O Pantanal sul-mato-grossense, reconhecido mundialmente por sua biodiversidade, enfrenta desafios cada vez maiores com o avanço das mudanças climáticas. Além dos ciclos naturais de cheia e seca, o bioma sofre com incêndios florestais cada vez mais intensos, impulsionados pelo aumento das temperaturas e a redução do volume de chuvas. Para compreender os impactos do fogo e estabelecer estratégias eficazes de prevenção, um grupo de pesquisadores da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) desenvolve um estudo de longo prazo no bioma.
A pesquisa, apoiada pelo Governo do Estado por meio do Imasul (Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul) e da Fundect (Fundação de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino, Ciência e Tecnologia), busca reunir dados sobre a regeneração da vegetação e a dinâmica ambiental após os incêndios. "O Pantanal é forjado no fogo, por isso tem resiliência a ele. Mas nosso estudo avalia o que realmente mudou após o fogo intenso dos últimos anos. Algumas áreas se recuperam em dois meses, enquanto outras levam muito mais tempo", explica o doutor em biologia e professor da UFMS, Geraldo Damasceno Júnior.
Desde 2021, os pesquisadores monitoram a vegetação do Pantanal para entender como o fogo e a inundação influenciam a estrutura dos ecossistemas. O estudo também avalia a eficácia do manejo integrado do fogo como estratégia para reduzir o risco de grandes incêndios. "A intenção é identificar a melhor época para fazer o manejo e qual o intervalo adequado para as queimadas controladas. No Cerrado, esse intervalo é de dois a três anos, mas no Pantanal ainda não temos uma definição clara", destaca Damasceno.
Seca prolongada aumenta risco de queimadas
As condições climáticas no Pantanal são cada vez mais preocupantes. Desde 2018, a estiagem tem se intensificado, tornando os períodos de seca mais longos e severos. Segundo o Cemtec (Centro de Monitoramento do Tempo e do Clima), o volume de chuvas entre novembro de 2024 e fevereiro de 2025 foi até 200 mm abaixo da média histórica em regiões como Porto Murtinho e Porto Esperança. No mesmo período do ano anterior, o déficit chegou a 400 mm.
"O ano de 2024 foi o mais crítico, mas as chuvas seguem irregulares e a tendência para os próximos meses é de precipitações abaixo da média", alerta a meteorologista e coordenadora do Cemtec, Valesca Fernandes.
O pesquisador da Embrapa Pantanal, Carlos Padovani, reforça que o bioma enfrenta um ciclo prolongado de seca, que não ocorria desde a década de 1960. "Estamos vendo menos inundações e secas mais extremas. Isso aumenta a frequência de ondas de calor e facilita a propagação do fogo. Esse ciclo seco é diferente do que vivemos entre 1970 e 2015, e ainda não sabemos quanto tempo ele vai durar", observa Padovani.
Manejo integrado do fogo é alternativa para reduzir grandes incêndios
Diante desse cenário, o uso controlado do fogo como técnica de manejo tem sido estudado como uma solução para evitar incêndios catastróficos. Além de pesquisas sobre o impacto das queimadas na flora e fauna, a UFMS desenvolve ações educativas e técnicas de queima prescrita para reduzir a biomassa acumulada, diminuindo a intensidade dos incêndios futuros.
"Trabalhamos nas áreas de campos inundáveis, que são as principais utilizadas como pasto. Estamos avaliando os efeitos do fogo na flora, nos répteis, aves e pequenos invertebrados. O objetivo é entender como a queima controlada pode ser aplicada de forma segura, sem prejudicar a biodiversidade", explica Damasceno.
Enquanto isso, o Corpo de Bombeiros Militar de Mato Grosso do Sul mantém bases avançadas no Pantanal para facilitar o combate aos incêndios em áreas remotas. Também são realizadas ações preventivas com fazendeiros, comunidades locais e visitas técnicas em propriedades rurais e parques estaduais.
A pesquisa em andamento reforça a necessidade de políticas públicas e estratégias eficazes para garantir a preservação do Pantanal, um dos biomas mais preservados do mundo, com 84% de sua vegetação nativa ainda intacta.