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ENTREVISTA Quinta-feira, 04 de Março de 2010, 10:12 - A | A

Quinta-feira, 04 de Março de 2010, 10h:12 - A | A

Presidente do CRF-MS diz que nova resolução da Anvisa quer \"devolver caráter de estabelecimento de saúde\" às drogarias

Marcelo Eduardo - Capital News

O Capital News acompanha as mudanças que afetam drogarias e farmacêuticos após a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) publicar resoluções obrigando aqueles estabelecimentos a não mais venderem produtos que não sejam medicamentos ou relacionados à saúde e higiene pessoal, além de exigir outras modificações.

Na tentativa de responder algumas dúvidas que ainda possam existir, nossa equipe de reportagem conversou com o presidente do Conselho Regional de Farmácia de Mato Grosso do Sul (CRF-MS), Ronaldo Abrão.

O CRF é entidade criada para zelar pela observância dos princípios da ética e da disciplina da classe dos que exercem atividades profissionais farmacêuticas.

Ronaldo conversou sobre a nova resolução e a disputa entre o Conselho e as grandes redes de drogarias para tentar derrubá-la e outros assuntos, como: a chamada “lei antigarrancho” – que médicos a prescreverem receitas legíveis – e a questão da rastreabilidade de remédios para evitar roubos e falsificações.

Confira a entrevista

Capital News: Como o Conselho Regional de Farmácia recebeu as decisões judiciais que garantiram liminares às grandes redes de drogarias a comercializarem “produtos alheios”, como bolachas, sorvetes, prestação de serviços bancários?

Ronaldo Abrão: A Anvisa editou a resolução número 44 e publicou em 18 de agosto de 2009, após ter feito uma consulta pública em 2006. A partir de aí, já estava valendo para todo o território nacional. No entanto, como dependiam alguns termos de as farmácias se transformarem [modificarem suas estruturas físicas], foi dado um prazo de seis meses para que elas fizessem isso. Para que elas retirassem os medicamentos das gôndolas, que fizessem um ambiente próprio para o farmacêutico atender às pessoas, para que elas mudassem este sistema de conveniência.

Mas, existe uma série de fatores que esta resolução traz. A gente está dando importância muito para os problemas e estamos esquecendo que, hoje, o farmacêutico pode auferir pressão. Pode dosar a glicose através de punção capilar [retirar sangue com agulha do dedo de paciente diabético, para medir a taxa presente no organismo].

Por exemplo, o paciente vai ao médico, aí vai à farmácia comprar seu medicamento e o profissional pode fazer aquilo que a gente chama de atenção farmacêutica. Ele pode medir, por exemplo, medir a pressão. Ele pode ‘convencer’ o paciente a tomar o medicamento. Porque, às vezes, o paciente não está disposto a tomar o medicamento. Por exemplo, quanto à hipertensão; ela não tem cura e muitas vezes o paciente não quer tomar o remédio e ele tem que tomar a vida inteira porque não tem cura, mas tem controle.

A partir daí, o paciente pode tomar o remédio e voltar periodicamente na farmácia para medira a pressão para ver se o medicamento está ou não fazendo efeito. Não está fazendo efeito? O farmacêutico não pode interromper o tratamento, mas pode orientar o paciente como ir ao médico [repassando informações de como está sua saúde].

Tudo o que o farmacêutico fizer de dosagem de glicose, aferição de pressão, qualquer serviço que ele prestar tem que ser dado em forma de relatório ao paciente. É obrigatório. É um documento com o carimbo do farmacêutico, com o nome da farmácia. Ou seja, com toda a identificação do estabelecimento, do profissional e do serviço que foi prestado. Isso, em duas vias, o paciente fica com uma e a farmácia com outra e fica guardado por cinco anos.

O doente, a primeira pessoa que ele procura é o farmacêutico. E é a última pessoa que ele vai ver antes de comprar o remédio. Então, “nós estamos nas duas pontas”.

Outro serviço para a população: a farmácia, hoje, pode recolher medicamento vencido e encaminhar para a vigilância sanitária. E isso ainda tem que ser disciplinado pelas vigilâncias locais.

Capital News: Mas, quais os pontos negativos destas discussões a respeito da nova resolução?

