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ENTREVISTA Quarta-feira, 28 de Junho de 2023, 07:00 - A | A

Quarta-feira, 28 de Junho de 2023, 07h:00 - A | A

Entrevista

Anualmente, mais de 700 mil pessoas cometem suicídio, segundo OMS

Especialista em saúde mental diz que jamais devemos negligenciar a nossa mente, é a partir dela que tudo ocorre na vida

Renata Silva
Especial para o Capital News

Foto Cedida

Anualmente, mais de 700 mil pessoas cometem suicídio, segundo OMS

O comportamento suicida será sempre uma somatória de muitos fatores e causas, detalha psiquiatra Eduardo Araújo

O suicídio é um fenômeno complexo que pode afetar indivíduos de diferentes origens, sexo, idade e classe social, a boa notícia é que ele pode ser prevenido. Saber reconhecer os sinais de alerta em si mesmo ou em alguém próximo é o primeiro e mais importante passo.

Mas nem sempre é fácil reconhecer esses sinais, isso porque muita das vezes o ato de tirar a própria vida está relacionado a transtornos mentais podendo incluir depressão e transtorno por uso de drogas e alcoolismo, por exemplo.

Segundo dados da Organização Mundial da Saúde, mais de 700 mil pessoas morrem por ano devido ao suicídio, o que representa uma a cada 100 mortes registradas. Entre jovens de 15 a 29 anos o suicídio aparece como a quarta causa de morte mais recorrente, atrás de acidentes no trânsito, tuberculose e violência interpessoal.

Um dos falsos mitos em torno do suicídio é que a pessoa que tem intenção de tirar a própria vida não avisa, não fala sobre isso. Entretanto, não é verdade todos os sinais devem ser levados a sério e podem servir de alerta que a pessoa está pensando em nisso.

O Capital News bateu um papo com o médico psiquiatra Eduardo Gomes de Araujo. Ele é Coordenador de saúde mental de Campo Grande e Coordenador da residência de psiquiatria da SESAU Campo Grande vai falar sobre esses sinais e como prevenir.

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1. Capital News: Quais as atitudes que podem revelar um comportamento suicida?
Eduardo Araújo: Desde sempre aprendemos a nos proteger, a permanecer vivos. Inclusive, temos reflexos musculares muito rápidos em nosso corpo e adaptações orgânicas que nos fazem persistir lutando em prol da vida, da sobrevivência.

Uma pessoa que sofre ao ponto de pensar em suicídio manifesta alterações significativas no pensar e no agir, tais como: mudança no humor, tristeza que persiste, desmotivação, desesperança, fala pessimista, isolamento social, faltas ao serviço ou a compromissos, uso em excesso de álcool e drogas ilícitas, ou qualquer mudança do comportamento que cause estranheza aos conhecidos e familiares.

A nossa postura deve ser acolhedora, empática, respeitosa

2. Capital News: Se alguém estiver agindo dessa forma, como ajudar?
Eduardo Araújo: Não atrapalhar já é uma grande ajuda. Em muitos casos a pessoa com comportamento suicida se depara com o preconceito ou psicofobia (quando se há aversão a pessoas com transtornos mentais). A nossa postura deve ser acolhedora, empática, respeitosa e com a disposição de levar o paciente a um serviço médico e / ou de profissionais de saúde mental. Importante não deixar a pessoa com comportamento suicida sozinha, visto que o suicídio, na maior parte das vezes, é um ato solitário e que dificilmente ocorrerá na presença de um familiar ou amigo.

3. Capital News: Quais fatores de risco para o suicídio?
Eduardo Araújo: Existem eventos na vida da pessoa que podem ser precipitantes para a ocorrência de comportamento suicida, como: término relacional, perda de emprego (principalmente quando há crise financeira significativa ou quando há mudança no status financeiro), rejeição social (por exemplo: bullying), exposição social negativa (descoberta de algum escândalo ou quando há compartilhamento sem permissão de imagens íntimas), conflitos familiares ou relações abusivas, gravidez indesejada, descompensação de doenças clínicas ou mentais, entre outros.

O comportamento suicida será sempre uma somatória de muitos fatores e causas

4. Capital News: Esses fatores podem aparecer isoladamente e, em alguns casos, ainda, combinados?
Eduardo Araújo: O comportamento suicida será sempre uma somatória de muitos fatores e causas. Além dos fatores que já citei, devemos também citar fatores culturais, genéticos, exposição a agrotóxicos, relação climática (em regiões ou períodos mais frios tende a ocorrer mais suicídio). Um importante fator associado, principalmente entre os jovens, é a impulsividade, ainda mais quando se tem algum transtorno de personalidade associado.

5. Capital News: Pode-se dizer que o suicida não quer morrer e sim acabar com sua dor?
Eduardo Araújo: Com certeza! O suicídio é uma ação de uma mente que sofre, que dói. Não é questão de coragem ou covardia. É dor. O “não quero mais viver” é a frase posterior ao “não quero mais doer”. De modo fantasioso, imagine que eu tivesse o poder de tirar toda a dor mental de uma pessoa que estivesse pensando em morrer. A tendência é que ela iria querer viver e viver bem a partir dali.

Sabe-se que quando a pessoa tem essa dor mental significativa há também estreitamento na forma de pensar e entender a vida. Tem-se a ideia que a dor nunca vai passar e a vida nunca vai melhorar. Com o tratamento entendemos que tudo passa e sempre há a possibilidade de ressignificar a vida.

