“O senhor não deve nada à Justiça!”, proclamou William Bonner na abertura da entrevista, após resumir a sequência de decisões com que o STF restaurara os direitos políticos do ex-presidente Lula. A afirmação me fez lembrar algo que ouvira de um experiente professor de Direito: “Inocentes buscam evidenciar sua inocência; a nulidade processual é o primeiro e o último recurso dos culpados”.
Aquele episódio projetou uma noite sem alvorada, com o Brasil nas trevas em que ainda hoje se encontra. É claro que muita coisa acontecera antes e aconteceria depois, mas a entrevista com Lula na Globo, às vésperas do primeiro turno da eleição de 2022, teve poderoso efeito ilustrativo para marcar o que estava em curso no país.
O velho jornalismo brasileiro vive de silêncios constrangedores. Seu prestígio e boa parte de sua receita vem do muito que não diz. Nem mesmo o refinado apuro tecnológico consegue esconder nele a alma enferrujada do Granma, jornal diário do oficialismo cubano que, em 65 anos de revolução, jamais produziu uma edição sequer que causasse desprazer ao regime. A sensibilidade do nosso periodismo ancião perante os problemas brasileiros se resume em perceber quem manda e quem paga.
Dentro de poucas semanas, o Congresso Nacional renovará seus quadros dirigentes. Limparão suas gavetas Arthur Lira e Rodrigo Pacheco, dois omissos de carteirinha, em cujas mãos Câmara e Senado se apequenaram subservientes aos useiros e vezeiros do abuso. Seus discursos de despedida reproduzirão a prolongada rotina dos silêncios seletivos e permissivos. De vigoroso, em seus mandatos, apenas o zelo pelos próprios interesses e a inimizade das duas casas legislativas com a opinião pública e a representação que lhes corresponde. Nenhum passo fora da fúnebre marcha da democracia para o abismo autoritário.
Sob silêncio da provecta imprensa, em breve, tudo mudará sem que nada mude. Rodrigo Pacheco será substituído por Davi Alcolumbre e Arthur Lira transferirá o cargo para Hugo Motta como resultado de costuras e pespontes promovidos pelo que há de mais seleto na condução dos destinos da pátria. Nem toda unanimidade é burra; algumas são, mesmo, muito espertas.
De omissos e negocistas, de tutores e mentirosos crônicos estamos fartos! Como posso esperar algo do Alcolumbre que retorna, se Pacheco o sucedeu na presidência do Senado como um Alcolumbre esticado e engomado? Como posso ver de modo positivo alguém que, egresso do anonimato paraibano, é apresentado ao país congregando em torno de si apoio do governo, da oposição e do centrão, do PL e do PT? Bastaria o apoio de Lira para o descredenciar! Pelo jeito, ambos estão eleitos. Seguir-se-ão os aplausos. Haverá medalhas para todo mundo. Sem a lucidez de Pirro, a mídia avoenga registrará as vitórias.
Na prolongada noite da liberdade e da democracia, não mais de uma centena de bravos congressistas resistirá às ameaças e prosseguirá empenhada em retificar um estado de direito que anda para lá de esquerdo e torto. É nossa inspiração. Que Deus proteja, ilumine e guie os passos desses nossos representantes.
*Percival Puggina (79)
Arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.
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