“Não... deixa eu ver... também não... ah.. um!” Com a caneta de tinta azul, Luís confere os números em que tinha apostado na Mega-Sena [eram quase R$ 30 milhões naquele sorteio]. Ele acaba de perceber que acertou um.
Com os bilhetes nas mãos, numa manhã agitada no centro da Capital, Luís Jurandir, 65 anos, está sossegado sentado no banco da praça Ary Coelho aguardando que aqueles que passam pelo dito “coração” da cidade parem para "tirar" uma foto com ele.
Luís é um remanescente dos cada vez mais escassos fotógrafos de lambe-lambe – aquelas máquinas formadas por uma “caixa preta” posicionada sobre um tripé.
A cena de casais fazendo poses na praça mais famosa da Capital era corriqueira há seis décadas atrás, época em que Luís era um garotinho.
Como fotógrafo, são 34 anos de profissão, sempre no mesmo local. “É toda uma vida”, diz.
Hoje, cinco ou seis pessoas solicitam os serviços de Luís por dia. O número era muito maior, recorda. “Não dá ‘pra’ comparar, ‘né’?! Antes, ‘tinha’ os casais. Vinham sempre pedir fotos. Agora, com as máquinas digitais... Eu nem sei usar [comenta]... ficou difícil competir. Todo mundo tem uma. Hoje, quem me procura mais é quem quer tirar foto ‘pra’ documento.”
Calmo, Luís confere os bilhetes da Mega-Sena, acertou um número | Foto: Deurico/Capital News
Outra questão apontada é a falta de peças para o aparelho antigo. “Se quebrar... vixe... vou ter que ir em Goiânia [GO]. Me disseram que lá ainda tem. Por aqui, isso nem existe mais. Hoje em dia, as fotos dela já são coloridas, mas até isso tá ultrapassado. Hoje mesmo são só as digitais.”
Pai de seis filhos – todos homens – e avô de oito crianças (desta vez, tem menina), Luís sustentou a família com o dinheiro do lambe-lambe. “Como disse, é uma vida toda. Criei com o dinheiro daqui. Hoje, sou aposentado, mas o dinheiro ajuda sim. Aqui, na praça, ainda consigo tirar fotos. Menos, mas consigo.”
Luís comenta com saudades e, ao ser perguntado das mudanças no centro da cidade durante as três décadas e meia em que atua ali naquela região, ele lembra dos tempos de romantismo e “paradeira” da hoje agitada capital. “Lembro que era calmo. Lembro dos casais que vinham passear.”
Agora, poucos passeiam pela praça Ary Coelho. Quem coloca os pés ali são, em grande parte, pessoas com pressa demais – correndo para chegar no horário do trabalho – e tempo de menos para olhar para o lado e observar belas histórias. A constatação é de Luís e de quem para um instante apenas, só para conversar. È fato também que, durante os finais de semana, crianças brincam por ali e idosos caminham, mas, isto se repetia diariamente quando Campo Grande não era tão grande assim.
Ele lembra com saudades do tempo em que "tirava" muitas fotos, mas fica alegre em saber que na praça ainda há espaço | Foto: Deurico/Capital News
Parece mesmo que “os velhos tempos” são revividos por quem os presenciaram. Afinal, à tardezinha, homens de 50 anos a 80 anos são os famosos “velhinhos do dominó”. E, aí de quem chegar perto para querer entrar nas partidas. O grupo é seleto. E a palavra que mais se ouve ali por perto à tardinha é “bati”. Parabéns ao vencedor que fechou o jogo.
Porém
Se Campo Grande “caminha” apressada, como ainda existem trabalhadores como Luís? Que permanecem mesmo diante das inovações tecnológicas, que colocou na mão da grande maioria das pessoas – através de um celular – algo que era restrito a técnicos?
Quem caminha ou corre pela praça Ary Coelho encontra o antigo atual e relembra (ou descobre) partes da cultura da Cidade Morena.
Hoje, muitas pessoas procuram seus serviços para fotos de documentos; Luís está na praça há 34 anos | Foto: Deurico/Capital News
Fonte: Marcelo Eduardo - Redação Capital News