Maior que a natural ansiedade individual deve ser o senso de responsabilidade social e humana.
Em relação à pandemia, o ano de 2021 começa como terminou 2020, ou seja, com agravamento do contágio, alta dramática do número de internações e óbitos, e com o sistema de saúde sob risco de colapso iminente em diversas cidades do país.
Porém, há boa razão para termos a firme esperança de que, ainda no decorrer do ano que começa, a humanidade terá superado a mais dura provação epidêmica em mais de um século: a vacinação contra a Covid-19, já em curso em diversos países e prestes a se iniciar no Brasil, instaura a perspectiva real de que em algum momento deste 2021 possamos comungar do alívio extraordinário representado pela contenção do contágio.
E o verbo comungar vem aqui a propósito, pois a tão esperada vacina deve ser tida e havida como um bem comum e essencial, e não como um produto de ‘salvação’ individual, sobre o qual cada um se lança como pode e com as forças que tem. Felizmente, algumas tentativas antecipadas de ‘furar a fila’ foram prontamente barradas, mas serviram de alerta para se prevenir possíveis abusos quando a vacina estiver disponível.
É compreensível, natural mesmo, que depois de tão longo e tenso período sob risco de contágio, estejamos todos ávidos por uma vacina. Contudo, maior que a nossa urgência individual deve ser o senso de ética e de responsabilidade social, e sobretudo o sentido de humanidade com que devemos aguardar a nossa vez.
No âmbito de Mato Grosso do Sul, o TCE-MS está pronto para, nos termos de sua atribuição constitucional e de seu dever social, zelar pelo rigoroso cumprimento da escala de prioridades, definida pelas autoridades sanitárias.
Como bem disse o vice-presidente da República, general Hamilton Mourão, ao reassumir suas funções após curar-se da Covid-19, a vacinação contra a doença “é uma questão coletiva, e não individual”, acrescentando que pretende tomar a vacina quando for a vez do grupo 2, que é o seu.
Esse deve ser o comportamento geral, mais ainda dos que, investidos em alguma função pública, têm a reponsabilidade de, direta ou indiretamente, contribuir para que a aplicação das tão esperadas doses obedeça o rigor técnico estabelecido pelas autoridades sanitárias. Qualquer desvio ou transigência seria não só grave violação do ordenamento imposto pela urgência de se combater com eficácia a pandemia, mas também uma aberta afronta ética e moral à coletividade.
Ainda com relação à escala de prioridades para a vacinação contra a Covid-19, um assunto tem gerado polêmica nos últimos dias: a possibilidade de que a rede privada possa vender a vacina, tal como ocorre com outros imunizantes. A Associação Brasileira das Clínicas de Vacinas (ABCVAC) inclusive já anunciou que negocia com a farmacêutica indiana Bharat Biotech a aquisição de cinco milhões de doses da vacina Covaxin, no momento em que o produto obtiver aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Trata-se de uma questão delicada, pois à primeira vista leva à suposição de que os que podem pagar furariam a fila, comprometendo a essência igualitária, pública, do programa de imunização que vem sendo planejado pelo Ministério da Saúde.
Outro sério risco, apontado pelos críticos da iniciativa, seria uma competição mercadológica, com o setor privado acirrando a demanda, o que elevaria preços e, em último caso, retardaria o acesso dos governos às vacinas necessárias para cumprir seus programas.
Contudo, enquanto a ABCVAC assegura que não haverá competição com o governo brasileiro pela aquisição de vacinas e insumos, o Ministério da Saúde já definiu que a rede privada deverá seguir a ordem de vacinação de grupos prioritários prevista no Plano Nacional de Imunização. Acrescente-se ainda que diante do risco de escassez, o governo federal pode, obviamente, requisitar estoques de vacinas e insumos das clínicas particulares.
Assim, quer nos parecer que a participação da iniciativa privada pode dar contribuição importante para a imunização que, todos esperamos, barrará o avanço da Covid-19.
Desde que tal participação esteja submetida a controles rigorosos das autoridades sanitárias.
*Iran Coelho das Neves
Presidente do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul.
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