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ENTREVISTA Domingo, 04 de Dezembro de 2011, 08:00 - A | A

Domingo, 04 de Dezembro de 2011, 08h:00 - A | A

\"Só queremos a nossa liberdade de volta\", diz chefe do Conselho dos Direitos Indígenas

Valquíria Oriqui - Capital News (www.capitalnews.com.br)

Com a expressão oral adaptada para a língua dos “brancos” (como os índios se referem à sociedade), mas sem perder o sotaque do idioma nativo, Nito Nelson, de 49 anos, presidente do Conselho Estadual dos Direitos Indígenas, fala sobre a modernização do índio, sobre conflitos agrários e o alto índice de suicídios nas aldeias.

Em entrevista exclusiva ao Capital News, Nito explica a necessidade do índio em adotar a cultura do branco sem deixar a nativa se perder com o tempo. “Tem índio que não quer mais andar com chinelinho comum e quer mexer com computador.”

São mais de 70 mil indígenas espalhados por Mato Grosso do Sul que vivem um momento de tensão na história após a morte cruel do cacique Nísio Gomes. “Será que temos que derramar o nosso sangue e derramar lágrimas de nossas famílias para podermos resgatar nossa mãe terra?”, questiona o índio que busca ter a liberdade dos antepassados de volta mesclada às regalias descobertas em uma cultura diferente.

Capital News - Qual o estilo de vida que o índio procura hoje? Ele quer estar mais perto das origens ou quer civilizar como o branco?

Nito Nelson –. O indígena não quer resgatar totalmente aquele passado onde está enterrado o cadáver do antepassado. Nós queremos o mesmo espaço de antigamente, de onde nós fomos expulsos. Antigamente nós tínhamos liberdade, não éramos “exprimidos” na sociedade. Tínhamos espaço. Por exemplo, se quiséssemos ir lá para a UCDB, não tinha esse impedimento para cruzar o caminho. Nós atravessávamos aqui e saíamos lá. Agora não...Hoje nós corremos risco de vida para utilizarmos nosso espaço. Como por exemplo, o que aconteceu com Nísio. Nosso sonho de hoje não é resgatar, mas sim abraçar, de ter esse nosso espaço aqui, mesmo que na periferia da cidade. Não querermos voltar a ser o que éramos antigamente, mas também não querermos viver como a sociedade branca, só queremos a liberdade de volta. Hoje usamos a cultura indígena e a não indígena. Hoje não temos nem condições de viver como nossos antepassados, nem a linguagem de antigamente usamos mais. Tudo que utilizamos hoje não vai ser igual a daqui uns 15 anos por exemplo. Até 1946 nós éramos livres, antes de entrar o Serviço de Proteção ao Índio (SPI) no lugar da Funai.

Capital News - Qual a população indígena hoje no Estado?

Nito Nlson – No Estado são 70 mil índios divididos em nove etnias, sendo que duas delas não sei identificar. As outras sete são: Guarani Kaiowá, Tereno, Atikun, Kinikinawa, Kadwuel e Guatô.

Capital News – Quanto das terras dos brancos está nas mãos dos índios e quanto deveria estar?

Nito Nelson – Na pesquisa consta 1%. No mínimo deveria estar 10%, é o que rivindicamos.

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Nito Nelson explica que atualmente 1% das terras está nas mãos dos índios, mas deveria ser 10%
Foto: Deurico/Capital News

Capital News - A demarcação é a única maneira de colocar fim as tragédias?

Nito Nelson - É a única maneira sim. Pois aí vai acabar a preocupação do povo indígena e dos políticos. Hoje eu fico sem jeito porque os legisladores são os próprios latifundiários e eles sabem muito melhor do que nós porque está dentro da Constituição Federal. E nós, que somos analfabetos na frente deles, estamos indo pacificamente. E eles não, pisoteiam na própria lei que criaram. Nós não vamos pedir a “sua” casa, vamos pedir o que é nosso.

Capital News – Enquanto não saem as demarcações o que pode ser feito para evitar esses conflitos?

