Um relatório da investigação que deu origem à Operação Ultima Ratio, apresentado pela Polícia Federal, revela que magistrados do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS) decidiram que o Banco do Brasil deve pagar uma dívida de R$ 178 milhões a dois advogados, filhos do desembargador Vladmir Abreu da Silva, envolvido no escândalo que resultou no afastamento de outros quatro desembargadores, todos suspeitos de corrupção no Poder Judiciário sul-mato-grossense.
Os advogados Marcus Vinícius Machado Abreu da Silva e Ana Carolina Machado Abreu da Silva, sócios de um escritório em Campo Grande, são diretamente envolvidos na ação. Outro advogado, Felix Jayme Nunes da Cunha, identificado como suposto lobista no esquema, também foi citado. Todos foram alvos de mandados de busca e apreensão no dia 24 de outubro, em meio à operação que investiga suspeitas de venda de sentenças no TJMS.
Conforme o relatório da PF, ao qual o Dourados News teve acesso, a causa milionária está vinculada a um acórdão transitado em julgado e ainda pendente de cumprimento. A ação se originou de um processo movido pelo Banco do Brasil contra um casal de Três Lagoas, que remonta ao início dos anos 1990 e foi prescrito em 2018. Após a prescrição, os advogados dos clientes solicitaram que o banco pagasse os honorários pelos serviços prestados, pedido negado em primeira instância, mas posteriormente levado ao TJMS.
Na sequência, o caso foi transferido para os advogados Felix Jayme e Marcus Abreu, com previsão de pagamento a Felix sobre o montante que excedesse R$ 60 milhões, conforme revelado pelo relatório da PF.
“Um deles é o arquivo denominado ‘Contrato de parceria e cessão de honorários. docx’. Trata-se de uma minuta de contrato em que Felix Jayme consta como cessionário de crédito relacionado à citada ação judicial, devido pelo Banco do Brasil. Marcus Abreu também figura ao final do contrato como ‘Procurador dos cedentes (anuente)’. Constata-se que se trata de ação de grande vulto, pois a cessão a Felix Jayme será do valor que exceder R$ 60 milhões em caso de acordo com o referido banco”, diz trecho.
Em janeiro de 2021, uma decisão unânime dos desembargadores Divoncir Maran (atualmente aposentado), Marcos José de Brito Rodrigues (um dos afastados) e do juiz Luiz Antônio Cavassa condenou o banco, chamando a atenção da Polícia Federal.
“Considerando os elementos colhidos, entendemos haver fortes indícios de venda de tal decisão, tendo em vista que entre os desembargadores estão os investigados Divoncir Maran e Marcos Brito, com envolvimento dos advogados Marcus Abreu e Felix Jayme”, aponta o documento.
Atualmente, os honorários dos advogados estão estimados em mais de R$ 178 milhões. Houve ainda julgamento em segunda instância, sob o comando de outro desembargador afastado, Sideni Soncini Pimentel, novamente resultando em decisão favorável aos advogados. Em 2024, o TJMS julgou improcedente uma ação rescisória movida pelo Banco do Brasil, que agora recorre ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) através de um agravo especial.
O espaço está aberto para manifestação dos envolvidos ou de suas respectivas defesas.
A operação
A Operação Ultima Ratio foi desencadeada no dia 24 de outubro. Na ocasião, foram cumpridos pela PF (Polícia Federal) e RFB (Receita Federal do Brasil), 44 mandados de busca e apreensão nas cidades de Campo Grande, Cuiabá (MT), Brasília (DF) e São Paulo (SP).
O objetivo é investigar possíveis crimes de corrupção em vendas de decisões judiciais, lavagem de dinheiro, organização criminosa, extorsão e falsificação de escrituras públicas no Poder Judiciário de Mato Grosso do Sul.
Foram afastados por determinação do STJ cinco desembargadores e um conselheiro do TCE-MS (Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul). São eles Marcos José de Brito Rodrigues, Sideni Soncini Pimentel, que havia sido eleito para presidir o TJMS a partir de fevereiro de 2025, Vladimir Abreu da Silva, o atual presidente Sérgio Fernandes Martins e Alexandre Aguiar Bastos.
Além deles, o conselheiro Osmar Domingues Jeronymo também recebeu cautelar por parte da Justiça. Todos estão afastados por determinação do ministro Francisco Falcão por 180 dias, incluindo o uso de tornozeleira eletrônica.