A Constituição de 1988 é a base da democracia brasileira. Nela estão estabelecidos os direitos fundamentais dos cidadãos e as diretrizes para o funcionamento do Estado. No entanto, ao longo dos anos, ela tem sido alvo de inúmeras alterações e interpretações que flexibilizam seus princípios, muitas vezes com impactos diretos sobre os servidores públicos.
Desde sua promulgação, em 1988, a Constituição já sofreu mais de 130 emendas, alterando significativamente dispositivos sobre previdência, tributos e administração pública. Muitas dessas mudanças foram necessárias para adaptar o texto constitucional às transformações econômicas, sociais e políticas do país. No entanto, é um número expressivo para um documento que deveria garantir estabilidade jurídica e institucional. Para efeito de comparação, a Constituição dos Estados Unidos, em vigor desde 1787, teve apenas 27 emendas em mais de dois séculos. A grande quantidade de alterações levanta um alerta: estamos aprimorando nossa Carta Magna ou tornando suas regras excessivamente voláteis?
A flexibilização constitucional ocorre de diversas formas. As emendas constitucionais são o meio formal e previsto para mudanças estruturais no texto, mas há outros mecanismos que, na prática, também modificam o alcance da Constituição. O Supremo Tribunal Federal (STF), por meio de decisões e interpretações, influencia diretamente a aplicação de artigos constitucionais, muitas vezes sem necessidade de emenda formal. A judicialização de temas políticos, por exemplo, vem crescendo no Brasil: em 2023, o STF julgou 12 ações diretas de inconstitucionalidade relacionadas a medidas do governo federal, um reflexo do protagonismo do Judiciário na definição de questões que deveriam ser resolvidas no Legislativo.
Outro fator de flexibilização ocorre por meio das reformas constitucionais promovidas pelo Congresso Nacional. Em 2019, a Reforma da Previdência alterou diversos dispositivos constitucionais para modificar o sistema previdenciário brasileiro. Embora tenha sido amplamente debatida, seu impacto foi sentido na redução de direitos adquiridos por diversas categorias de trabalhadores e afetou diretamente os servidores públicos ao impor novas regras de idade mínima, alíquotas de contribuição mais altas e mudanças no cálculo dos benefícios.
Nos últimos anos, a flexibilização constitucional também tem sido utilizada como ferramenta política para contornar regras fiscais e eleitorais. Em 2022, a PEC dos Benefícios, aprovada em meio ao período eleitoral, driblou regras fiscais da Constituição para liberar R$ 41,25 bilhões em auxílios sociais, demonstrando como a flexibilização pode, em alguns momentos, ser utilizada para atender interesses políticos imediatos. Já em 2023, a PEC da Transição autorizou a exclusão de despesas do teto de gastos, e flexibilizou ainda mais o arcabouço fiscal constitucional. Embora ambas tenham sido justificadas por necessidades emergenciais, abriram um precedente perigoso para o uso de PECs como meio de driblar regras fiscais sempre que houver conveniência política.
As mudanças constantes na Constituição também afetam as regras eleitorais. Desde 1988, o Brasil já passou por seis reformas eleitorais, alterando regras de financiamento de campanha, coligações partidárias e tempo de mandato. Em 2021, a minirreforma eleitoral trouxe mudanças significativas no processo de candidaturas, enquanto o Congresso discute novas alterações para o sistema de votação, reforçando a ideia de que a cada eleição, o jogo é jogado com novas regras.
No serviço público, essa instabilidade tem impacto direto. Regras previdenciárias já foram alteradas diversas vezes, assim como normas para contratação e estabilidade de servidores. Reformas como a PEC 32/2020 propõem mudanças significativas na administração pública, o que levanta a preocupação sobre a necessidade de um modelo constitucional mais sólido e previsível. Afinal, um texto que pode ser modificado constantemente não cumpre plenamente seu papel de oferecer diretrizes duradouras para o país. Além disso, em 2003, a Emenda Constitucional nº 41 reduziu os salários de servidores públicos ao impor um teto remuneratório, medida validada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) sob o argumento de ajuste às novas regras previdenciárias. Essa decisão, considerada uma afronta à irredutibilidade salarial garantida pela Constituição, evidenciou a fragilidade da Carta Magna frente a interesses políticos e econômicos.
A CNSP acredita que a flexibilização da Constituição é necessária para modernizar normas e acompanhar mudanças sociais e econômicas. Mas quando feita sem transparência, sem amplo debate e por interesses políticos imediatos, coloca em risco o equilíbrio institucional e a segurança jurídica do país. Para que a Constituição continue sendo um pilar da democracia, cabe a nós, como sociedade, acompanhar, questionar e exigir que mudanças respeitem os princípios fundamentais da nossa Carta Magna.
*Antonio Tuccilio
Presidente da Confederação Nacional dos Servidores Públicos
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