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Esporte Domingo, 21 de Outubro de 2007, 08:05 - A | A

Domingo, 21 de Outubro de 2007, 08h:05 - A | A

Galvão Bueno fala sobre F-1 e Ayrton Senna

Globo Esporte

A voz das vitórias brasileiras na Fórmula 1 e no futebol. Esta é uma boa frase para mostrar quem é Galvão Bueno. Bem-humorado, o narrador recebeu a reportagem do Globo Esporte em um hotel paulista – "É a minha casa em São Paulo". No fim da entrevista, uma situação inusitada: o elevador parou. Ele sacou o interfone e disse: "Aqui é Galvão Bueno. Estamos presos no elevador". Em seguida, tudo se resolveu.

Galvão falou de Fórmula 1 e arriscou um palpite para o campeão deste ano – "Hamilton está com a faca e o queijo na mão". Além disso, previu um título brasileiro - com Felipe Massa – dentro dos próximos três anos. Na tarde desta sexta-feira, no Autódromo de Interlagos, ele sentiu-se mal ao subir uma escada e resolveu fazer exames preventivos no Hospital São Luiz, que nada acusaram. Ele vai trabalhar normalmente nas transmissões de sábado e domingo da F-1.

- Não foi nada demais. Só senti uma indisposição e resolvi fazer os exames. Está tudo bem - diz.

Globo Esporte : Quem leva o título deste ano?

Galvão Bueno: Quatro pontos em uma corrida com pilotos que estão constantemente no pódio é uma vantagem muito grande. Então, teoricamente, o Hamilton tem uma vantagem grande, mas também vai ter um peso muito forte em cima dele. Tava todo mundo esperando em que momento a pressão ia funcionar em cima do Hamilton e a pressão funcionou no GP da China. Foi um erro dele e da equipe. Ele precisava sentir que o carro não tinha mais condições de dirigir. O pneu estava na lona, ele foi ultrapassado pelo Kimi Raikkonen. Mas a entrada dos boxes está molhada e ele se perdeu. Então, na teoria, o Hamilton tem dez cavalos a mais por causa do motor novo. Ele tem tudo na mão, está com a faca e o queijo na mão. Mas Interlagos é traiçoeiro.

Você acha que o Massa tem chances de repetir a vitória no GP do Brasil?

Ele teria totais chances de ganhar a corrida, mas vai depender do jogo de equipe. É claro ele não sai mais do quarto lugar no campeonato e o Raikkonen ainda tem possibilidades aritméticas de conquistar o título. Se ele fizer a pole, do que adianta o finlandês ganhar a corrida se os outros chegarem em segundo e terceiro? Mas a temporada dele foi muito boa. Tanto foi, que a Ferrari antecipou a renovação de contrato dele. É sinal de que está satisfeita. Ele cometeu alguns erros, claro, mas o Alonso, o Raikkonen e o Hamilton também fizeram. Pelo desempenho dele, se a equipe não tivesse errado, ele chegaria no GP do Brasil na briga pelo título. A temporada do Felipe foi melhor que a do Raikkonen.

E o futuro de Felipe Massa? Dá para acreditar em título?

Acho que nesses três anos o título vem. Dizer que seria no ano que vem é adivinhação, mas poderia ter vindo neste ano. Até que ponto aquele negócio da espionagem funcionou? Toda a experiência da Ferrari em trabalhar com a Bridgestone pode ter fornecido informações que podem ter sido importantes. Mas passou. A Fórmula 1 é um centro de fofoca. A rádio paddock é o maior centro disso no esporte mundial. Tem uma certa confraria, de gente muito antiga, da Suíça, da Alemanha, tem da Inglaterra, tem do Brasil que tem acesso às informações. Então um fica na obrigação de saber mais que o outro. 90% do que se fala no paddock é conversa fiada.

Acredita que Hamilton e Alonso possam reeditar os acidentes entre Senna e Prost?