6. Capital News: Como tratar os familiares?
Eduardo Araújo: Uma situação muito comum no ambiente familiar de quem tenta ou comete suicídio é a busca por culpados, ou a busca por responder algumas perguntas: “onde eu errei?” ou “por que não percebi antes?”.

Uma verdade que devemos entender, mesmo aos mais experientes, é que nem sempre percebemos, nem sempre há sinais de sofrimento tão nítidos assim.

Enquanto estivermos buscando culpados estaremos ferindo e gerando ainda mais sofrimento àqueles que tanto sofrem.
Melhor forma de vivenciar a dor ou o luto é estar sendo ajudado com o apoio daqueles que ama, daqueles que se fazem próximos. A busca por rede de apoio profissional e participação em grupos de apoio ajudará a dar passos significativos no caminho da recuperação.

Capital News: A culpa é um sentimento muito presente em pais, por exemplo. Como lidar com esse sentimento?
Eduardo Araújo: A culpa em excesso nos piora sempre. É um dos fatores que torna o luto por suicídio penoso e de difícil recuperação. Inclusive, a culpa pode ser um fator de risco para suicídio também entre os enlutados.

A culpa dificulta que o enlutado se reorganize, pois, a sua mente se auto-acusando ou à procura de culpados.

Importante entendermos que todos acertamos e erramos nos relacionamentos com nossos filhos. Procuramos acertar, mas erramos também. Sendo assim, é importante lembrarmos dos acertos que tivemos, dos momentos bons que vivemos e das memórias ricas que queremos guardar daquela pessoa.

Devemos lembrar que o suicídio é multifatorial (como já dissemos na pergunta 4), e em muitas situações o comportamento pode ocorrer apesar dos acertos dos pais. Ao invés de culpados, procurem se apoiar nesse momento tão difícil.

Foto Cedida

Anualmente, mais de 700 mil pessoas cometem suicídio, segundo OMS

São vários os motivos que levam uma pessoa ao suicídio, entre eles o término relacional, perda de emprego, rejeição social (por exemplo: bullying)

7. Capital News: Grupos de apoio, terapia com psicólogos são importantes?
Eduardo Araújo: Mais do que ajudar, são fundamentais. Os grupos de apoio dão voz a quem muitas vezes está com medo do estigma social e cheio de vergonha e embaraço. Os psicólogos são grandes ajudadores numa caminhada de dor e saudade, mas também de descoberta e mudanças.

8. Capital News: O que os enlutados devem evitar?
Eduardo Araújo: Importante entendermos que o ambiente relacional que pode ter contribuído para o suicídio de um ente, ainda se mantém. Os enlutados podem serem vistos como sobreviventes de um cenário que pode ser doentio e que tende a piorar após a morte por suicídio. Logo, os enlutados devem evitar o isolamento social.

Vale lembrar também que devem evitar o uso abusivo do álcool e outras drogas. Sabemos que o álcool pode deprimir ainda mais e diminuir o controle no impulso, aumentando significativamente o risco de atos impensados.

9. Capital News: Respeitar o luto é importante e ele dura quanto tempo?
Eduardo Araújo: Necessário respeitar o luto. Há casos em que a pessoa procura fingir que nada aconteceu e volta a trabalhar no dia seguinte da perda de um filho. Cedo ou tarde, isso não fará bem. Pode ter o que chamamos de luto tardio, em que a pessoa vivencia ainda com maior sofrimento o que deveria ter vivenciado no período da fatalidade.

Também temos aquele que tem o luto cheios de culpa, que se isolam da sociedade, não buscam por ajuda, que temem pelo estigma social, que não conseguem se estruturar mantendo uma desadaptação à vida, vivenciando um luto que se estende por muitos anos, por vezes décadas, por vezes até o final da vida. Chamamos de luto prolongado.

O luto sem complicações é uma resposta normal diante de uma perda. De modo geral o luto deve durar em torno de seis meses no adulto, mas sabemos que no caso de suicídio o luto pode ser maior. Mais importante do que o tempo é a avaliação do desequilíbrio funcional que o enlutado pode ter.

A mensagem que deixo é a necessidade de valorizarmos nossa saúde mental. Devemos levar a sério e jamais negligenciar a nossa mente, visto que é a partir dela que tudo ocorre na vida: nossas decisões, relações, emoções, entre outros. Devemos buscar ajuda se percebermos que algo não está bem, no entanto, não precisamos esperar que algo não esteja bem para só a partir daí valorizar nossa mente. Devemos cuidar de nossa saúde mental cultivando bons hábitos, evitando o uso de substâncias que possam desordenar nossas sinapses cerebrais e tratando tanto o outro como a nós mesmos com respeito e amor. 

10. Capital News: Qual mensagem o senhor deixa?
Eduardo Araújo: A mensagem que deixo é a necessidade de valorizarmos nossa saúde mental. Devemos levar a sério e jamais negligenciar a nossa mente, visto que é a partir dela que tudo ocorre na vida: nossas decisões, relações, emoções, entre outros. Devemos buscar ajuda se percebermos que algo não está bem, no entanto, não precisamos esperar que algo não esteja bem para só a partir daí valorizar nossa mente. Devemos cuidar de nossa saúde mental cultivando bons hábitos, evitando o uso de substâncias que possam desordenar nossas sinapses cerebrais e tratando tanto o outro como a nós mesmos com respeito e amor.

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