Sábado, 04 de Maio de 2024


ENTREVISTA Quinta-feira, 22 de Junho de 2023, 07:00 - A | A

Quinta-feira, 22 de Junho de 2023, 07h:00 - A | A

Entrevista

Rotina Corrida: Pesquisa mostra que 46% das mulheres se dizem esgotadas

Essa correria da vida moderna pode interferir na saúde mental delas, dizem especialistas

Renata Silva
Especial para o Capital News

Foto Cedida

Rotina Corrida: Pesquisa mostra que 46% das mulheres se dizem esgotadas

A carga mental, o cansaço e o esgotamento são fatores que podem gerar impactos significativos na saúde mental das mulheres

Com a correria do dia dia, as exigências do mercado de trabalho e a responsabilidade em ter de cumprir o papel de mãe, esposa e filha tem deixado as mulheres cada vez mais exaustas. Não é difícil encontrar, numa roda de conversa, mulheres dizendo que estão cansadas e esse esgotamento atinge quase metade (46%) delas, segundo uma pesquisa da Delloite, empresa de consultoria.

Pode-se dizer que entre os motivos desse cansaço excessivo esta a rotina cheia de tarefas que essas mulheres são expostas todos os dias, o que é comprovado por meio de uma Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua). Segundo o levantamento, as mulheres que trabalham dedicam em média 18,5 horas para afazeres domésticos e cuidados de pessoas da família, especialmente os filhos. Homens empregados dedicam 10,4 horas para essas atividades.

Isso significa que, a jornada semanal feminina demanda 53,3 horas semanais, sendo 34,8 horas de emprego e as 18,5 horas de cuidados da casa e das pessoas. No caso dos homens, essa jornada ocupa em média 50,3 horas semanais, sendo 10,4 horas de cuidados em casa.

Para falar um pouco dos desafios que as mulheres enfrentam e os caminhos para amenizar essas questões, o Capital News convidou a consultora em relações humanas e especialista em Comunicação Não Violenta, Ariane Osshiro.

Foto Cedida

Rotina Corrida: Pesquisa mostra que 46% das mulheres se dizem esgotadas

Para reduzir os impactos da carga mental, do cansaço e esgotamento das mulheres, é necessário adotar medidas que promovam o autocuidado e a valorização da saúde mental

1. Capital News: Filha, mãe, esposa, profissional… são tantos os papéis a serem ocupados pelas mulheres. E cada uma dessas “funções” traz consigo diversas responsabilidades. Ser mulher é um desafio?
Ariane Osshiro: Sim, é um desafio com dores e delícias. Desde o aspecto do se desgastar para dar conta de tudo em meio a diversos papéis a carga mental e cansaço, e, por outro lado um caminho bonito e repleto de novas experiências que é possível construir ao lado de outras mulheres. E esse tecido social que construímos com outras mulheres, damos o nome de rede de apoio.

2. Capital News: Como sobreviver em um mundo onde os números da violência contra a mulher são gigantescos. Aí comento não apenas da física, como a psicológica, patrimonial, moral, sexual, a violência no mercado de trabalho, a dita o que vestir e como se portar e aquela que reprime sua juventude e abomina seu envelhecer?
Ariane Osshiro: E em duas circunstâncias isso se torna mais difícil:

a. Quando a gente convive com pessoas que estão fora da sua autenticidade, vivem em relações violentas e abusivas sem perceber, ou seja, todas as pessoas ao nosso redor perderam pelo amordaçamento que os padrões e regras trazem, sua espontaneidade, seu espaço de expressão e sua forma de ver o mundo e os desejos de tentar transformá-lo. E isso é normalizado. Ou seja, todo mundo tá sentindo que tá fazendo a coisa errada, tá se questionando, ficando cada vez mais ansiosa ou depressiva o tempo inteiro, então isso é que deve ser a vida não é mesmo?

b. Apropriação indevida do tempo e dos recursos de uma mulher: quando a gente se coloca à disposição das necessidades de todas as pessoas o tempo todo, da família, do trabalho do cachorro, da planta, enfim das mil coisas que surgem na nossa vida e a gente vai se colocando à disposição de tudo isso.

Por vezes, a gente tem a impressão que pra qualquer lado que nos voltemos há algo que quer, e que precisa e que deseja, aí a gente tá lá no lugar onde a gente satisfaz essas coisas todas e está longe do nosso lugar e quando a gente menos vê, nos perdemos de nós mesmas

3. Capital News: Tomando como gancho essa pesquisa de que o esgotamento extremo atinge 85% das mulheres trabalhadoras contra 75% dos homens, de acordo com um estudo da Pulses, empresa de soluções para medir continuamente clima, engajamento e performance em empresas de diferentes portes e segmentos. Na sua opinião, por que dessa diferença?
Ariane Osshiro: Porque o trabalho da mulher não acaba quando termina o trabalho formal, costumamos dizer que existe uma tripla jornada, essa tripla jornada se refere a sobrecarga de tarefas diárias que as mulheres enfrentam no seu cotidiano. E que após o trabalho formal, ou melhor o trabalho que ela usa para obter renda, ela também tem toda a atividade doméstica e cuidado com os filhos. E, numa visão prática, muitas das vezes essas funções ocorrem sem reconhecimento ou visibilidade, podendo levar ao estresse, exaustão e outros problemas de saúde.

