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ENTREVISTA Sábado, 02 de Setembro de 2023, 08:31 - A | A

Sábado, 02 de Setembro de 2023, 08h:31 - A | A

Entrevista

Demência frontotemporal: Saiba sobre a doença que afeta Maurício Kubrusly

Responsável pela perda progressiva das funções cerebrais, a DFT é a mesma doença que acometeu o ator Bruce Willis

Renata Silva
Especial para o Capital News

Acervo pessoal

Demência frontotemporal: Saiba sobre a doença que afeta Maurício Kubrusly

Para Dr. Álvaro Pereira, traumas físicos, como o boxe, por exemplo, contribuem para o aparecimento das demências

Quem nunca esqueceu um número de telefone, nome e até um endereço? Mas quando eu devo me preocupar? As dificuldades de memória são as queixas mais frequentes dos quadros demenciais.

A demência se caracteriza pela perda das capacidades cognitivas, comumente iniciando por déficit de memória e evoluindo com prejuízo de outras funções cognitivas como atenção, orientação, raciocínio, linguagem, entre outras. Nos últimos dias o jornalista Maurício Kubrusly de 77 anos, renomado, conhecido pelas suas reportagens bem-humoradas virou notícia.

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Demência frontotemporal: Saiba sobre a doença que afeta Maurício Kubrusly

Bruce Willis, de 67 anos, se aposentou do cinema em 2022 após diagnóstico de demência frontotemporal

Há alguns anos o profissional foi diagnosticado com demência frontotemporal (DFT), uma doença neurodegenerativa que ocasiona a perda progressiva das funções cerebrais. Essa é a mesma doença do ator Bruce Willis,que anunciou a aposentadoria no ano passado.

Essa doença acomete as pessoas com idade média entre 45 e 65 anos, e sua evolução varia de pessoa para pessoa. Assim como as outras demências, a DFTnão tem cura, no entanto, existem maneiras de controlar os sintomas.

Para saber estas e outras informações acerca desse tipo de doença, o Capital News conversou com o angiologista, especialista em cirurgia vascular, Dr. Álvaro Pereira.

1. Capital News: Quais as causas da DFT?
Dr. Álvaro Pereira: As causas da demência são as mesmas das outras demências, que é o envelhecimento e as alterações que podem levar a uma piora da vascularização cerebral como, por exemplo, diabetes, hipertensão, dieta com muita gordura animal, principalmente que levam às alterações, às obstruções arteriais, ao estreitamento das artérias, e isso vai dificultando a chegada de sangue lá no cérebro. Como o cérebro precisa de um aporte de sangue muito grande, de oxigênio, de nutrientes, o cérebro gasta muita energia. Então, à medida que você vai tirando energia dessa região, o cérebro vai perdendo a capacidade funcional e tudo vai ficando meio nebuloso.

2. Capital News: Como são distribuídas as memórias?
Dr. Álvaro Pereira: A memória é um conjunto complexo, de uma capacidade complexa que nós temos de perceber alguma informação, guardar essa informação por um determinado tempo, eventualmente por bastante tempo até, e de você recuperar essa informação na hora que precisar. Na hora que você precisa tomar uma decisão, você se lembra de três, quatro informações e usa aquilo para a decisão.

3. Capital News: Qual é a importância da memória para a cognição?
Dr. Álvaro Pereira: A memória é muito importante na cognição. Ela é dividida de uma maneira simplificada, em um grupo de memórias mais rápidas, mais instantâneas, que você esquece rapidamente, umas que você sabe que você tem que guardar, que você vai precisar disso para amanhã, depois, daqui a um ano, daqui a dois, e outras que ficam muito tempo, duram a vida toda. Essas que duram a vida toda são as mais complicadas de entender, interpretar, e elas são sempre relacionadas a emoções fortes. Por exemplo, uma coisa muito alegre, muito satisfatória, muito agradável, muito amorosa, eventualmente você vai se lembrar disso a vida toda. Alguma coisa muito triste, muito ruim também você vai, ou então alguma memória que tenha causado muito medo, uma experiência de muita aflição, você vai guardar durante muito tempo. As outras duram durante um tempo, um período que é aquilo que você tem necessidade. Mas, você reativa a memória, cada vez que você precisa daquela informação, ela vai ficando cada vez mais consolidada e durante mais tempo.

4. Capital News: Existe um local no cérebro para guardar as memórias?
Dr. Álvaro Pereira: A memória é distribuída pelo cérebro em várias posições, não existe um local no cérebro que guarda todas as informações. Uma grande parte delas passa pelo hipocampo, mas passa como referência só, o cérebro é cheio de interligações, uma área com a outra. O que conecta um neurônio com outro, mais distante ou menos distante, essas conexões é que fazem com que a gente conecte literalmente. As informações do passado, de agora, de ontem, uma informação sensorial, uma informação que você ouviu falar, uma coisa que você leu... Então, você mistura tudo isso e aí toma uma determinada decisão.

