Como um velho filme, fomos todos obrigados a ver de novo na telinha as caras de José Sarney e Michel Temer reaparecendo, como presidentes do Senado e da Câmara pela terceira vez. Os mesmos discursos, as mesmas fingidas indignações, a mesmice de sempre.
Os meios de comunicação que tiveram a coragem de correr o risco de perder audiência e cobriram a disputa, só registraram reivindicações dos próprios senadores e deputados, e não as dos estados e eleitores que eles representam. Cargos, gratificações, contratações, favores, poder, poder, poder. E o Brasil varrido pela crise, empregos ceifados pela bolha importada dos Estados Unidos e eles a falar em poder para eles próprios. Representantes de si e de seus egoísmos, não do povo. Ilha da fantasia.
Enquanto isso, aqui no país real, a produção industrial cai quase 20%, as empresas cada vez mais dão férias coletivas para evitar o desemprego; as vendas do comércio caem quase 6% em janeiro; na capital do país, a arrecadação local em janeiro ficou menor que a de janeiro do ano passado e se noticia um fato que se tornara raro: déficit na balança comercial. Em janeiro, exportamos 9,8 bilhões de dólares e importamos 10,3 bilhões. Esse último número é um bom indicador. Se ainda temos fôlego para importar tanto, é porque as bases da nossa economia ainda estão fortes. O Banco Central fez pesquisa entre economistas e percebeu que a maioria prevê crescimento do PIB neste ano abaixo de 2%. O orçamento do governo prevê crescimento de 4%. Ilha da fantasia.
No país real, despencaram as exportações de automóveis, caíram as vendas internas de veículos e baixaram só um pouquinho os preços dos carros. As montadoras são as que mais concedem férias coletivas. Os carros ainda vão baixar mais. Em época de crise, há um retorno à sensatez: as pessoas descobrem que comprar carro é o pior dos investimentos. Se ele custou 60 mil, um mês depois já estará valendo 45 mil. E vai ficar a maior parte do tempo parado. Pagando seguro e impostos. Ocupa espaço, precisa de estacionamento e garagem, e também de combustível e manutenção. Na renda fixa, os 60 mil vão render bem mais.
No país real, uma outra descoberta: percebe-se que se precisava de financiamento para comprar coisas de que não se precisava. É a volta da sensatez. TV nova, geladeira nova, carro novo, aparelhinho inútil, roupa supérflua e por aí vai. O presidente Lula quer que todos continuemos comprando. Mas foi dar o passo além da perna que fez o americano rasgar as calças. Endividar-se é ajudar a crise. Os próprios bancos recuaram para a proteção da sensatez: passaram a temer o risco. Estavam emprestando demais para quem só poderia pagar de menos.
Mas na ilha da fantasia, ainda se gasta à vontade. Mais contratações, gratificações, comissões, aluguéis - porque os funcionários nem cabem nas salas existentes. Na discurseira toda da campanha para a presidência da Câmara e do Senado, ninguém lembrou que é necessária uma reforma tributária que reduza a carga fiscal; uma reforma administrativa que reduza a burocracia e o tamanho do estado; uma reforma trabalhista que acabe com leis antiquadas que desestimulam o emprego. O velho filme vai acabar queimando.