O Prost fechou o Senna em 89. Lembro que a gente colocou no computador da Globo e, se não tivesse o carro do Ayrton ali, ele batia no muro. O traçado dele não dava para fazer a curva. O Ayrton foi passar o Prost e ele jogou o carro. Mas não vamos falar só o que o francês fez com o brasileiro, vamos falar também o que o brasileiro mostrou para o francês. No ano seguinte, em 1990, o Senna bateu de propósito no carro dele. Na largada, a Ferrari estava melhor que a McLaren no fim daquela temporada e ele botou na cabeça o seguinte: “quem faz a curva primeiro sou eu, ou então não faz ninguém. eu falei com ele depois e perguntei o que houve? E ele falou “ih, errei o pedal, fui pisar no freio e pisei no acelerador”. É bonito? Não, não faz parte do show, ou melhor não deveria fazer. Mas acho que o Hamilton não tem esse perfil. Talvez o Alonso tivesse, mas se bater o prejuízo é dele.

Quando foi a primeira vez que você viu o Lewis Hamilton?

Não conheço o Hamilton há muito tempo. Se você perguntar ao Murray Walker, uma espécie de Galvão da Inglaterra, qual foi a primeira vez em que ele viu o Felipe Massa, ele vai falar que foi na Fórmula 1. Mas eu acompanhei o Hamilton na GP2 ano passado. Chamou a atenção porque ganhou com firmeza. Mas o Nelsinho deu muito trabalho pra ele. Achávamos que o carro dele era melhor porque, no ano anterior, o Nico Rosberg tinha conquistado o título também na ART, equipe do Nicholas Todt, filho do Jean Todt. Já estou com uma expectativa muito grande em relação ao Nelsinho, porque deu muito trabalho para ele. O Hamilton é um caso raro por todos os pontos de vista, porque é muito difícil um grande piloto começar numa grande equipe. Vai ver onde começou o Ayrton Senna, o Nelson Piquet, o Alain Prost, o Michael Schumacher, o Fernando Alonso. O Hamilton talvez seja o primeiro campeão a ter começado em uma equipe vitoriosa como a McLaren. Ele é uma aposta pessoal do Ron Dennis, que patrocinou o menino desde pequeno.

Você acha que ele pode ser sete, oito vezes campeão na F-1?

Bem, primeiro ele precisa conquistar o título deste ano. Mas não acredito. Já vi cada coisa... Tenho na isso na família. Vi meu filho Cacá Bueno perder um título em 2005 na Stock Car que era imperdível e ganhar um titulo em 2006 quase impossível. Ele perdeu um campeonato sul-americano na última corrida e ganhou no ano seguinte em Mar del Plata que era para não ganhar. Automobilismo tem muita coisa, não é só um cara que fica entre um banco e um volante. Hamilton é um grande piloto, uma grande realidade. Mas será que ele vai ter uma época tão favorável com teve o Schumacher? Questiono os adversários do alemão e, principalmente, o fato de ele ter sido absoluto na Ferrari. Se ele não tivesse todo contrato a favor dele, ter tudo trabalhando pra ele, não duvido que o Rubens Barrichello pudesse ter sido campeão num daqueles anos. Quantas vezes ele teve que dar corrida para o Schumacher? Bacana é quando você via um Senna e um Prost brigar dentro da McLaren. Aquela coisa de tudo pro Schumacher não vai acontecer mais. Ninguém mais ganha sete, oito campeonatos.

Na sua opinião, quem foi o maior piloto da história da Fórmula 1?