5. Capital News: Existe uma forma de evitar a DFT? A idade e os traumas contribuem para a DFT?
Dr. Álvaro Pereira: Como dissemos, a memória vai ser afetada também com o avanço da idade. Uma das características da demência é a perda da memória, porque a demência leva a uma diminuição da cognição. A cognição é esse conjunto de habilidades que o cérebro tem de pegar todas as informações do meio ambiente, da sua vida, que você vai tendo contato com a linguagem, com os cinco sentidos, com a observação, com a atenção, e você usa essas informações todas e vai tomando decisões durante a vida. E essa habilidade de tudo isso é que a cognição, você é uma pessoa mais esperta, mais acordada, mais ágil, que resolve mais coisas e melhor, mais rapidamente, ela tem uma cognição melhor. À medida que o tempo vai passando, você vai perdendo a cognição.
Claro que, como toda demência, a perda da memória, perda do raciocínio, perda da cognição, perda da capacidade que o cérebro tem de resolver problemas da melhor forma possível, acontecem. A cognição caracteristicamente vai diminuindo. Todas as demências são assim.

Reprodução/TV Globo

Demência frontotemporal: Saiba sobre a doença que afeta Maurício Kubrusly

Fora da TV desde 2019, Maurício Kubrusly vive no Sul da Bahia após ser diagnosticado com doença

6. Capital News: Existem semelhanças entre os tipos de demências? Quais são?
Dr. Álvaro Pereira: Demência senil, Alzheimer, Doença de Levy e todas as outras. Elas são semelhantes, com algumas características que diferenciam uma das outras. Uma, a evolução é mais rápida; outras têm mais manifestação motora do que manifestações mentais, psicológicas, e assim vai... E a demência frontotemporal é desse tipo. É que ela é bem conhecida por causa do padrão como a pessoa se comporta e porque têm algumas pessoas famosas que tiveram como o ator Bruce Willis e o jornalista Maurício Kubrusly. Enfim, é o motivo dela ser mais conhecida.

7: Capital News: Traumas físicos contribuem para o aparecimento da DFT?
Dr. Álvaro Pereira: Com relação aos traumas físicos e não emocionais, os traumatismos de crânio, todos eles, traumatismos esportivos, por exemplo, pessoa que luta boxe, futebol americano, é muito comum também, eles sempre têm problemas de perda de memória, perda da cognição devido ao trauma. O trauma causa uma lesão lá do neurônio, mata o neurônio, e como o neurônio não se regenera, não tem como repor aquele neurônio exatamente do jeito que ele era. Você pode reconstruir novas ligações, novas comunicações com outros neurônios que não foram lesados, mas nem sempre você consegue recuperar totalmente aquela área do cérebro, aquela característica, capacidade do cérebro pode ficar perdida, de formas que os traumas pioram todas as formas de demência.

8. Capital News: Alguns tratamentos são comuns nas diversas formas de demência ou na diminuição da cognição que surge com o envelhecimento. Quais são eles?
Dr. Álvaro Pereira: Os tratamentos para a demência são muito semelhantes, praticamente todas as formas de demência são tratadas da mesma forma. Todos esses cuidados gerais de dieta, alimentação, atividades, exercícios específicos, exercícios psicológicos (de memória mesmo), por exemplo. Há várias formas de você estimular a memória: revistas antigas, filmes antigos, conversar, falar a respeito da história da pessoa, de coisas passadas, de um ano, dois anos, dez anos, vinte anos, tudo isso revisita informações do passado e vai formando novas conexões. Mas, isso depende de uma boa alimentação, saudável, exercícios físicos, e a reposição de determinados medicamentos que são importantes na formação de novos neurônios, de novas conexões.

9. Capital News: A perda da memória também pode ser hereditária?
Dr. Álvaro Pereira: As demências, todas elas, têm um caráter hereditário também. Há pessoas que têm uma maior propensão para isso. Mas, elas também estão relacionadas à hereditariedade da doença arteriosclerótica, que é a obstrução de artérias. É mais comum em algumas pessoas do que em outras. Então, tem uma característica genética que é ligada a essas duas coisas. Assim como a diabetes também. E a diabetes também é hereditária. Então, há uma correlação com os problemas da família, em primeiro lugar. Então, das formas que você consegue prevenir as demências, se você levar em conta todos os seus dados familiares, e se proteger em relação à diabetes, hipertensão, exercícios, não fumar, além do controle dessas doenças pré-existentes, isso será muito importante para a prevenção.

10. Capital News: Alguns medicamentos melhoram a atividade dos neurônios e, portanto, a memória e a cognição. Quais são?
Dr. Álvaro Pereira: Os medicamentos utilizados normalmente são zinco, magnésio, algumas vitaminas, especialmente vitaminas do complexo B, a e alguns aminoácidos que fazem parte da composição dos neurotransmissores que são importantes. Mas, o medicamento não deve ser administrado por conta própria e sim é preciso uma avaliação médica, uma vez que estes medicamentos são bem pontuais, bem específicos, têm a ver com absorção, se você absorve bem ou não, se você toma outros medicamentos que interfiram na absorção, por exemplo, dessas drogas. Tudo isso é um pouco mais complicado. Por isso não adianta fazer por conta própria que você vai acabar fazendo errado.

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