"Uma contribuição sofisticadíssima.” Foi assim que o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal) ministro Gilmar Mendes definiu o acórdão sobre a demarcação de terras consideradas indígenas em todo o Brasil. O ministro esteve nesta terça-feira, 29, em Campo Grande, para lançamento do 1º Encontro do Fórum Nacional Fundiário para Monitoramento e Resolução dos Conflitos Fundiários Rurais e Urbanos, realizado no centro de convenções Arquiteto Rubens Gil de Camilo.
São 19 itens contidos no documento que disciplina todas as ações demarcatórias, 18 delas, feitas pelo ministro Carlos Alberto Direito e uma por Gilmar, que se emocionou ao lembrar o colega morto este ano. “Conforme a minha proposta, o Estado não é tratado mais como partícipe secundário, mas como protagonista.”
O acórdão nasceu após discussão sobre a área Raposa Serra do Sol, em Roraima. O documento estabelece 5 de outubro de 1988 [data da promulgação da Constituição Federal] como marco temporal para a realização de estudos antropológicos em quaisquer locais do País. Justamente este ponto é que gera conflito de interpretações entre militantes dos direitos indígenas e representantes da classe dos fazendeiros.
A própria Famasul (Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul) teria entendido que a decisão do STF favoreceriua produtores rurais do Estado, já que, segundo pensa, na data definida, não havia indígenas nas propriedades alvo dos estudos antropológicos. Porém, a Federação afirma que aguarda resposta da Funai (Fundação Nacional do Índio) sobre a decisão.
Porém, a Famasul levou em conta o item “11.1 O marco temporal de ocupação”, e parece que desapercebeu o item seguinte “11.2 O marco da tradicionalidade da ocupação”, que pode ter entendimento de que onde há esbulho que impedira a permanência indígena no local estudado, poderia sim existir demarcação.
Veja
“11. O CONTEÚDO POSITIVO DO ATO DE DEMARCAÇÃO DAS TERRAS INDÍGENAS.
11.1. O marco temporal de ocupação. A Constituição Federal trabalhou com data certa —— a data da promulgação dela própria (5 de outubro de 1988) —— como insubstituível referencial para o dado da ocupação de um determinado espaço geográfico por essa ou aquela etnia aborígene; ou seja, para o reconhecimento, aos índios, dos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam.
11.2. O marco da tradicionalidade da ocupação. É preciso que esse estar coletivamente situado em certo espaço fundiário também ostente o caráter da perdurabilidade, no sentido anímico e psíquico de continuidade etnográfica. A tradicionalidade da posse nativa, no entanto, não se perde onde, ao tempo da promulgação da Lei Maior de 1988, a reocupação apenas não ocorreu por efeito de renitente esbulho por parte de não-índios. Caso das ‘fazendas’ situadas na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, cuja ocupação não arrefeceu nos índios sua capacidade de resistência e de afirmação da sua peculiar presença em todo o complexo geográfico da ‘Raposa Serra do Sol’.”
Documento seguido
Esta decisão tomada por dois ministros foi a primeira que o STF tomou em relação ao tema em abrangência nacional. Duas decisões em Mato Grosso do Sul já teriam sido tomadas considerando a nova regulamentação. Ações feitas pelos Municípios, relativas às pesquisas da Funai em Douradina e Fátima do Sul, onde só poderiam ser estudados terras tradicionalmente ocupadas desde 1988.
Decisão do ministro cria comissão em MS para cuidar de conflitos agrários
Foto: Deurico/Capital News
As cidades estão entre os 26 municípios que portarias da Funai abrangem par estudo no Estado. Todas ficam na região sul, onde vivem índios Guarani Kaiowá e Guarani Ñandeva, principalmente.
Cartórios inoperantes
Tramita no Congresso Nacional uma proposta de emenda constitucional que trata sobre a possível legalização de funcionários de cartório e a obrigação de concurso. Conforme Gilmar Mendes, a “falta de profissionalização destes cartórios” afeta as questões demarcatórias. “Isso atrapalha no registro de imóveis e contribui para grilagens”. O ministro citou exemplo encontrado em Altamira (PA), onde “um cartório registrou um título que corresponde a metade do território brasileiro”.
O ministro ainda comentou: “Nós só vamos virar a página e estabelecer um processo civilizatório digno do século 21 no Brasil quando tivermos uma sociedade de forma aberta, plural e pacifica.”
Compra de terras
A compra de lotes em estudo é uma hipótese possível para solução dos conflitos agrários envolvendo terras indígenas, segundo o ouvidor agrário nacional Gercino José da Silva Filho. A compra seria feita pela União.
Ele crê que isso só não basta porque é preciso levar em consideração o que os indígenas pensam sobre isso. “É preciso primeiro que se ouça a opinião dos índios porque, normalmente, o índio não aceitam ir para um local qualquer. Ele tem uma questão de identidade com a terra tradicional. Então, é necessário que primeiro se ouça o índio e depois o MPF [Ministério Público Federal].”
"Inoperância da Funai"
O governador André Puccinelli (PMDB) afirmou durante discurso que espera que o evento traga “luzes para que se resolvam conflitos que em Mato Grosso do Sul são muitos”.
Ele lembrou que são 72 litígios em andamento e 26 municípios sob estudo no Estado.
André voltou a culpar a Funai pelos conflitos gerados no Estado: “Os conflitos não são feitos pelos indígenas e não são feitos por fazendeiros, são feitos pela ineficiência e inoperância da Funai.”
Clique aqui e veja a íntegra do acórdão
Evento é realizado no centro de convenções Arquiteto Rubens Gil de Camillo; abertura contou com presença de autoridades dos três poderes
Foto: Deurico/Capital News
Por: Marcelo Eduardo – (www.capitalnews.com.br)
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