Nito Nelson – Enquanto nós esperamos a decisão da justiça de cada terra que estamos reivindicando, o nosso pensamento é de que o governo nos dê pelo menos alguma terra [temporária] para que possamos cultivar para sobreviver.

Capital News - Se as terras forem demarcadas quando que os índios vão parar de reivindicar?

Nito Nelson – Essas 36 terras são as últimas. Hoje só faltam indenizar 12, para depois homologar. Nós não queremos guerra. Mas o povo latifundiário não reconhece isso. Reivindicamos com maracá (chocalho) e eles com arma pesada, como aconteceu com o Nísio.

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Conforme Nito, índios reivindicam terras com chocalho e os bancos com armas pesadas
Foto: Deurico/Capital News

Capital News – É verdade que os índios arrendam terras ilegais a fazendeiros?

Nito Nelson – Sim. O próprio latifundiário, que muitas vezes é político, vai lá e fala, se você fizer assim, você vai ser beneficiado, mas na verdade, ele arrenda o espaço que ele não consegue mais plantar. Ele não arrenda por vontade dele, arrenda porque ele acreditando que é um benefício mas na verdade é uma taxa comunitária.

Capital News – Como fazer para acabar com isso?

Nito Nelson – Até 1980 o SPI dava animais para criarmos, isso não existe mais. Ninguém está orientando o povo indígena lá dentro. O político divide o povo em grupos, o que acaba gerando conflitos entre os próprios índios.

Capital News – Onde o Nísio está?

Nito Nelson - Hoje? Hoje ninguém sabe. Ninguém tem idéia de onde o corpo dele está.

Capital News – Ele morreu?

Nito Nelson - Pelo fato que aconteceu a gente não deseja, mas pelo que eu vi no local, ele vivamente não está no corpo físico. Mesmo que acontecesse isso com ele, a alma dele não morreu. Pelo que sei, ele está enterrado na lavoura junto com a terra. A máquina passou várias vezes por cima dele para ninguém encontrá-lo.

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Nito acredita que pistoleiros usaram máquinas para passar por cima do corpo de Nísio e ocultá-lo
Foto: Deurico/Capital News

Capital News – Como está o clima no acampamento de Iguatemi?

Nito Nelson - A olho nu estão tranqüilos mas sabemos da preocupação pelo que estão passando. Pois de um dia para o outro estão correndo risco. Sei que eles estão protegidos pela Força Nacional e pela Força Federal.

Capital News – O que este episódio demonstrou para o senhor?

Nito Nelson – Acho que faltou a instituição proteger o grupo. Não acredito que aquela bala que atingiu Nísio era de borracha porque eu vi o furo no corpo de Valmir. Ele não morreu porque não era o dia dele. Falta vontade política de proteger o índio. Cinco dias antes de Nisio vir pedir apoio a Douradina e Rio brilhante, em um evento, ele comunicou a regional da Funai de Ponta Porã e a Polícia Federal que precisava de segurança porque estava sendo ameaçado.

Capital News – Porque tem tanto suicídio entre os índios?

Nito Nelson – Tem várias causas. A falta de esperança é um dos motivos.

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Para Nito, há várias causas para suicídio entre indígenas; falta de esperança é uma delas
Foto: Deurico/Capital News

Capital News – De que forma pode se convencer o jovem indígena de que viver vale a pena?

Nito Nelson – A nossa cultura vai se desvalorizando entre o povo indígena e o não indígena. Não é que o índio desfaz da cultura. Hoje está tudo modernizado, não é como antigamente. Por exemplo, tem índio que não quer mais andar com chinelinho comum e quer mexer com computador. Não é a intenção do índio deixar a cultura dele totalmente, ele quer usar as duas culturas (a indígena e a não indígena). Só que no momento temos mesmo que usar as duas pela tecnologia. Por exemplo, se não fosse a tecnologia nós não iríamos estar sabendo ainda sobre o que aconteceu com o Nísio. A tecnologia é importante para o índio.

Capital News – As drogas e as bebidas estão rotineiramente presentes na aldeia?

Nito Nelson – Sim.

Capital News – E como combater isso?

Nito Nelson – Hoje não acaba mais.

Capital News – Como diminuir então?

