Depois de definida pela Justiça a abrangência da lei da ficha limpa, juristas e ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) antecipam um cenário tumultuado para a disputa eleitoral deste ano. Eles preveem uma avalanche de reclamações sobre registros de candidatura. Isso porque as novas regras, que impedem políticos condenados por colegiados de se candidatar, devem barrar mais candidaturas que a lei anterior.
O TSE decidiu, nesta quinta-feira (17), que a lei da ficha limpa torna inelegíveis políticos condenados antes da vigência da norma. Os ministros, no entanto, não definiram como as novas regras serão aplicadas. Na prática, essa tarefa ficará a cargo dos juízes eleitorais na hora de analisar caso a caso os pedidos de registro de candidatos.
Segundo juristas, a maioria das dúvidas surge porque a lei da ficha limpa aumentou de três para oito anos o tempo mínimo que um político pode ficar impedido de se candidatar.
Um item que pode ser considerado uma "brecha" da lei é o que trata da inelegibilidade para os políticos que tiveram contas rejeitadas ou foram condenados por improbidade administrativa. Nesses casos, a lei da ficha limpa exige a comprovação de que houve a intenção do político de cometer a irregularidade.
Para o diretor do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Marcus Vinicius Furtado Coelho, a dúvida sobre o intuito de burlar a lei pode sustentar recursos de políticos que tiverem negados os registros de candidatura nessas condições.
“A grande brecha que vai ser discutida em todos os casos é essa questão do dolo, se houve ou não intenção de cometer o ilícito. O direito não é uma ciência exata. Toda mudança traz dúvidas. Espero muitos debates”, avaliou o especialista em direito eleitoral.
Também seria possível, segundo os especialistas, questionar o tempo de inelegibilidade de um candidato que, por exemplo, renunciou ao mandato e, por isso, não foi considerado inelegível.
De acordo com a lei da ficha limpa, esse político ficaria impedido de se candidatar pelo tempo restante que havia para o fim do mandato mais oito anos.
No entanto, o ex-ministro do TSE e advogado do PSDB Eduardo Alckmin disse que as alterações podem criar uma punição que não existia na lei anterior, contrariando a Constituição Federal. Para ele, vão gerar debates os processos da Justiça eleitoral aos quais não cabem mais recursos.
“A lei tem aspectos questionáveis, como permitir agravar a punição de três para oito anos. É uma situação que vai gerar muita discussão e vai depender do entendimento do juiz eleitoral. O tribunal sinalizou que mesmo para esses casos valeria a ficha limpa”, avaliou o jurista.
Há pontos da lei que também podem ser considerados desproporcionais, segundo advogados. É o caso do item que prevê proibição de candidatura de pessoas condenadas por órgãos profissionais, por exemplo, por faltas éticas.
Pela lei, um profissional condenado pela Justiça criminal não seria punido com a inelegibilidade se comprovasse não ter tido intenção de cometer a irregularidade ou se o crime for considerado pouco ofensivo, como calúnia e difamação.
O advogado do PT Márcio Luiz Silva afirma que há uma série de pontos na lei que podem ser usados como argumentos para questionar as candidaturas. “No mérito, sou favorável à ficha limpa, mas o momento é inoportuno. Mais atrapalha do que ajuda”, avalia. Ele lembra que uma mudança no entendimento do TSE sobre a rejeição de contas nas eleições de 2008 gerou mais de 6 mil processos.
No julgamento desta quinta-feira, o TSE não se pronunciou sobre como serão analisados os pedidos de candidatura de quem já foi condenado e não pode mais recorrer. Voto vencido, o ministro do TSE Marcelo Ribeiro entendeu que políticos condenados pela Justiça eleitoral que já cumpriram a punição de inelegibilidade não poderiam ser proibidos de se candidatar por mais oito anos, como prevê a lei da ficha limpa. Isso porque a Constituição protege decisões já tomadas.
Ribeiro ressalta que a resposta do TSE serve como uma orientação e que juízes eleitorais podem interpretar a lei de outras formas. Ele acredita que, diante das incertezas, é certo que a lei da ficha limpa será questionada no Supremo Tribunal Federal.
“Toda lei nova tem um tempo de maturação. A resposta do TSE busca gerar um ambiente mais pacífico. Mas com certeza, mais cedo ou mais tarde, vai haver um recurso de um candidato no STF, porque é matéria constitucional”, antecipou o ministro.
A expectativa no TSE é de muito trabalho por conta das inovações trazidas pela ficha limpa. O corregedor-geral eleitoral, ministro Aldir Passarinho Junior, prevê que o volume de ações que chegam ao tribunal deve aumentar.
“Só o TSE já afastou dos mandatos mais de 100 prefeitos. Essa regra vai atingir muitos candidatos importantes, a extensão da lei é enorme e os questionamentos vão acontecer”, afirmou Passarinho Junior.
Ele faz ainda uma ressalva de que as múltiplas maneiras de questionamento não significam fragilidade da nova norma. “A lei não é frouxa. Traz muitas novidades que provocam dúvidas importantes. Os partidos, por exemplo, terão que decidir bancar ou não uma candidatura que pode vir a ser contestada na Justiça”, disse o corregedor.
Terminado o prazo para o registro de candidatos, no próximo dia 5 de julho, o plenário do TSE terá até 19 de agosto para julgar os recursos sobre as candidaturas.
Ex-ministro do TSE, o advogado Fernando Neves também aposta na grande quantidade de recursos na Justiça eleitoral, mas lembra que a lei permite ao candidato fazer campanha e participar do pleito, por conta própria, mesmo com a possibilidade de ter o registro indeferido pelo tribunal.
A Justiça eleitoral prioriza o julgamento desse tipo de ação, mas, caso haja um congestionamento de processos, é possível ver candidatos em campanha, e até eleitos, sem o registro validado. “Pode haver um número muito maior de candidatos com pendências concorrendo nessas eleições”, alerta Neves.(Fonte: G1)