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Opinião Sábado, 22 de Março de 2025, 10:52 - A | A

Sábado, 22 de Março de 2025, 10h:52 - A | A

Opinião

A alteração da NR 1 e os fatores de riscos psicossociais

Por Eduardo Pragmácio Filho*

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Algumas empresas estão aflitas, temorosas e com muitas dúvidas, a respeito da novidade contida na Norma Regulamentadora – NR 1 e que entrará em vigor no final de maio de 2025 (Portaria MTE 1.419/2024). Agora, os empregadores deverão contemplar, registrar, avaliar, controlar e monitorar, nos seus programas de gerenciamento de riscos ocupacionais, um velho e novo fator de risco: os psicossociais.

Para além daqueles que decorrem de agentes físicos, químicos e biológicos (previstos na NR 15 e definidos no anexo I da NR 1), ou dos riscos de acidentes (maioria prevista na NR 16), ou dos riscos ergonômicos (definidos na NR 17), a novidade da NR 1 não traz uma definição clara e expressa do que sejam os fatores de riscos psicossociais. Nem mesmo a NR 17, que já os mencionava na abordagem da análise ergonômica, é clara para definir os fatores de riscos psicossociais.

Como se disse, não há uma definição legal clara e precisa do que sejam nem quem tem autoridade ou habilitação legal para caracterizá-los, como acontece, por exemplo, com os riscos físicos, químicos e biológicos que geram insalubridade, os quais, por exigência do artigo 195 da CLT, só podem ser caracterizados por um médico do trabalho ou por um engenheiro de segurança do trabalho. A falta de clareza foi, inclusive, debatida na Comissão Tripartite Paritária Permanente (CTPP), no âmbito do MTE, não se chegando a um consenso, pois a representação empresarial posicionou-se no sentido de que a inclusão dos fatores de riscos psicossociais, na redação da NR 1 que acabou sendo aprovada, seria um elemento de confusão a sua operacionalização, uma vez que o fator de risco psicossocial já estaria abrangido no risco ergonômico, não se tratando de uma sexta e nova categoria apartada.[1]

Este é um fato: não se trata de uma sexta categoria de risco, mas, na verdade, a redação do jeito que está apenas ressalta um fator de risco na abordagem do risco ergonômico. A intenção do governo é exatamente chamar a atenção para uma abordagem que leve em consideração os fatores de risco psicossociais, sinalizando para todos os envolvidos a importância do tema.

O Conselho Federal de Psicologia (CFP) editou a Resolução 14/2023, que regulamenta o exercício profissional da categoria na realização de avaliação de riscos psicossociais relacionados ao trabalho. No artigo 2º, a resolução prescreve que o profissional deve investigar e diagnosticar “características psicológicas das pessoas trabalhadoras, características dos processos de trabalho e do contexto organizacional que, de forma integrativa, interferem na subjetividade, na saúde mental, na integridade e na possibilidade de realização da atividade laboral”. Ou seja, para o CFP, e de acordo com a Lei 4.119/1964 (art. 13, §1º, “a”), a atividade de diagnóstico de pessoas, de processos e de contextos, para a avaliação de riscos psicossociais, seria função privativa do profissional de psicologia, seja individualmente, ou como integrante de uma equipe multiprofissional ou intersetorial (art. 3º da Res. 14/2023).

O tema é polêmico e já vem gerando controvérsias.

No caso da NR 17, por exemplo, que determina para o empregador fazer uma análise ergonômica do trabalho (AET), não há um profissional específico que possa atestar tal análise em um laudo, conforme já opinou o próprio MTE na Nota Técnica 287/2016, ao esclarecer que, como não há regulamentação da profissão de ergonomista no Brasil, qualquer profissional capacitado para realizar tal análise e para ministrar os treinamentos correlatos pode se responsabilizar pela tarefa. Apesar de o Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional ter disciplinado a atividade de fisioterapeuta do trabalho, por meio da Resolução Coffito nº 465/2016, atribuindo-lhe a competência de realizar a avaliação e diagnóstico e elaborar o laudo ergonômico, tal resolução seria aplicável tão somente aos profissionais submetidos ao conselho, não impedindo, na visão do MTE, de que outros profissionais possam elaborar a análise ergonômica do trabalho (AET).

