Dos mais ricos e delicados biomas do planeta, o nosso Pantanal vive uma tragédia ambiental sem precedentes nas últimas décadas.
A diminuição acentuada de chuvas no período apropriado reduziu o volume de água do rio Paraguai, o que impediu a cheia sazonal em todo a Bacia Pantaneira, resultando em vastas áreas cobertas de vegetação ressequida, agora consumida por incêndios devastadores.
Alguns números emitidos por fontes autorizadas podem dimensionar a tragédia ambiental:
De janeiro a julho deste ano foram registrados 4.218 focos de incêndio na região pantaneira, enquanto no mesmo período do ano passado foram 1.475 registros, segundo dados do INPE reportados pela BBC News Brasil. A correlação configura assombroso desastre ambiental quando sabemos que até o último dia quatro nada menos que 1,1 milhão de hectares tinham sido atingidos pelo fogo somente no Pantanal sul-mato-grossense.
E a devastação tende a se agravar, principalmente porque agosto e setembro são os meses mais secos na região, e as chuvas, que começam em outubro, neste ano podem retardar, de acordo com o biólogo Carlos Roberto Padovani, da Embrapa Pantanal. Esse agravante é um risco real, uma vez que de outubro a março últimos – período chuvoso – a precipitação na Bacia Pantaneira foi 40% menor que a média de anos anteriores.
Como é imperativo acontecer diante de qualquer desastre, natural ou não, o fundamental agora é combater a catástrofe que se abate sobre o Pantanal – o que os governos de Mato Grosso do Sul e de Mato Grosso, com o apoio do Ministério da Defesa, têm feito –, enquanto as suas causas podem e devem ser definidas e analisadas no tempo exigido pela ciência. Principalmente para que a tragédia não se repita nos próximos anos.
Sem dúvida, as causas de um desastre ambiental como esse são diversas e envolvem múltiplos fatores que, naturais ou de responsabilidade humana, convergem para sua deflagração.
O baixo índice pluviométrico no período de outubro a março, responsável por manter o nível do rio Paraguai em meros 2,1 metros em junho – a menor marca em 47 anos –, quando a média de cheia é de 5,6 metros, deixou de propiciar a inundação da planície pantaneira, secando a vegetação própria de áreas alagadiças, o que resultou em biomassa altamente inflamável.
Alguns especialistas apontam o aquecimento global com causa da seca que reduziu a inundação benfazeja da Bacia Pantaneira, enquanto outros indicam o agravamento crítico do desmatamento da Amazônia, com a consequente redução do fenômeno chamado de ‘rios voadores’, pelo qual grande quantidade de umidade é transportada pelo ar, precipitando-se como chuva em boa parte da América do Sul.
Enquanto a cultura pantaneira do uso de queimadas para renovar pastagens naturais é apontada como causa de muitos dos incêndios que fogem ao controle, para alguns estudiosos o desmatamento, pelo agronegócio, dos cerrados que bordejam o Pantanal, e a remoção da cobertura vegetal no interior do próprio bioma, para o cultivo de pastagens exóticas ou para a agricultura de escala, contribuem para a degradação ambiental, e consequente criação de condições para os incêndios devastadores.
Enquanto se discutem as causas dessa calamidade, suas consequências são flagrantes e dramáticas. Com graves repercussões, tanto imediatas quanto a médio e longo prazos.
De imediato, os prejuízos ambientais e econômico-financeiros são incalculáveis, com a destruição não só da frágil cobertura vegetal, mas de boa parte da riquíssima fauna pantaneira, consumida pelo fogo.
A regeneração da cobertura vegetal, como é sabido, pode se dar em tempo relativamente curto. “Daqui a dez ou quinze dias, a região pode ficar verde de novo”, como diz Felipe Dias, do Instituto SOS Pantanal.
O gravíssimo e talvez irreparável prejuízo incide sobre a vida animal, pois a destruição de incontáveis espécimes dizimados pelo fogo pode exigir décadas para que a fauna se recomponha.
Naturalmente, neste momento todos os esforços do governo, nas três esferas de poder, das organizações civis e dos valentes pantaneiros que conhecem e amam sua terra como ninguém, estão voltados para o combate aos incêndios que consomem boa parte de um dos mais ricos e delicados biomas da Terra.
Chegará a hora, porém, de fazemos um inventário corajoso e competente desse desastre de proporções catastróficas.
Principalmente para que, definidos todos os fatores que convergiram efetivamente para deflagrar essa tempestade de fogo perfeita, possam se estabelecer, enfim, políticas públicas, consistentes e confiáveis, de prevenção permanente de queimadas no Pantanal.
Sem isso, continuaremos tentando apagar incêndios que, mais ou menos devastadores a depender de fatores climáticos e do ciclo das chuvas, a cada ano consomem uma parte do Patrimônio Natural da Humanidade que nos é dado preservar para as futuras gerações.
*Iran Coelho das Neves
Presidente do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul.
• • • • •
A veracidade dos dados, opiniões e conteúdo deste artigo é de integral responsabilidade dos autores e não reflete, necessariamente, a opinião do Portal Capital News |