A vitória acachapante de Trump sobre os liberais estadunidenses está sendo muito comemorada pelos setores liberais de direita no Brasil, ligados ao bolsonarismo, ao mesmo tempo em que muito ressentida pela esquerda liberal brasileira, que soma o seu coro choroso aos lamentos intermináveis de todo o meio artístico e jornalístico dos EUA.
Na sua ingenuidade, a direita liberal, que está hegemonizando o processo político nacional, com resultados eleitorais melhores do que os da sua meia-irmã em economia e política, a esquerda liberal, não se apercebe do risco que esta vitória e o consequente avanço do conservadorismo pelo globo representam para a sua própria ideologia liberal-globalizante, dos influxos abertos de capitais e do Mercado internacional. Explico a contradição: Trump é considerado antiliberal em economia, em política e em costumes no ambiente interno dos EUA, mas isso não significa que a sua política externa será diversa da adotada pelos democratas, verdadeiros liberais de corpo e alma do país do fast food. Afinal, os EUA são o grande pilar de sustentação do Mercado globalizante com seus fluxos de informações e capitais e o mecanismo da colonização moderna, financeira, cultural e tecnológica, sobre os países dependentes terceiro-mundistas. O discurso de Trump contrastará como nunca com a prática dos EUA, à medida em que impõe (ainda mais) barreiras protecionistas para defender a sua indústria interna contra a concorrência chinesa, enquanto divulga para todos os terceiro mundistas que eles não devem seguir o seu exemplo. Não que sob o partido democrata o protecionismo tivesse desaparecido dos EUA, muito pelo contrário, mas a retórica liberal-globalizante, na qual a imigração e o multiculturalismo são só duas facetas, conformavam um todo muito mais coerente entre os queridinhos de Wall Street do partido azul, rechaçados pelo conservadorismo estadunidense.
Justamente este ambiente de contradição eminente poderá fazer ressurgir no Brasil, país fortemente influenciado em todos os setores da vida pelos EUA, sobretudo cultural e politicamente, antigas aspirações nacionais e movimentos precursores do conservadorismo brasileiro. Refiro-me ao tenentismo/Getulismo em sua fase de ouro, em 1930 e em 1937 (com o advento do Estado Novo), à AIB (Ação Integralista Brasileira) de Plínio Salgado, à ESG (Escola Superior de Guerra) durante a última ditadura militar, de forte influência integralista, e finalmente, ao último representante desta estirpe e deste veio aberto no país, precursor e originário mesmo, do conservadorismo político e cultural (nos costumes, portanto) aliado a um forte antiliberalismo econômico (nacionalismo completo e verdadeiro, em suma): Enéas Carneiro.
Já havia notado em outro texto que o culto a Enéas Carneiro vive em estado latente no interior do bolsonarismo, embora caricaturado e mistificado para ocultar-lhe o antiliberalismo extremado em economia. Além do renascimento do patriotismo, elementos que poderiam ser disputados pelos desenvolvimentistas no país para impulsionar o renascimento de uma política econômica verdadeiramente nacionalista entre nós, antiliberal e anti Guedes e Haddad. Isso implicaria em acolher o conservadorismo de costumes, aceitando-o como traço característico da mentalidade hegemônica do povo brasileiro, em nome de quem declaramos nosso amor. Pois bem, esta vitória de Trump neste momento crítico da geopolítica, com o fortalecimento dos blocos econômicos, guerras no horizonte e protecionismo, tornam o caldo ainda mais espesso e profícuo para uma operação desta natureza.
Desgraçadamente, no país, só uma única figura desponta como capaz de fazê-lo, e a sua solidão é atroz. Trata-se de Aldo Rebelo. No seu rastro uma constelação de figuras menores, organizados ao redor de pequenos núcleos nacionalistas como os do comandante Robinson Farinazzo, despontam timidamente no horizonte. Ciro Gomes, que poderia tornar-se uma figura catalizadora deste esforço e desta guinada, parece incapaz de sequer esconder a sua cultura liberal e cosmopolita, sonhando ainda com a herança dos votos do liberalismo de esquerda no pós-lula, tendo por principais cabos eleitorais os artistas e os jornalistas cosmopolitas da decadência brasileira – os mesmos que abraçaram Kamala na sua derrota mais ao norte.
Aos desenvolvimentistas, aos antiliberais em economia, um brado de alerta: abandonai o liberalismo de costumes e disputemos, na crista desta nova onda, o conservadorismo com os liberais em economia. Apontemos-lhes as contradições. Este tempo estará como nenhum outro a nosso favor.
*João Batista M. Prates
Mestre em Filosofia (UNIFESP, 2022); especialista em Ensino de Sociologia (UFMS, 2022), em Gestão e Controle Social das Políticas Públicas e em Direito Público Municipal (EGC-TCMSP, 2021 e 2023). Possui pós-graduação em Legislativo, Controle Externo e Políticas Públicas no Brasil e em Legislativo, território e Gestão democrática da cidade (EP-CMSP, 2020 e 2023).
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