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Dr. Fabio Trad Segunda-feira, 19 de Abril de 2010, 13:00 - A | A

Segunda-feira, 19 de Abril de 2010, 13h:00 - A | A

Dos Índios e para os Índios

Dr. Fábio Trad

Dos Índios e para os Índios

A escravidão índia, outrora desabrida com os recursos do aparato sádico da força bruta, hoje se traveste com requintes mais sutis, mas nem por isso menos cruéis.

Culturalmente amordaçado, o índio vive a pior das vidas; não é visto, não é ouvido, não é lembrado.

Gerações foram criminosamente adestradas a conceber o índio sob a ótica do folclore e da lenda, passo decisivo para a sua estigmatização social; um ser diferente do homem “civilizado”, que canta e se veste diferente de nós outros, que pinta o corpo e lança flechas, dança ritmos estranhos, vivendo assim despretensiosamente sem preocupar-se com os ingredientes que nos distinguem: SUA MATEMÁTICA NÃO É CONTÁBIL; SEUS LUCROS NÃO SÃO MATERIAIS; SUAS MÚSICAS NÃO BUSCAM AUDIÊNCIAS; SUAS PRECES NÃO NEGOCIAM O PERDÃO; SUA FILOSOFIA SE FAZ COM ÁGUA, TERRA, URUCUM, MANDIOCA, IGUALDADE E AMOR À VIDA.

Séculos de racionalismo embotado nos fizeram crer que mais evoluído é aquele que domina a tecnologia da morte ao que propaga a cultura da vida. Homens tecnologicamente superiores, portanto titulares da dominação de culturas e povos. Neste contexto, o índio é escravo da morte, mesmo sendo propagandista da vida.

Sugerem a vida, até mesmo quando se enforcam nas árvores. Recusam-se a crer que a divindade lhes presentearia com a escravidão do desprezo de seus irmãos brancos. Matam-se para viver de outro modo. Recusam a escravidão do desaparecimento da vida em vida. Olham para frente e não vêem futuro. Olham para os lados, pobreza, indigência, miséria, confinamento, exploração, fome, alcoolismo, desemprego, aculturamento, prostituição, preconceito. Olham para trás e recordam, pela oralidade de sua história, tempos idos em que índio era gente, pois toda gente tem o direito de viver. Não vivem, por isso se matam, mas se matam para viver de outro modo.

Nós, brancos irascíveis e embrutecidos, preocupados com o umbigo de uma civilização decadente e assassina, aprendiz da guerra, apologista da insensibilidade ao próximo, precisamos educar nossos espíritos para aprender com os índios que a vida é a imanência da natureza e portanto não vale a pena ser vivida a não ser com paz, liberdade e justiça.

Índios choram todos os dias suas Izabella Nardoni! Seus prédios são árvores. Quem são os seus assassinos ? Por que choramos a nossa Izabella e ignoramos a Izabella dos índios? Por que sequer estranhamos o fato de ÍNDIOS CRIANÇAS, ADOLESCENTES COMETEREM SUICÍDIO ? CRIANÇAS CEIFANDO A VIDA DE TANTA TRISTEZA...

A que ponto chegamos: insensibilidade que nos remete aos primódios da animalidade irracional.

Ora, se já conseguimos equacionar problemas tão graves e complexos: curas de doenças, fissão nuclear, nanotecnologia, cibernética quântica, por que não curamos doenças morais ?

Ser índio não é ser contra ninguém. É ser a favor da dignidade da pessoa humana. Esta dívida histórica tem que ser paga com urgência. Cabe àqueles que tem esperança de estancar este processo genocida a tarefa de levantar o povo e despertar a consciência cívica da nação. A omissão será cobrada pela história de forma implacável.

Vanderleia Mussi, estudiosa da causa indígena, indaga: “mas como pagar essa dívida? Que princípio é este que em nome da chamada diversidade cultural é construído com base em um discurso que resulta no processo subreptício e perverso em que os diferentes são convidados, em nome de um projeto democrático de feitio liberal, a se esvaziarem de toda identidade racial ou étnica, apaziguando e recompondo suas diferenças?”

Penso que esta pergunta deve ser respondida sob o pressuposto de que o índio não pode se deixar levar pela estratégia suicida da multiplicação de inimigos de sua causa, razão por que invadir propriedades adquiridas legalmente sob o argumento de que as terras lhes pertencem desde os seus antepassados só alimentará o processo de exclusão social. O direito de propriedade é a base do sistema econômico. Ameaçá-lo, violá-lo, transgredi-lo é o caminho mais curto para deslegitimar a luta do índio.

Certo, o índio faz jus à terra, mas este direito não pode ser efetivado com o sacrifício do direito de propriedade. A União precisa enfrentar este problema com responsabilidade, imparcialidade e urgência. Ela, a União, tem recursos para isso. Só não faz porque os agentes que circunstancialmente a representam ainda estão presos a ideologias decrépitas que não se simpatizam com os proprietários rurais.

É possível sim harmonizar os interesses e os direitos dos índios e dos proprietários rurais. Basta que a União aja com Justiça, respeitando os direitos dos índios e o direito de propriedade dos produtores rurais que, por estarem na legalidade, devem, no mínimo, ser indenizados com dignidade e respeito.

Portanto, na semana em que se comemora o dia do Índio, celebremos a Justiça como a única chave capaz de destrancar as janelas que nos impedem de ver um Brasil que respeite a propriedade de todos: brancos, negros e índios.

Por Fábio Trad: Advogado, Professor Universitário e ex-Presidente da OAB-MS (2007-09).
 

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