Ayrton Senna. Dá pra comparar com o Schumacher: ele era melhor em quase tudo (risos). A comparação que eu faço é a seguinte: o Ayrton morreu em Imola na terceira corrida do ano e o Damon Hill, que era companheiro dele é um piloto quando muito médio. E o Schumacher só ganhou o campeonato porque jogou o carro em cima dele. Lembro de uma conversa com o Ayrton em Aida, no Japão, na corrida anterior. Ele disse que fez tudo pra vir pra Williams e descobriu que o carro era ruim demais. Mas que ia dar um jeito. A equipe ia enlouquecer com ele. Não era um grande modelo, o Hill não era um grande piloto e foi o primeiro título do Schumacher. Ele conseguiu coisas fantásticas. Mas não tinha isso na época do Ayrton. Ele aproveitou como ninguém as voltas anteriores antes de entrar para o pit stop para levar vantagem, guiar em situação crítica. Mas vai permanecer a sensação pra mim de que o Ayrton era mais completo e de que era um piloto espetacular. Pena que não tivemos um confronto dele com o Schumacher, mas eles ficam pra história, claro, ao lado de Juan Manuel Fangio e do Prost como grandes nomes da Fórmula 1.

Já imaginou como seria narrar um novo duelo Senna x Piquet?

O Bruno Senna e o Nelsinho Piquet estão em estágios diferentes. O Nelsinho está bem à frente do Bruno, que começou tarde. Ele não teve aquela coisa de ser moleque de 9 anos no kart, de começar a sentir a pressão cedo, de passar por todos os limites. Mas pode ser que um dia aconteça. Vai ser engraçado o Bruno com o Nelson Ângelo. Vai reacender a rivalidade entre os Sennistas e os Piquetistas. Foi uma grande fase do automobilismo brasileiro que dificilmente vai se repetir. O Nelsinho é piloto de testes de uma grande equipe, a Renault, e deve correr ano que vem, mas não sei onde. Mas o Flavio Briatore não é bobo, não vai perder os direitos sobre ele.

Qual foi seu GP do Brasil inesquecível?

Não sei dizer. Acho que a vitória do Moco, o José Carlos Pace; a primeira vitória do Senna, sem as marchas, aquele drama. Tenho dois GPs especiais: um de muita alegria e outro de uma grande tristeza, quando o Rubinho perdeu por falta de combustível em um erro da equipe. Aquilo foi uma maldade, uma coisa que ele não merecia. A imagem dele sentado na Descida do Lago, antes do Laranjinha foi muito triste. A corrida estava nas mãos dele. E, pelo lado positivo, a vitória do Massa no ano passado. Teve aquela coisa do macacão verde-e-amarelo e de acabar com um jejum de treze anos sem vitória.

Qual o evento que você não narrou mas gostaria de ter narrado? E o mais inusitado?

A conquista do vôlei nas Olimpíadas de 1992. Foi o único ano nos últimos 26 que eu passei fora da Globo. E o momento mais inusitado foi um jogo errado, na Copa de 1974. A Globo que era um negocio pequeno ainda. Tinha só Armando Nogueira, Leo Batista, José Luis Furtado e um cinegrafista. Narravam do Brasil. E fizeram uma coisa chamada Sibratel (Sistema Brasileiro de Televisão), com a Gazeta, a Bandeirantes e a Record. E eu fazia parte disso pela Gazeta. Eu fazia os jogos diferidos. Na época não se transmitia todos os jogos ao vivo, apenas um e um vt que passava às 21h. Falaram pra gente o jogo era Suécia e Bulgária. Preparamos lá, eu na gazeta, Alexandre santos na Band, Sérgio Cunha na Record. Fomos para o estúdio, começou o jogo. Um time de amarelo de um lado e um time de branco, lógico. Aí vai o jogo. É Simenov, pra lá, Anderssen, Peterssen, Simonssen... E do outro lado Bulgarov, Antonov, Jeskotonov, não sei o que. Lá pelos 12, 15 minutos do primeiro tempo, a Suécia vai pro ataque, o Simonssen chuta em gol, a bola vai pela ,linha de fundo, a Bulgária ia bater o tiro de meta. Eis que a câmera se aproxima e aparece lá no placar: Alemanha Oriental 0 x 0 Austrália. O jogo era outro, era no mesmo dia. Austrália de amarelo e Alemanha Oriental de branco, né? E aí? Aí... Bate o tiro de meta a Alemanha Oriental e segue a narração. Dos 22, nós três sabíamos o nome de um apenas, que era o centroavante alemão, que se chamava Sparnasse. Jogou uma barbaridade. Talvez uma das maiores partidas de alguém numa Copa do Mundo.

