O alívio que experimentamos com o arrefecimento da pandemia nos impõe refletir sobre a catástrofe humana, social e familiar representada pelas quase 600 mil vidas ceifadas até aqui pela covid-19 no Brasil.
Com 143 milhões imunizados com a primeira dose e 85 milhões totalmente vacinados contra a covid-19 (dados do dia 22/09), aos poucos o Brasil registra um declínio consistente nos índices de contágio e de mortes causadas pelo novo coronavírus, embora os especialistas sustentem que ainda estamos longe do estágio em que será possível baixar totalmente a guarda.
Com efeito, ainda que registrem, felizmente, queda acentuada e consistente, o número de mortes diárias e o índice de contágio não permitem relaxar nos cuidados pessoais de prevenção, muito embora governos estaduais e prefeituras venham suspendendo as restrições em ambientes públicos, em alguns casos com liberalidade que preocupa especialistas.
Há, contudo, uma compreensível sensação de alívio diante do arrefecimento da pandemia, com a consequente retomada gradativa do convívio social e das atividades econômicas.
Depois de um ano e meio de medidas restritivas severas, quando a dramática realidade impôs não ‘apenas’ o distanciamento social, mas longas separações entre pais e filhos, entre avós e netos, a perspectiva realista de que o pior já pode ter ficado para trás gera, naturalmente, uma sensação coletiva de alento e de renovação de esperanças.
Todavia, como advertem epidemiologistas e demais especialistas da área, é preciso ter em alta conta que, embora esteja em declínio, a epidemia ainda está longe de ser extinta. O que, aliás, pode nunca vir a acontecer, como ocorre com a gripe, cuja prevenção exige vacinação anual.
Portanto, manter os cuidados de higiene preconizados como forma de prevenção deve seguir como regra, de preferência como hábito definitivo. A propósito, já em março de 2020 pesquisa do Instituto Qualibest indicava que 94% dos brasileiros tinham mudado seus hábitos de higiene como forma de proteger a saúde e prevenir o contágio pelo novo Coronavírus. Indicativo promissor, desde que o abrandamento da pandemia não reduza esse hábito a simples atitude ocasional, errática.
De todo modo, depois da longa via crucis imposta pela pandemia, o Brasil experimenta, felizmente, um alívio que, tudo indica, não será apenas passageiro, apesar da ameaça representada pela variante Delta que, embora mais contagiosa, encontra agora boa parte da população imunizada.
Levantamento quinzenal da Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz) divulgado no último dia 17 apontava que o índice de ocupação de leitos de UTI por pacientes com covid-19 foi o menor nos últimos 14 meses, com taxas abaixo de 60% em 26 estados e no Distrito Federal. O mesmo estudo apontava queda de 3,8% no número de óbitos, entre os dias 5 e 11 de setembro, com média diária de 460 ante 680 no período 29 de agosto e 4 de setembro. No mesmo período, segundo a Fiocruz, a média diária de novos casos caiu de 24,6 mil para 15,9 mil.
Ao mesmo tempo em que, ao confirmar o arrefecimento da pandemia, os números geram essa sensação coletiva de alento, também advertem para a dramática constatação de que a covid-19 segue matando centenas de brasileiros todos os dias. E isso deve nos tocar de modo profundo, seja como indivíduos que afortunadamente escapamos ao ataque do novo coronavírus, seja como seres humanos, condição que nos impõe partilhar da dor de nossos semelhantes.
Dessa perspectiva, o alívio que experimentamos ao constatar o arrefecimento da pandemia nos impõe refletir sobre a catástrofe humana, social e familiar representada pelas quase 600 mil vidas ceifadas até aqui pela covid-19 no Brasil.
Ainda que, como seres humanos, comunguem dessa sensação de alento trazida pela redução do contágio e da letalidade da pandemia, os que perderam entes queridos para o Sars-Cov-2 estão fadados à dor permanente causada por perdas irremediáveis.
Se não tivermos a grandeza humana e o espírito de solidariedade, de compaixão mesmo, para compreender a dimensão da tragédia que só em nosso país dizimou mais de meio milhão de vidas – e pela dor e o luto de suas famílias, de seus amigos –, por certo teremos aprendido muito pouco com a mais dura provação natural por que passou – ainda passa – a humanidade em mais de cem anos.
*Iran Coelho das Neves
Presidente do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul.
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