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Cultura Domingo, 07 de Julho de 2019, 11:57 - A | A

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Coluna Cultura

Governo mexicano divulga áudio com voz desconhecida de Frida Kahlo

Por Vinícius Mendes

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Fita foi descoberta dentro de um programa feito nos anos 1950 em homenagem ao pintor Diego Rivera; ainda não há 100% de certeza que a voz seja da artista

Getty Images

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O enigma sobre a voz da pintora mexicana Frida Kahlo começou a ser desvelado no mês passado: a Fonoteca Nacional do México tornou pública uma gravação em que a artista recita trechos de Retrato de Diego, um texto que ela escreveu em 1949 para seu esposo, o também pintor mexicano Diego Rivera.

Apesar da excitação, o governo mexicano pediu cautela, assegurando que, embora os estudiosos tenham confirmado se tratar da voz de Kahlo, ainda não há uma certeza absoluta. Apesar da fama mundial da pintora nos últimos anos, nunca se tinha ouvido a voz da artista até a gravação, apenas vídeos e fotos.

Nos dois minutos da gravação, Frida recita um poema em que descreve o físico e o intelecto de Rivera. "Es un niño grandote, inmenso, de cara amable y mirada triste. Sus ojos saltones, obscuros, inteligentísimos y grandes están difícilmente detenidos, casi fuera de las órbitas por párpados hinchados" (É uma criança grandona, imensa, de rosto amável e olhar triste. Seus olhos saltados, obscuros, inteligentíssimos e grandes estão dificilmente parados, quase sempre fora das órbitas por pálpebras inchadas").

A gravação é parte de um dos programas que o locutor mexicano Álvaro Gálvez y Fuentes, conhecido como "O Bacharel", produzido em 1956 para a TV do país -- ele era conhecido nos anos 1950 e 1960 por conseguir entrevistas exclusivas com personagens da cultura latino-americana, como Jorge Luis Borges e Alfonso Reyes. Famosa na Europa, algumas instituições do continente comemoraram o achado e disponibilizaram áudios com tradução simultânea das palavras de Frida.

A descoberta aconteceu em janeiro de 2019, quando o diretor da Fonoteca Nacional do México, Pável Granados, viajou à cidade de Huamantla, no estado de Tlaxcala, para encontrar um locutor que afirmava ter em mãos um áudio de Rivera cantando. Ao analisar o material, Granados se surpreendeu ao encontrar no meio da gravação uma voz feminina. Em certa parte do som, o próprio "Bacharel" surge anunciando Frida Kahlo.

Granados levou a fita para a Cidade do México para pesquisas mais profundas, como a análise de ondas de som, onde se descartou que a voz seja de uma locutora profissional, já que se escuta claramente que a mulher toma ar em vários momentos para respirar. Além disso, foi confirmado que a gravação foi feita com um aparelho portátil fora de um estúdio profissional de rádio. O programa de Fuentes teria ido ao ar anos depois da morte de Frida e pouco tempo antes de Rivera também morrer.

Outra etapa da pesquisa foi procurar pessoas que conheceram o casal e perguntar-lhes sobre a autenticidade da voz. Guadalupe Rivera Marín, filha de Diego Rivera, por exemplo, é uma das que reconhecem Frida Kahlo na gravação, apesar de Esteban Volkov, neto de León Trotsky, ainda afirmar estar desconfiado. O áudio era parte do acervo da Televisa, maior rede de televisão mexicana, e foi entregue à Fonoteca Nacional, que digitalizou o documento para preservar o som.

Granados explicou ao jornal El Universal que a instituição decidiu tornar o áudio público para que fosse possível encontrar mais pessoas que conheceram o casal e possam confirmar a veracidade da voz de Frida. Segundo ele, durante anos as petições de consulta mais solicitadas pelos mexicanos sobre registros de voz foram da pintora e do herói da Independência do México, Miguel Hidalgo y Costilla.

A gravação inteira encontrada em Huamantla é, na verdade, um programa de rádio em homenagem a Rivera, com relatos e testemunhos dos amigos e colegas do pintor. O ponto alto da produção, ao que parece, é o poema lido por Frida Kahlo, que termina dizendo: "Viéndolo desnudo se piensa inmediatamente en un niño rana, parado sobre las patas de atrás, sus hombros infantiles, angostos y redondos, terminan en unas manos maravillosas, pequeñas y de fino dibujo, sensibles y sutiles como antenas que comunican con el universo entero. Es asombroso que esas manos hayan servido para pintar tanto y trabajen todavía infatigablemente" ("Vendo-o nu se pensa imediatamente em um menino sapo, parado sobre as patas de trás, seus ombros infantis, estreitos e redondos, terminam em umas mãos maravilhosas, pequenas e de desenho fino, sensíveis e sutis como antenas que se comunicam com o universo inteiro. É assombroso que essas mãos tenham servido para pintar tanto e trabalhem infatigavelmente ainda").

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