A recente aprovação da chamada Lei Larissa Manoela na Câmara dos Deputados reacendeu um debate fundamental sobre a administração dos bens conquistados por menores de idade. O projeto, inspirado no caso da atriz que revelou não ter controle sobre seu próprio patrimônio gerido pelos pais, propõe restringir o acesso dos responsáveis aos bens adquiridos por seus filhos.
No entanto, essa proposta levanta uma reflexão ainda mais profunda: o Brasil protege adequadamente seus jovens trabalhadores?
A discussão não se limita ao universo artístico. A realidade é que muitos jovens começam a trabalhar cedo, seja no meio digital, no esporte, na cultura ou até mesmo no setor formal da economia. No entanto, a legislação brasileira ainda engatinha quando o assunto é a proteção patrimonial e trabalhista dos menores.
Trabalho infantil, exploração e a falsa ideia de autonomia
O caso Larissa Manoela trouxe à tona uma prática comum no Brasil: o trabalho infantil travestido de oportunidade. É fácil romantizar histórias de crianças e adolescentes que, com talento e esforço, conquistam espaço no mercado e garantem a ascensão financeira da família.
Mas até que ponto essa ascensão não esconde uma forma de exploração?
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) estabelecem normas para o trabalho de menores de idade, como a figura do menor aprendiz (14 a 18 anos). Contudo, quando falamos de artistas, atletas ou influencers mirins, a legislação não oferece um modelo eficiente de fiscalização sobre o patrimônio gerado por esses jovens.
O que acontece, na prática, é que pais e responsáveis assumem o controle total dos valores recebidos pelos filhos. Muitos fazem uma administração correta, garantindo um futuro estável para eles. Mas há inúmeros casos – como o de Larissa – em que essa administração se transforma em abuso.
O Brasil já registrou outros casos emblemáticos de jovens artistas que, ao atingirem a maioridade, descobriram que seus ganhos foram dilapidados. Enquanto isso, a legislação trabalhista permanece inerte, sem oferecer um mecanismo que proteja esses jovens contra esse tipo de abuso.
A falha da legislação trabalhista na proteção do jovem trabalhador
Se um adulto pode reivindicar na Justiça do Trabalho o reconhecimento de vínculos empregatícios e direitos como FGTS e horas extras, por que um jovem que gera milhões de reais para empresas, clubes esportivos ou plataformas digitais não tem um controle mais rigoroso sobre seu patrimônio?
A legislação brasileira foca nas relações formais de emprego, mas não regula adequadamente o trabalho dos menores que atuam em setores informais e emergentes. A internet, por exemplo, criou um novo nicho de mercado, e hoje crianças e adolescentes monetizam conteúdos em redes sociais sem qualquer garantia de que os valores recebidos serão destinados a eles.
A Lei Larissa Manoela surge para tentar suprir essa lacuna, impondo limites ao acesso dos pais ao dinheiro de seus filhos. Mas será que ela será suficiente?
O que precisa mudar?
A solução passa por mecanismos mais rígidos de controle e fiscalização sobre o patrimônio de jovens trabalhadores, garantindo que seus direitos não sejam violados por empregadores ou pela própria família. Algumas sugestões incluem:
• Supervisão judicial obrigatória para ganhos de menores de idade que ultrapassem determinado valor, garantindo que parte do patrimônio seja obrigatoriamente preservada até a maioridade.
• Maior transparência na gestão financeira, exigindo que os responsáveis prestem contas regularmente sobre o uso dos recursos dos filhos.
• Educação financeira desde cedo, para que os jovens tenham conhecimento sobre o dinheiro que estão gerando e possam tomar decisões mais conscientes no futuro.
• Intervenção da Justiça do Trabalho e dos sindicatos, ampliando o escopo de proteção desses trabalhadores mirins e garantindo que não sejam prejudicados ao longo da vida.
O caso Larissa Manoela não é um sintoma de um problema maior. O Brasil precisa evoluir na proteção trabalhista e patrimonial dos jovens que ingressam no mercado de trabalho, principalmente nos novos formatos de atuação que surgiram com o avanço da tecnologia.
A Lei Larissa Manoela pode ser um primeiro passo, mas é preciso ir além. Se não houver mecanismos eficazes de fiscalização, continuaremos a ver histórias de talentos que trabalharam desde cedo, mas que, ao atingirem a idade adulta, descobrem que o fruto do seu esforço desapareceu.
• Se você ou alguém que conhece enfrenta uma situação de abuso patrimonial ou exploração no trabalho, consulte um advogado especializado em Direito Trabalhista para entender seus direitos e buscar justiça.
*André Theodoro Queiroz Souza
Advogado trabalhista, OAB MS 17017. Formado em direito pela UCDB e traz sua expertise como especialista em direito do trabalho e processos do trabalho. Ele também possui uma pós-graduação pela faculdade Damásio de Jesus e pelo Insted/Ematra, o que o torna um advogado excepcionalmente bem preparado para lidar com disputas trabalhistas complexas.
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