Ronaldo Abrão: O único ponto negativo que tem são as redes que estão tentando lutar. A resolução é fantástica. Ela vem, depois de um debate muito longo. E, às vezes, as pessoas não entendem. Vi um comentário, num canal de TV – não vou falar o nome –, em que o comentarista – até renomado – disse assim: “A Anvisa pensa que os cidadãos são bobos. Que são ignorantes.”

E, eu digo o seguinte: O cidadão é um ignorante.

Ele não sabe o que significa um medicamento. Ignorante, no sentido não de um xingamento. Mas, no sentido que significa ignorar sobre aquele assunto.

O medicamento é droga. De qualquer forma, ele causa efeito colateral.

Se mal utilizado, se não causar intoxicação imediata, pode causar uma intoxicação ao longo de anos.

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Para Ronaldo, muitos benefícios foram trazidos pela nova resolução da Anvisa, como a oportunidade do farmacêutico prestar serviços como aferição de pressão, por exemplo
Foto: Deurico/Capital News

Capital News: Que pontos são mais polêmicos?

Ronaldo Abrão: Existem dois pontos polêmicos nesta resolução, que são as instruções normativas nove e dez.

O primeiro, fala sobre o medicamento ao alcance do cidadão – que foi retirado. Parece uma facilidade você chegar numa farmácia e pegar um medicamento para dor de cabeça, mas, veja bem... um Paracetamol, que não precisa de prescrição médica nenhuma, é de venda livre, se você estiver alcoolizado, corre o risco de morrer. E você pode comprar ele quando estiver atrás do balcão, é só pedir para o farmacêutico, não é proibição da venda. Então, tem que ter alguém experiente para te indicar o melhor.

Se você vai comprar um antibiótico e pega um antiácido, você vai destruir a ação deste antibiótico.

Então, não é supervalorizar o profissional. É para que ele proteja o cidadão.

Qual o problema de você pedir no balcão? Nenhum. Porque continua sendo permitida a venda. Mas, agora, tem a proteção de um especialista.

A outra coisa, o segundo ponto, é que o Ministério da Saúde, a Anvisa, o Conselho Federal e os Conselhos Regionais de Farmácia estão tentando fazer é devolver estes ambientes, um caráter de estabelecimento de saúde. Como que você vai querer comprar carvão, ração de cachorro, Coca-Cola [nestes estabelecimentos]? Isso não é ambiente para isso. Existe o supermercado. E o supermercado não pode vender medicamento, porque, exatamente, tem as coisas dele.

Capital News: Mas, e se , por exemplo, um proprietário repartisse o estabelecimento em dois – com parede mesmo – e comercializasse num ambiente medicamento e noutro produtos alheios?

Ronaldo Abrão: O BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social] tem uma estatística sobre estes produtos alheios em farmácia. E diz o seguinte, que 80% das pessoas que entraram na farmácia para comprar um cartão telefônico saem de lá levando outro produto. Esse outro produto, a gente entende que pode ser um medicamento. Então, você vai levar um medicamento de que não precisa, que não queria levar e, para quê? Para te intoxicar?

Estava em Brasília e conversei com o conselheiro regional de São Paulo. Ele me disse que estava numa farmácia e comprou um anti-inflamatório, chegou ao caixa para pagar e o caixa disse para ele assim: “O senhor não quer levar uma vitamina que está na promoção?”

Ou seja, é o que a gente chama, até homoristicamente, de “empurroterapia”. Ele está empurrando para você o que você não quer levar. E os “empurroterapeutas” são muito experientes e vendem mesmo, acabam convencendo.

Capital News: Mas, e com relação às liminares que foram concedidas e permitiriam às farmácias continuarem a venda de produtos alheios?

Ronaldo Abrão: Temos dois grupos bem distintos. Um que continua querendo ganhar dinheiro. Outro que quer proteger a população. Quando você tem um grupo que quer proteger a população e outro que quer burlar esta proteção, alguma coisa está errada.

Na verdade, não é uma liminar, é uma antecipação de tutela. Foi dada por um juiz substituto da quinta vara do Distrito Federal para a Abrafarma – que alcança algumas farmácias daqui do Estado – em primeira instância e, a tendência, é cair quando o mérito for julgado.

