todos os atos anteriores, deve haver um motivo determinante, pois a atividade dos julgadores, no exercício da competência, necessita de motivação para o bom funcionamento do serviço público. Em nosso país a teoria dos motivos determinantes é utilizada para a situação em que os fundamentos de fato de um ato administrativo é requisito essencial para a validade deste ato. Isso foi suscitado por Nunes Marques quando negou pedido de destaque em processo de sua relatoria, mas o mesmo não seguiu este posicionamento na ação julgada contra o INSS, onde Bolsonaro afirmou que o STF gostaria de quebrar o país.

O ministro vencido não pode vetar a decisão de seus pares, utilizando o destaque de maneira estratégica a conseguir que a Corte decida sempre como este deseja, pois tal utilização injustificada trará ofensa aos princípios da colegialidade, segurança jurídica, devido processo legal e juiz natural, seguranças da legitimidade democrática.

As decisões do ministro Nunes Marques sinalizam os anseios do Poder Executivo, e percebemos com a história que todo homem que detém mais de um poder tende a abusar deles. Seguindo a linha do criador da tripartição de poderes, Montesquieu, se o poder de fazer as leis, o de executar as resoluções públicas e o de punir crimes ou solver pendências entre particulares se reunissem em um único homem ou associação de homens a sociedade estaria em ruínas. A separação dos poderes se mostra como uma maneira de descentralizar o poder e evitar abusos, fazendo com que um poder controle o outro ou, ao menos, seja um contrapeso. A concentração de poderes tende a gerar o abuso deles, e quem pagará este caro preço é o cidadão.

 

 

*João Badari

Advogado especialista em Direito Previdenciário e sócio do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados

 

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