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Opinião Domingo, 09 de Março de 2025, 13:21 - A | A

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O Preço da Corrupção - Das Páginas de “O Quinze” ao Brasil Atual

Por Wanderson R. Monteiro*

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Não é novidade para ninguém que o Brasil sempre foi um país de extremos. De um lado, podemos ver a fartura de recursos naturais; do outro, a sempre presente escassez imposta aos que menos têm. Em O Quinze, conhecido romance nacional, Rachel de Queiroz narra com brutalidade a tragédia da seca de 1915 e o sofrimento dos retirantes que pareciam amargamente pela falta de chuva. Mas se a fome e a sede eram implacáveis, levando as pessoas à morte, a corrupção dos homens era ainda muito pior. Na história narrada por Rachel de Queiroz, Chico Bento e sua família são vítimas não apenas da seca, mas de um sistema podre, onde a ajuda emergencial — que deveria salvá-los — se transforma em mercadoria para os ricos. Não há justiça na terra seca, apenas uma barganha cruel onde os miseráveis sempre perdem. E é triste ver que, na maioria das vezes, nosso país ainda funciona assim.

A cena em que Chico Bento tenta conseguir as passagens de trem oferecidas pelo governo sintetiza a perversidade da corrupção, e escancara uma terrível prática que muitos já enxergam como “comum”, mesmo em nossos dias. As passagens, que deveriam ser destinadas para os retirantes para garantir uma saída digna para os mais necessitados, foram vendidas para um fazendeiro rico. O resultado? Sem as passagens, Chico Bento e sua família seguem a pé, atravessando o sertão com a fome corroendo seus corpos e a desesperança esmagando suas almas. Uma cena triste narrada no livro, é a morte do filho de Chico Bento, envenenado por mandioca venenosa (manipeba brava) por não suportar mais a fome, se lança, sem conhecimento, a comer o “alimento” cru, escondido de seus pais, na tentativa de amenizar a fome que lhe matava. Tal cena narrada no livro não é um acidente isolado, mas, na verdade, se mostra como a consequência direta da ganância e da corrupção.

A história de Chico Bento, narrada no livro por Rachel de Queiroz, não é apenas um retrato de um passado triste e distante. É um espelho do Brasil de hoje. Quantas famílias não são vítimas de gestores corruptos que desviam verbas que deveriam melhorar e ajudar a vida da população? Quantas mães, assim como a esposa de Chico Bento, não choram a morte de seus filhos porque o dinheiro que deveria salvar vidas foi parar no bolso de alguém que já tem demais? Se no sertão de 1915 um homem comprava 50 passagens destinadas aos miseráveis, no Brasil de hoje hospitais superfaturaram respiradores, prefeituras desviam cestas básicas, e políticos trocam verbas da educação por apoios eleitorais.

A corrupção não é uma simples palavra, não é um pensamento vago, sem forma ou sem correspondência na realidade. A corrupção não é uma abstração. Ela tem cheiro, rosto e consequência. Ela tem o cheiro da comida que nunca chega ao prato do pobre. Tem o rosto do político que desvia verbas e do empresário que lucra com a miséria. E tem a consequência mais cruel de todas: a morte dos inocentes. O Brasil narrado por Rachel de Queiroz ainda existe, só mudou de cenário. Agora, em vez de retirantes vagando pelo sertão, temos famílias inteiras desalojadas pela incompetência administrativa, mães chorando em corredores de hospitais sem remédio, crianças subnutridas em escolas sem estrutura.

E, como sempre, o corrupto nunca passa fome. Ele segue bem alimentado, bem vestido, dormindo sob ar-condicionado enquanto os esquecidos do Brasil rastejam por migalhas. Se em O Quinze lançavam as tripas da cabra como esmola para os miseráveis que estavam morrendo de fome, hoje lançam promessas vazias, esmolas políticas e discursos mentirosos. O sistema permanece, apenas mudou o modo de agir.

A corrupção não é uma mera falha moral. Para muitos ela é uma sentença de morte, e as consequências de uma ação corrupta afetam milhares, ou milhões, de pessoas. Assim como Chico Bento e sua família foram dizimados pela seca e pela ganância, incontáveis brasileiros hoje seguem o mesmo destino. No sertão, nas comunidades, nas filas do SUS. A história se repete, e a pergunta que fica é: até quando? Até quando sofreremos essa triste realidade imposta pela ganância de pessoas sem moral e sem caráter?


*Wanderson R. Monteiro
Autor dos livros “Cosmovisão em Crise: A Importância do Conhecimento Teológico e Filosófico Para o Líder Cristão na Pós-Modernidade”, “Crônicas de Uma Sociedade em Crise”, “Atormentai os Meus Filhos”, e da série “Meditações de Um Lavrador”, composta por 7 livros.
Dr. Honoris Causa em Literatura e Dr. Honoris Causa em Jornalismo.
Bacharel em Teologia, graduando em Pedagogia.
Acadêmico correspondente da FEBACLA. Acadêmico fundador da AHBLA. Acadêmico imortal da AINTE.
Autor de 10 livros.
Vencedor de 4 prêmios literários. Coautor de 15 livros e 4 revistas.
(São Sebastião do Anta – MG)

 

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