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Opinião Quinta-feira, 04 de Fevereiro de 2021, 07:00 - A | A

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Efeito colateral: Ao expor diferentes "brasis", pandemia incita energia social

Por Iran Coelho das Neves*

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Crise sanitária sem precedentes revelou a milhões de brasileiros os ‘brasis’ que desconheciam, despertando o sentimento de empatia e de solidariedade.

 

Fevereiro já bate à porta, porém o trágico panorama configurado há um ano pela pandemia do novo coronavírus insiste em seguir atormentando a humanidade.

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Iran Coelho das Neves - Artigo

Iran Coelho das Neves

 

No Brasil, que ultrapassou a trágica marca de 220 mil vidas perdidas e de nove milhões de contaminados, o repique, segunda onda, ou seja lá que nome se queira dar, mostra a força perniciosa e mutante do vírus, enquanto a vacinação felizmente tem início. Ainda que literalmente a conta-gotas.

Diante de tão longa e brutal catástrofe social, humana e econômica, é alentador constatar que, mesmo perigosamente confrontado com a mais grave crise sanitária que assola a humanidade em pouco mais de um século, o conjunto de nossa sociedade dá mostras de nutrir uma energia essencial.

Parece claro que essa energia vital coletiva é alimentada pela esperança de que em breve a pandemia será dominada, e a vida retomará seu curso ‘normal’. Contudo, ela é gerada a partir da constatação das desigualdades profundas reveladas pelo longo combate à covid-19.

De toda forma, será com essa energia pulsante, preservada pela coletividade como seiva advinda dos seres humanos que não sucumbiram ao individualismo, que, passados os suplícios da pandemia, poderemos edificar não uma ‘nova sociedade’ ou um quimérico ‘novo homem’, mas uma realidade social mais humanizada, inclusiva e solidária.

De nada adiantaria, porém, apostar em um imaginário ‘movimento redentorista’ que, decorrente de uma mais que improvável expiação humana e social imposta pelas agruras da pandemia, instaurasse valores transcendentes.

Do mesmo modo, mobilizar essa salutar energia de que tem dado mostras a sociedade – resiliência, inconformismo com o caos sanitário e esperança na vitória sobre a covid-19 – não depende, de modo algum, de ‘salvadores da pátria’ ou de pregoeiros de transformações milagrosas.

Se as graves e prolongadas adversidades geradas pela pandemia foram capazes de produzir, como contrapartida virtuosa, mobilização social e solidariedade humana sem precedentes, para tanto não foi necessária a atuação de figurões midiáticos ou de pretensas lideranças, fossem políticas, corporativas ou religiosas.

Assim, quando, com a ampliação progressiva dos contingentes vacinados, a epidemia for contida, como se espera, será das instituições públicas, das organizações sociais e acadêmicas, a responsabilidade de não permitir que se dilua a imensa reserva de energia social e de senso de humanidade que une grande parte da nação em momento de longa aflição coletiva.

Apesar da perigosa radicalização provocada pela manipulação da covid-19 como instrumento de discórdia político-ideológica, o que se constata é que grande parte da sociedade nacional não se deixou contaminar por essa insensatez.

Pelo contrário, ao expor de forma dramática nossas profundas desigualdades humanas e socioeconômicas, muitas vezes desnudadas de forma cruel – a morte de pacientes por falta de oxigênio no Amazonas é só a evidência mais brutal –, a pandemia acabou por despertar em milhões de brasileiros o sentimento de empatia e de solidariedade para com os ‘brasis’ que desconheciam. E que muitas vezes estão na sua cidade, no seu bairro ou até na sua rua.

Essa conscientização coletiva sobre formas tão dramaticamente discrepantes como a pandemia atinge diferentes brasileiros, em diferentes pontos do país, tem instaurado, pelo menos em grande parte da sociedade, a consciência de que algo precisa ser feito para tornar o país menos desigual.

É esse inconformismo coletivo, essencialmente social e humano – e não político-partidário ou ideológico – que se traduz na energia vital que, superada ou arrefecida a pandemia, deve ser sabiamente utilizada para empreender transformações que, pelo menos, reduzam as profundas desigualdades que a covid-19 tem exposto de forma tão contundente e dolorosa.

 

 

*Iran Coelho das Neves

Presidente do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul.

 

 

 

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