Em relação ao fator de risco psicossocial, por sua vez, é possível entender que, para a primeira fase do PGR – Programa de Gerenciamento de Riscos, previsto na NR 1, na fase preliminar de levantamento de perigos e riscos (item 1.5.4.2), neles incluídos agora os fatores de riscos psicossociais, qualquer profissional capacitado para fazer o PGR (médico do trabalho, engenheiro de segurança do trabalho ou até mesmo o técnico de segurança do trabalho) pode meramente identificar a existência ou não de perigos e riscos. Mas, uma vez identificados, e se não puderem ser evitados ou eliminados, passa-se a uma segunda fase, diagnóstica, mais profunda, que vai descrever, avaliar, identificar as fontes e os trabalhadores sujeitos a tais riscos, bem como as medidas de controle adequadas a eles (item 1.5.4.3, 1.5.4.4 e 1.5.5 da NR 1). Neste caso, entendo que somente o profissional de psicologia poderia elaborar o laudo que embasaria o PGR, em observância àquela Res 14/2023 do CFP, considerando que a atividade diagnóstica (de pessoas, processos e contextos) é, por lei, privativa dos psicólogos.

Talvez o MTE emita Nota Técnica, tal qual aquela a respeito da ergonomia, opinando afinal quem estará habilitado para cumprir com o comando da NR 1.
O próprio MTE poderia dirimir essa lacuna, por outro lado, deixando mais clara e precisa a norma, regulando igual como fez com os exames audiométricos, previstos na NR 7, em que se delegou aos médicos e fonoaudiólogos, de acordo com as resoluções de seus respectivos conselhos profissionais, a feitura de tais exames complementares.

Mas, afinal, o que são esses fatores de riscos psicossociais, levando-se em consideração que não há uma definição legal do que sejam?

Ao anunciar a alteração da NR 1, o governo divulgou notícia em seu sítio eletrônico, afirmando que riscos psicossociais estão relacionados à organização do trabalho e às interações interpessoais no ambiente laboral, incluindo fatores como metas excessivas, jornadas extensas, ausência de suporte, assédio moral, conflitos interpessoais e falta de autonomia no trabalho, o que podem causar estresse, ansiedade, depressão e outros problemas de saúde mental nos trabalhadores.[2]

Na Europa, a Agência para Saúde e Segurança no Trabalho (EU-OSHA) menciona que os riscos psicossociais decorrem de “deficiências na conceção, organização e gestão do trabalho, bem como de um contexto social de trabalho problemático, podendo ter efeitos negativos a nível psicológico, físico e social”. E a Agência os exemplifica: “cargas de trabalho excessivas, exigências contraditórias e falta de clareza na definição das funções, falta de participação na tomada de decisões que afetam o trabalhador, falta de controle sobre a forma como o trabalho é executado, má gestão de mudanças organizacionais, precariedade laboral, comunicação ineficaz, falta de apoio das chefias ou dos colegas, assédio psicológico e sexual, e, por fim, clientes, pacientes alunos, etc. difíceis.” Por fim, a Agência ressalta que “ao considerar as exigências do trabalho, é importante não confundir fatores de risco psicossociais, como uma carga de trabalho excessiva, com condições em que, embora as tarefas sejam estimulantes e, por vezes, desafiantes, há um ambiente de trabalho favorável em que os trabalhadores têm autonomia suficiente e estão bem preparados e motivados para dar o seu melhor. Um ambiente psicossocial positivo promove o bom desempenho e o desenvolvimento pessoal, bem como o bem-estar mental e físico dos trabalhadores”. [3]

Todos esses riscos psicossociais impactam diretamente a produtividade da empresa, pois podem provocar absenteísmo, rotatividade de mão de obra, dificuldade de retenção de talentos, presenteísmo (trabalhadores que se apresentam ao trabalho doentes e incapazes de funcionar eficazmente), tudo isso implicando aumento de custos, afetando diretamente a imagem e reputação da empresa. Leve-se em consideração que, no afastamento por causa acidentária, os custos são arcados não só pela empresa, mas por toda a sociedade que sustenta a previdência.