Nito Nelson – Tem que ter um trabalho fixo para eles. Na nossa época, uma criança pequena não ficava dentro de casa. Ía para a escola de manhã e de tarde ia com o pai para a roça. Não ficava em casa à toa. E hoje não é assim. Outro fator que fez aumentar o número de suicídios foi a entrada da religião evangélica dentro das aldeias e a falta de trabalhar.

Capital News – Hoje jovem índio de hoje perdeu seus valores?

Nito Nelson – Antigamente, na educação do índio, principalmente a nossa dos Guaranis-Kaiowá, não existia a violência dentro da comunidade e da família. Por exemplo, a criança que não obedecia a pai e mãe não apanhava, era levado para a Oca do Pajé e na frente do altar ele era benzido por umas três vezes.

Capital News – O índio hoje quer viver na cidade?

Nito Nelson – Ele vem em busca de melhoria para a família, não quer dizer que ele quer ficar na cidade. A discriminação vem daí. Além de ser índio tem a questão da idade, da vaidade. Hoje, para trabalhar em uma loja a menina tem que ser bonitinha.

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Nito diz que índios vêm a cidade em busca de melhorias, o que não quer dizer que queiram ficar
Foto: Deurico/Capital News

Capital News – Como a comunidade do senhor faz para preservar os costumes e os hábitos ?

Nito Nelson – Hoje vivemos pela fé. Por exemplo, o trabalho que minha esposa está fazendo (tapete de crochê), não é mais da cultura indígena, mas não tem onde comercializar. Nós fazemos artesanatos indígenas mas não é fácil de comercializar.

Capital News – E no aspecto religioso? Ainda praticam os rituais?

Nito Nelson – Hoje quem ainda preserva os rituais religiosos são apenas duas etnias: Terena e nós (Guarani-Kaiowá). Fazemos o ritual da dança tradicional. Antigamente nós fazíamos o ritual de quinta até sábado à meia-noite.

Capital News - O senhor acha que depois desse episódio ocorrido com o Nísio, vai haver alguma mudança positiva na opinião do senhor?

Nito Nelson - Eu creio que sim. Pois não são só pessoas aqui do País que estão se envolvendo neste caso. Acho que vai mudar alguma coisa. Será que temos que derramar o nosso sangue e derramar lágrimas de nossas famílias para podermos resgatar nossa mãe terra? Isso para nós é dolorido.

Capital News – O senhor acha que os índio querem ter as mesmas condições e os mesmos direitos que o homem branco?

Nito Nelson - Não digo os mesmos, nós ainda não somos emancipados.

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Líder indígena reclama que estatuto do índio está engavetado há mais de 25 anos
Foto: Deurico/Capital News

Capital News – O senhor acha que falta direito aos índios?

Nito Nlson – Falta cumprir os direitos dos índios. Hoje temos uma carteirinha que na sociedade não tem validade nenhuma. Nosso estatuto está engavetado há mais de 25 anos. E aí eu pergunto, quem vale mais, a lei ou o decreto?

Capital News – Essa imagem que os ruralistas fazem de que o Conselho estimula invasões, é verdade? Qual é o papel do Cimi da vida do indígena?

Nito Nelson – Por exemplo, Antônio Brand [indigenista da UCDB], ou ONG [Organização Não Governamental] ele vai lá e pergunta só que não tem como voltar porque não tem estrutura. Ele não pode voltar lá, por exemplo, para comprar, para indenizar aquele fazendeiro do local. É isso que o ruralista fala que o Cimi incentiva para invadir. Não é que ele incentiva, ele apoia na estrutura da ONG. Ela não fala: “Vamos lá entrar que lá é de vocês.” Eles fazem uma comunicação e as pessoas [autoridades ou entidades] veem fazer uma investigação ou pesquisa. Antigamente era mais fácil do que hoje. Após os acontecimentos com relação ao Nísio, até o Cimi está sendo ameaçado. Eles estão ameaçando a entidade porque a entidade está nos ajudando com a alimentação, lona...

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Por Valquíria Oriqui - Capital News (www.capitalnews.com.br)

 

 

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