A morte da jornalista Vanessa Ricarte, assassinada pelo ex-noivo após procurar ajuda na Casa da Mulher Brasileira, expôs as falhas no sistema de proteção às mulheres em Mato Grosso do Sul. Mas a tragédia de Vanessa não é um caso isolado. Ana, nome fictício para preservar sua identidade, sobreviveu a anos de abusos, mas teve sua segurança negligenciada pelas mesmas instituições que deveriam protegê-la.
Quando finalmente decidiu denunciar o marido agressor, Ana foi até a Casa da Mulher Brasileira com seus três filhos pequenos, desesperada e sem rumo. O que encontrou lá, no entanto, foi um atendimento frio e repleto de julgamentos. Além de perguntas invasivas sobre sua vida pessoal, ouviu insinuações de que teria um amante e foi questionada sobre sua relação com o agressor. “O escrivão perguntou: ‘Você usa drogas também? Porque só isso justifica você continuar com ele.’”, lembra Ana, em meio às lágrimas.
Mesmo após relatar anos de abusos psicológicos e físicos, a medida protetiva não foi expedida de imediato. Era um sábado, e a resposta que recebeu foi que teria de esperar pelo menos três dias úteis. Sem ter para onde ir, voltou para casa dias depois, convencida pelas promessas de mudança do agressor. A medida protetiva só saiu 15 dias depois, quando ela já havia retornado ao ambiente de violência.
Sistemas falhos e medo constante
A decisão de sair definitivamente só veio quando, mais uma vez, Ana sofreu violência dentro de casa. Sem suporte do Estado, pegou os filhos e fugiu para um abrigo improvisado, vivendo sem segurança e sem condições básicas de moradia. Com a insistência de uma amiga, procurou novamente a Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (DEAM), onde conseguiu uma nova medida protetiva.
O oficial de Justiça retirou o agressor da casa e garantiu que ele não poderia mais se aproximar. No entanto, 15 dias depois, o homem arrebentou a porta a pontapés e tentou invadir a residência. Quando Ana voltou à delegacia para denunciar o descumprimento da medida, veio o choque: o oficial de Justiça não havia lançado a ordem no sistema. Para o Estado, a medida protetiva sequer existia.
“Era como se nada tivesse sido feito. Se eu estivesse em casa naquele dia, talvez fosse mais um nome nas estatísticas do feminicídio”, desabafa Ana. Sem esperança de receber proteção, trocou as fechaduras e passou a viver em estado de alerta, temendo que o pior ainda aconteça.
O sistema que falha repetidamente
O caso de Ana evidencia o mesmo descaso e negligência que custaram a vida de Vanessa Ricarte. A jornalista, que buscou ajuda nas mesmas instituições, foi orientada a voltar para casa, onde foi brutalmente assassinada pelo ex-noivo. Seu caso gerou revolta nacional e expôs as falhas crônicas do sistema de proteção à mulher.
Nos últimos dias, o governador Eduardo Riedel reuniu autoridades para revisar os protocolos e discutir medidas emergenciais, como a implementação do botão do pânico e monitoramento por tornozeleiras eletrônicas para agressores. No entanto, a realidade das vítimas mostra que o problema vai além da falta de tecnologia: há um abismo entre a lei e sua aplicação prática.
Para muitas mulheres, como Ana, buscar ajuda significa enfrentar descaso, preconceito e falhas operacionais que podem custar suas vidas. O feminicídio não começa no momento do crime, mas na omissão do Estado e na revitimização de quem busca proteção. Enquanto não houver uma reformulação real e eficaz no atendimento às vítimas, histórias como as de Vanessa e Ana continuarão se repetindo, com desfechos cada vez mais trágicos.
Eduardo Riedel fala sobre caso grave de feminicídio no Mato Grosso do Sul e segurança pública