Não é à toa que, atento a tudo isso, o governo brasileiro criou, por meio da Lei 14.831/2024, o Certificado Empresa Promotora da Saúde Mental, para aquelas que promovam a saúde mental e o bem-estar de trabalhadores, com a implementação de programas e capacitações e o incentivo a práticas para um meio ambiente laboral seguro, sadio e de qualidade, tudo isso com transparência e prestação de contas.

As empresas, então, a partir da alteração da NR 1, deverão identificar e mapear os fatores de riscos psicossociais, treinar e capacitar as lideranças e os trabalhadores, avaliar adequadamente esses riscos, dimensionando as medidas de controle adequadas a eles, preventivas e corretivas, com monitoramento constante e avaliação periódica, em tudo registrando os dados em documentos que constarão do PGR e ficarão à disposição da fiscalização, dos sindicatos e dos trabalhadores interessados. A tendência é que as empresas fiquem cada vez mais transparentes quanto a isso, buscando certificações, como o selo governamental, como forma de agregar valor a sua reputação e imagem, melhorando também a produtividade e criando um ambiente de retenção de talentos.

Os impactos dessa novidade da NR 1, ademais, vão desde a alteração de formulários de atestados de saúde ocupacional (ASO), em que agora os fatores de riscos psicossociais deverão constar no rol a que estão (ou não) submetidos os trabalhadores, até a feitura dos PPP (perfil profissiográfico previdenciário), o que pode implicar, com mais facilidade, pela perícia médica do INSS ou do juízo trabalhista, a configuração do nexo de causalidade (acidentário) de transtornos mentais e do comportamento como doenças do trabalho, a que se referem a Lista B do anexo II do Decreto 3.048/1999, a exemplo do alcoolismo crônico ou da síndrome de burnout. Se há a identificação de riscos psicossociais nos documentos de saúde e segurança do trabalho da empresa, fica mais fácil a análise por parte do médico do trabalho.

Os desafios são muitos, no plano jurídico e regulatório, na operacionalização do mapeamento dos fatores de riscos psicossociais, como no consequente plano de ação das empresas para lidar com eles. Apesar de a intenção do MTE não seja a de criar uma sexta e nova categoria de riscos, por óbvio, a simples alteração da redação da norma, que sequer entrou em vigor, já vem causando o frisson no mercado de saúde e segurança do trabalho, despertando o interesse, o temor e a reverência sobre o tema.


*Eduardo Pragmácio Filho
Doutor e mestre em Direito do Trabalho pela PUC-SP, membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, pesquisador do Getrab/USP e sócio de Furtado Pragmácio Advogados.


[1] Disponível em https://www.gov.br/trabalho-e-emprego/pt-br/acesso-a-informacao/participacao-social/conselhos-e-orgaos-colegiados/comissao-tripartite-partitaria-permanente/reunioes/atas/atas-1/2024/ata-10a-re-da-ctpp-2024_07_30-aprovada-1.pdf/view capturado em 06/03/2025.
[2] Disponível em https://www.gov.br/trabalho-e-emprego/pt-br/noticias-e-conteudo/2024/Novembro/empresas-brasileiras-terao-que-avaliar-riscos-psicossociais-a-partir-de-2025, capturado em 03/03/2025.
[3] Disponível em https://osha.europa.eu/pt/themes/psychosocial-risks-and-mental-health, capturado em 03/03/2025.

 

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