Nós do Conselho Regional de Farmácia de Mato Grosso do Sul somos atingidos por essa “liminar”. Mas, se eu quiser entrar juridicamente para derrubá-la, eu não posso porque não é a minha região, que é São Paulo [Tribunal Regional Federal da Terceira Região, que engloba os Estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul].

Então, entendemos – e nosso departamento jurídico nos orientou para isso – que, como somos afetados, mas não podemos lutar contra, não temos que receber essa ordem. Nós só vamos receber quando o Estado de São Paulo [TRF3] se manifestar ordenando para que a gente obedeça.

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  Os dois principais pontos da resolução são o que proíbe a venda de produtos alheios e o que obriga a colocar medicamentos atrás do balcão, segundo Ronaldo
Foto: Deurico/Capital News

Capital News: Então, essa liminar ou antecipação de tutela, está sendo considerada inválida pelo CRF em Mato Grosso do Sul?

Ronaldo Abrão: O juiz autorizou o descumprimento temporário dos dois itens, nove e dez. o resto, continua valendo. Mas, como a gente não tem nada definido pelo TRF3, vamos continuar fiscalizando. E essa fiscalização é diária, não para, é sábado e domingo também. À noite e feriados.

Só que não temos poder de Polícia, de chegar e fechar o estabelecimento ou apreender a mercadoria. Por isso, fizemos parceria com as Vigilâncias Sanitárias do Estado e do Município de Campo Grande e estamos tentando ver de outros municípios se conseguimos a mesma parceria.

Nós os informamos, através de representação, onde é que estão os pontos em desacordo com a resolução.

Estamos fazendo um levantamento e devemos entregar em breve.

Capital News: Sobre questão da proibição dos médicos oferecem o vale desconto de remédios aos pacientes. Como isso foi recebido pelos farmacêuticos a decisão do Conselho Federal de Medicina?

Ronaldo Abrão: Nós comungamos com o Conselho de Medicina porque o médico não tem que fazer propaganda de medicamento. Ele tem que prescrever o tratamento. A gente não tem prova, mas, acabam ganhando com isso. Então, quando indica um produto que ganha com ele, deixa de ser sério.

Mas, é uma coisa que não afeta nosso conselho. Mas, se agente receber uma denúncia de que o farmacêutico está fornecendo para a indústria o que a gente chama de captação de receita – quando ele pega a recita de médicos e manda para a fábrica falando que aquele médico está administrando o remédio e que, portanto, pode fabricar mais porque vai vender –, a gente vai atrás. Mas, nunca a gente consegue comprovar. Tudo precisa de provas. A gente sabe que tem, mas, não conseguimos provar ainda.

Não somos órgão de farmacêutico, somos órgão da população. O que a gente faz é com que o farmacêutico possa cumprir com o código de ética da profissão.

Capital News: Conte um pouco sobre como funciona a lei para “acabar com garranchos” nas receitas médicas. Ela está sendo aplicada de fato em Mato Grosso do Sul? Como os farmacêuticos atuam ou devem atuar quando encontram uma receita ilegível?

Ronaldo Abrão: Isso é um absurdo. Já morreu gente por causa disso. Existe uma lei estadual, da deputada Celina Jallad, que proíbe a emissão de receitas à caneta. Só pode ser impresso pelo computador. Essa lei “não pegou” e “não vai pegar” enquanto existir multa para quem fizer isso.

Existe uma resolução do Conselho Federal de Farmácia que proíbe o farmacêutico de vender um medicamento se ele não entender a letra do médico.

Ele tem que comunicar o médico. Ligar para ele e perguntar até não existir dúvidas. Se existir, não pode vender.

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"Garrancho de médico", já causou morte, conta presidente do CRF-MS
Foto: Deurico/Capital News

Capital News: A partir de março, a Casa da Moeda do Brasil e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) começam a implantar o selo de rastreabilidade de medicamentos. A ideia é coibir, principalmente, a falsificação. Isso é uma boa medida?

Ronaldo Abrão: A embalagem já tem uma série de itens de segurança. Hoje, a indústria do crime está mudando da droga para o medicamento. Porque não tem tanto risco para eles. As seguradoras não querem mais fazer seguro de caminhões que transportam medicamentos. Hoje, eles são os mais assaltados.

