Em recente contribuição para obra coletiva, ao discorrer sobre a relevância dos Tribunais de Contas no combate à corrupção fiz breve abordagem sobre como esse mal que tem sido escrutinado ao longo dos séculos, sob as mais diferentes perspectivas, sejam filosóficas, históricas, econômicas, jurídico-legais e tantas outras.
Ao dividir com os leitores deste espaço alguns dos aspectos abordados naquele trabalho, destaco ponto que considero tão instigante quanto desafiador para uma tentativa de compreensão – não de tolerância, em absoluto – da corrupção como perverso e predatório fenômeno social e humano, tão antigo quanto os primórdios da estruturação da vida em sociedade.
Já no primeiro livro da Bíblia Sagrada (Gênesis) há referência a inequívoco ato de corrupção, quando Esaú, filho mais velho de Isaque, vende a seu irmão Jacó, por um prato de lentilhas, a primogenitura e os privilégios e bênçãos que essa condição lhe facultava.
A transação entre os netos do patriarca Abraão envolveu mais que interesses individuais entre o que estava com fome e o que detinha as lentilhas: a barganha ilícita envolvia, com a usurpação de bênçãos, a futura liderança natural do primogênito, ou seja, poder político.
Da perspectiva judaico-cristã temos aí o marco inicial da corrupção que, na visão de alguns estudiosos, seria uma perversão inerente ao próprio processo civilizatório.
Concordemos ou não em vê-la como doença congênita da civilização, a essência delituosa da corrupção evidencia a cupidez transgressora e desumana de indivíduos que, em muitos casos, se beneficiam da hipertrofia de estados modernos para drenar recursos públicos e parasitar a sociedade.
Nas últimas décadas a corrupção tem sido objeto de muitos e aprofundados estudos nos mais diferentes campos das ciências sociais. Porém, esse valioso acervo de conhecimento não tem repercutido diretamente na redução das fraudes e de outros delitos que dilapidam os recursos públicos em benefício criminoso de indivíduos e corporações.
De todo modo, a vasta e contínua reflexão acadêmica sobre a corrupção, suas origens e consequências perversas, bem como sobre os mecanismos para preveni-la e combatê-la, contribui enormemente para fomentar, nas sociedades e nos indivíduos, a rejeição objetiva às práticas lesivas aos cofres públicos.
Consolidar o combate à corrupção como cultura civilizatória, este o grande desafio da sociedade contemporânea.
*Iran Coelho das Neves
Presidente do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul.
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