4. Capital News: Pode-se dizer que esses obstáculos têm origem numa questão social e na forma como a própria sociedade está estruturada?
Ariane Osshiro: Acredito que aqui há todo um sistema que não remunera o cuidado que as mulheres exercem e isso tem sido estudado como economia do cuidado. Dados do IBGE de 2019, revelam que no Brasil as mulheres dedicam o dobro do tempo que os homens para afazeres domésticos e cuidados de pessoas da casa. Além disso, 92% da população feminina realiza afazeres domésticos. Esse trabalho de cuidado não pago feito pelas mulheres representa uma 24 vezes maior que a do Vale do Silício. No contexto Brasil, representa 11% do PIB do país. Além disso, quando pensamos em terceirizar o trabalho, pensamos primeiro em uma mulher e no nosso país, segundo a OIT (Organização Internacional do Trabalho), temos 7 milhões de trabalhadoras domésticas. E tudo isso vem de uma cultura que desde criança, no momento do brincar direciona as meninas para o cuidado, seja com uma boneca, seja com uma cozinha para brincar. Ao contrário dos meninos, que tem uma gama muito maior de profissões e “aventuras” direcionadas a eles.

A carga mental, o cansaço e o esgotamento são fatores que podem gerar impactos significativos na saúde mental das mulheres

5. Capital News: Quais impactos esse esgotamento gera na saúde mental das mulheres?
Ariane Osshiro: A carga mental, o cansaço e o esgotamento são fatores que podem gerar impactos significativos na saúde mental das mulheres. De acordo com pesquisas, as mulheres são mais propensas a sofrerem com esses fatores devido às múltiplas responsabilidades que assumem em suas vidas, como cuidar da casa, dos filhos e trabalhar fora. O cansaço e a sobrecarga de tarefas podem levar a sintomas de ansiedade, estresse e depressão, além de afetar a qualidade do sono e a capacidade de concentração. Além disso, a carga mental pode levar a um sentimento de desvalorização e falta de reconhecimento, o que pode afetar a autoestima e a autoconfiança das mulheres. É importante que sejam criados espaços de apoio e suporte para que as mulheres possam lidar com esses desafios e cuidar de sua saúde mental.

6. Capital News: Quais medidas deveriam ser implementadas para mudar essa realidade?
Ariane Osshiro: Para reduzir os impactos da carga mental, do cansaço e esgotamento das mulheres, é necessário adotar medidas que promovam o autocuidado e a valorização da saúde mental. É importante que as mulheres sejam incentivadas a buscar ajuda profissional quando necessário, como terapia e acompanhamento médico. Além disso, é fundamental que haja uma mudança cultural que valorize o trabalho doméstico e de cuidado, reconhecendo-o como uma atividade importante e que merece respeito e remuneração adequada. As empresas também podem contribuir oferecendo políticas de flexibilidade de horários e licenças remuneradas para cuidados familiares. Em resumo, é preciso que haja uma conscientização coletiva sobre a importância do autocuidado e da valorização do trabalho de cuidado, para que as mulheres possam enfrentar o cansaço e o esgotamento de forma mais saudável e equilibrada.

Aqui vão algumas dicas pra mulher que está lendo, possa aplicar em sua vida:

• Dança
• Arte de Escrever (escrita terapêutica)
• Pintar
• Rezar ou meditar
• Cantar
• Exercitar a imaginação ativa (com leituras e filmes)
• Solidão intencional (solitude)
• Música e um bom banho
• Conexão com a natureza

7. Capital News: Quais avanços já tivemos?
Ariane Osshiro: Temos tido a possibilidade de falar sobre o tema, e não calar e aceitar tudo como normal. Com entrevistas como essa, por exemplo, as mães e mulheres não mães estão sendo encorajadas a buscar ajuda e apoio, seja através de grupos de apoio, terapia ou simplesmente tirando um tempo para si mesmas. Além disso, muitas empresas estão começando a oferecer políticas de licença parental mais flexíveis e benefícios para ajudar as mães a equilibrar suas responsabilidades. Embora ainda haja muito a ser feito, esses avanços são um passo importante na direção certa para garantir que as mães sejam valorizadas e cuidadas, e que o burnout materno seja reconhecido como um problema real e sério.

8. Capital News: Como você vê a sociedade daqui uns anos?
Ariane Osshiro: Com a busca pelo conhecimento e as novas iniciativas que vem sendo criadas, vejo possibilidades fortes de melhoria nas violências invisíveis que consideramos comuns e normais dentro do dia-a-dia.

Comente esta notícia


Reportagem Especial LEIA MAIS