Além disso, tem a questão da fiscalização. Porque, por exemplo, tem gente que compra no Estado de São Paulo, em que o imposto é menor e coloca escondido no caminhão e vem para cá numa temperatura inadequado e o remédio perde o efeito. Então, apesar de ser de origem licita, vindo da indústria, perde o efeito.

Então, a Anvisa quer ter uma forma de rastrear para chegar em cargas roubadas e em farmácias que burlam o fisco, por exemplo.

Mas, toda caixinha tem um selo, que se raspas e tem que aparecer a palavra qualidade e o nome da indústria.

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Fracionamento de remédios ainda "não pegou" e só vai 'pegar" quando o governo aplicar multa, acredita
Foto: Deurico/Capital News

Capital News: E quanto às questões envolvendo o medicamento fracionado? Teve algum avanço nisso?

Ronaldo Abrão: Fracionamento não pegou ainda porque o farmacêutico não pode pegar uma caixinha, abrir e cortar com a tesoura. A indústria tem que construir embalagem fracionada.

Ou seja, se produzir uma caixa com 60 comprimidos e você quiser um só, ele tem que ter – somente nele – um envelopinho contendo uma bula e os dados da indústria e a data de validade.

Isso porque é para você não chegar em casa e olhar aquele comprimido branco e perguntar: “O que eu faço com isso?”

As farmácias não podem fracionar. Por que a indústria não fabrica? Porque a farmácia não compra. Por que a farmácia não compra? Porque a indústria não produz. Quem tem que mandar nisso? O governo. Tem que mandar ser obrigatório o fracionamento de alguns tipos de medicamentos.

A partir daí, a farmácia tem que se adequar também.

Benefício disso é, por exemplo, se você for fazer um tratamento de sete dias com 3comprimidos por dia, são 21 comprimidos. Mas, você tem que comprar 30. Com o fracionado, não dá. Aí, fica aquela farmacinha em casa. E a indústria faz isso mesmo.

Capital News: Fale um pouco sobre o simpósio Virtual de Farmácia?

Ronaldo Abrão: Todos os anos a gente faz a comemoração do Dia do Farmacêutico, que é em 20 de janeiro. Esse ano, a gente deixou um pouquinho para depois porque neste período estão todos viajando, de férias. Então, um mês depois, dia 20 de fevereiro, fizemos um jantar no Círculo Militar.

Mas, só isso não basta. Então, a gente monta um simpósio para mostrar para a sociedade qual o papel do farmacêutico e promover uma educação continuada para o profissional.

Capital News: Há alguns meses, a Santa Casa da Capital passou por uma greve de enfermeiros. Teve algo parecido envolvendo a categoria dos farmacêuticos que teria prejudicado o atendimento à população em outras circunstâncias.

Ronaldo Abrão: Se houver dentro de um movimento prejuízo ao cidadão, aí, passa a ser um problema ético.

Se, por exemplo, o sindicato instituiu um piso salarial para o farmacêutico e ele descumpre este piso, existe um item no código de ética dizendo que ele não pode receber um salário menor do que o reivindicado pela categoria. Então, torna-se um problema ético e ele recebe do conselho um processo ético.

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Entrevista foi concedida na sede do CRF-MS
Foto: Deurico/Capital News

Capital News: Mediante nossa conversa, o que o senhor acredita serem os maiores desafios da profissão hoje? Existe alguma mensagem que queira deixar para o nosso leitor?

Ronaldo Abrão: O maior desafio do Conselho Regional de Farmácia é defender de quem não quer ser defendido, o próprio farmacêutico, inclusive. A gente luta para que a profissão e cresça e, às vezes, não tem dentro da própria categoria o reconhecimento disso. Da população, a gente até entende, porque o povo é leigo, não sabe o risco que corre e temos que ir ajudando na educação.

Lançamos a Campanha pela Farmácia Ética e Legal. O objetivo principal é informar a população sobre os benefícios de uma farmácia assim.

O que a gente quer deixar para a população, para os farmacêuticos e para os proprietários de farmácias é que não adianta lutar contra as legislações porque o Brasil está sendo passado a limpo. O Brasil está mudando.

Por: Marcelo Eduardo – (www.capitalnews.com.br)

 

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