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Opinião Quarta-feira, 06 de Janeiro de 2021, 07:00 - A | A

Quarta-feira, 06 de Janeiro de 2021, 07h:00 - A | A

Opinião

Uma corrente do bem, para além do dever moral

Por Jacir Venturi*

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Quando adolescente, estudei em um colégio interno em Lages (SC). Meu pai, um pequeno madeireiro, foi à falência e eu teria de abandonar os estudos por não poder mais pagar a mensalidade. Um de meus professores – um padre depois alçado a bispo – obteve de um casal católico alemão a ajuda necessária para um ano e meio de estudo, o suficiente para que eu concluísse o então primeiro grau (atualmente Ensino Fundamental). Cerca de uma década depois, já estabilizado profissionalmente, voltei àquela instituição de ensino com a disposição de ressarcir aquele gesto magnânimo, não ao casal (que preferiu se manter no anonimato), mas ao próprio educandário, para que igualmente beneficiasse outros estudantes em dificuldades.

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Jacir Venturi - Artigo

Jacir Venturi

 

Ao lhe entregar minha doação, o mesmo professor me deu uma das mais importantes lições de minha vida: "nós aqui – disse o padre – temos as nossas dificuldades, mas somos autossuficientes. Você, como proprietário de escola em Curitiba, pode ajudar muitos estudantes que precisam". E este foi um compromisso que de fato assumi, concedendo  meias bolsas  ou integrais a centenas de alunos. E sempre tive o zelo de chamar cada beneficiado com a recomendação de que toda a gratidão deveria ser concedida não a mim, mas às pessoas que vierem a dele(a) necessitar de ajuda.
 
Na sua sabedoria, este professor me ensinou – e assim procurei disseminar – que ser solidário é sim um dever moral, mas pode ir muito além disso ao se tornar uma corrente do bem. E isso só é possível quando temos com o nosso próximo a mesma empatia que experimentamos daqueles que nos estenderam a mão nos momentos de necessidade, dentro daquilo que nos é possível fazer. Se não somos proficientes de grandes obras que impactem uma comunidade, podemos dar a nossa modesta contribuição com aquilo que está ao nosso alcance.
 
Toda a atividade social de benemerência incorpora para a vida de quem a pratica uma experiência de grande valor. É uma via de mão dupla, pois o retorno está em um sentimento de felicidade genuína e no prazer de ser útil. É uma terapia gratificante, a ponto de ser indicada por diversos consultórios como uma forma de organizar o tempo dos pacientes, que, ao se sentirem úteis e solidários, recebem os efeitos da liberação das benfazejas endorfinas. Aqui Leon Tolstói, um dos mais renomados escritores russos, morto em 1910, é pertinente: "A alegria de fazer o bem é a única felicidade verdadeira".
 
Sim, é uma via de mão dupla, pois a de ida leva dignidade, autoestima, bens materiais, alimentos à pessoa ou à comunidade atendida. Certa feita, Madre Tereza de Calcutá distribuía pão, peixe e água à população de um bairro paupérrimo de uma cidade indiana. Um repórter, bem intencionado, se achega e pergunta: em vez de dar o peixe, não seria melhor ensiná-los a pescar? Como sempre obsequiosa, Madre Tereza lhe transmite uma lição de anos de experiência: primeiro, eles precisam se alimentar, neste momento não dá para ensinar a pescar. Ninguém aprende de barriga vazia.
Os gestos de generosidade são sempre nobres, não importa a motivação. Religiosa? Você só leva aquilo que dá. Cívica? Somos um dos países mais desiguais do mundo. Narcisista? Não nos cabe julgar, afinal a ânsia de ser apreciado é da natureza humana e para o beneficiário pouco importa a motivação da ajuda recebida. E se para toda boa ação é da natureza humana esperar reconhecimento, consolemo-nos nas páginas do Evangelho: não foram 10 os leprosos curados? Quantos voltaram para agradecer? Outro dia, li: "Quem tem coragem para fazer o bem, tem que ter sabedoria para suportar a ingratidão".

O Brasil não é um país pobre, mas sim injusto. A bem da verdade, este país será salvo não apenas pelos governantes, mas pelas ações concretas de cada um de nós. Não podemos ficar indiferentes à cruel realidade de nossas crianças e jovens, carentes não só de alimento, saúde e boas escolas, mas também de esperança. E no  limiar de um novo ano, após os estertores de um ano pandêmico, de perdas e isolamento social, há um renovar de esperanças, sobretudo uma disposição de sermos mais altruístas, com bons propósitos de ressignificar nossas atitudes de amor ao próximo, pois "bondade também se aprende" – como bem ensina a poetisa goiana Cora Coralina.

 

 

*Jacir J. Venturi

Membro do Conselho Estadual de Educação do Paraná, foi professor e diretor de escolas públicas e privadas, e das universidades UFPR, PUCPR e UP.

 

 

 

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