Qual a derrota brasileira que mais te doeu?

Teoricamente teria que dizer que foi a final da copa de 1998. Mas cheguei com uma impressão tão esquisita no Stade de France, o Brasil era tão favorito, estava tudo tão perfeito, mas cheguei com uma sensação estranha. Aí, quando vem aquele negócio do Ronaldinho não jogar... Eu tinha feito uma entrevista com ele na véspera, ele tava perfeito. Vou confessar que eu estava esperando aquilo, não me doeu muito. Mas a Copa de 2006 foi pior. A derrota foi o auge de vários erros. Desentendimentos, grupo separado, um Parreira de saco cheio – depois descobri que a esposa dele estava com problemas sérios de saúde –, um Zagallo muito doente, debilitado. Aquela vergonha de Weggis... Aquilo foi uma vergonha absoluta. Como é que um time pode se preparar em um estádio para 5 mil pessoas? Com gente invadindo o campo? Para chegar no local, passava-se por um prostíbulo. De um lado se vendia bebida, do outro se vendia drogas... Era moça com os seios de fora. Um absurdo. O circo romano era mais correto. À medida que os dias passavam, e você vê que está tudo errado. Foi dando raiva. No final, a derrota para a França foi a que mais me incomodou pelo conjunto da obra, digamos assim.

Como você explica a paixão do brasileiro pelo automobilismo?

Uma vez, o Jackie Stewart, indo para a casa do Emerson Fittipaldi no Guarujá, viu uma Kombi passar na estrada que o motorista colocava de lado para descer a Serra de Santos. E ele perguntou ao Emerson como a gente fazia isso. E não tínhamos tantos pilotos. Ele brincou e disse: “É a água que a gente bebe”. Uma vez perguntaram para o Roberto Pupo Moreno como ele programava a cabeça para vencer. E ele respondeu: “Amigo, é fome. O inglês bate o carro, volta para casa, tem a mãe, o pai, a namorada. A gente só tem o travesseiro para se agarrar e a necessidade de se ganhar no dia seguinte.” São várias coisas que formaram pilotos. O talento do brasileiro surge na esquina. E o povo gosta muito de ganhar. E a Stock Car é um caso a parte, é um show. Não existe nenhuma categoria no mundo, incluindo a Fórmula 1, que tenha tantos pilotos em condições de ganhar uma corrida. Está certo que o Cacá Bueno ganha mais – ainda bem que ele é meu filho. E a categoria mais equilibrada. E fantástica.

Tivemos três campeões na Fórmula 1: Emerson Fittipaldi, Nelson Piquet e Ayrton Senna. Qual deles foi mais importante para o automobilismo brasileiro?

Os três. O Emerson abriu as portas. Ele possibilitou que eu fosse fazer Fórmula 1 pela primeira vez em 1974. Caramba! 33 anos... Ele possibilitou a chegada do Pace e de todos os outros que vieram. Ele foi um grande piloto, mas é difícil comparar épocas. Ele teve grandes adversários como o Jackie Stewart, o François Cevert, o Niki Lauda, o Ronnie Peterson. Eram feras. O Emerson ganhou dois títulos mundiais, não era um especialista em velocidade como o Ayrton. O Piquet era dono de uma técnica apuradíssima, um gênio, dono de três títulos mundiais. Talvez o maior preparador de carros que eu tenha visto na Fórmula 1. E o Ayrton Senna era a paixão do povo brasileiro. Ele superou os limites de um ídolo. Só duas pessoas conseguiram isso no esporte do país: ele e o Pelé. São heróis nacionais, digamos assim. O Ayrton era o brasileirinho que dava certo nas manhãs de domingo no país da impunidade, do analfabetismo, da violência, da corrupção. E esse quadro não mudou muito. Ele era o Brasil que dava certo. E a forma brutal como ele morreu, na sala de visita das pessoas transformou o Ayrton em um mito.

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