Impossível não se sensibilizar com a desagregação social encontrada nas aldeias, em especial as que compõem as reservas situadas no entorno de Dourados. Fatores como miséria, desnutrição, violência, prostituição e consumo de drogas estão desestruturando as comunidades e dissolvendo os núcleos familiares indígenas.
Essa é uma realidade equiparada à encontrada nas grandes cidades brasileiras (e já não somente nas grandes) e que como todo problema social precisa ser analisada com seriedade e sem apriorismos ou paixões. É comum que as matérias apresentadas pela mídia façam referência, direta ou indireta, sobre as condições dos indígenas serem geradas pela falta de terras, terras essas que lhes teriam sido subtraídas em um passado recente. A argumentação de órgãos como Fundação Nacional do Índio (Funai) para a condição indígena do Estado também segue na mesma linha e se resume à concessão de território, justificando desse modo a falta de estrutura e perspectiva dessas populações.
É certo que as comunidades indígenas precisam de uma área que lhes dê condições dignas de sobreviver e manter sua cultura, mas atribuir os graves problemas enfrentados por essas etnias à falta de terra, responsabilizando terceiros por uma suposta apropriação indébita, é tirar o foco do problema e justificar a inoperância do poder público. Uma conclusão simplista para um problema que é social e como tal deve ser tratado. O estado assume apenas ações assistencialistas ao invés de desenvolver projetos contínuos e integrados visando dar perspectivas aos indígenas, encurralados em uma aculturação forçada que lhes tira a identidade indígena e, por outro lado, não lhes dá oportunidades em nossa sociedade.
Será que mais chão vai dar ao indígena de Mato Grosso do Sul a dignidade que a falta de estrutura sanitária, de atendimento em saúde, de capacitação técnica e até mesmo os investimentos necessários para o cultivo dessas áreas lhes tira? Mesmo considerando a cultura geral do índio da caça e pesca e a necessidade de grandes áreas para subsistência, sabemos que a sobrevivência dessas comunidades precariamente integradas a nossa sociedade e à realidade sócio-econômica de Mato Grosso do Sul não mais se mantém com essas atividades. Os exemplos que temos no Estado evidenciam que para a sobrevivência digna e o desenvolvimento dos grupos indígenas na condição de contato com a cultura urbana é necessário oferecer mais do que a possibilidade de trabalho braçal. O que requer a presença de órgãos capacitados e a implementação de técnicas atualizadas de produção.
Por isso, a necessidade de ampliar áreas indígenas deve ser avaliada a partir de critérios técnicos e não é justo que nem o preço financeiro nem o moral sejam depositados na conta do produtor rural. Não há terras devolutas no Estado e as propriedades rurais aqui situadas estão legalmente certificadas em sua origem. Se verificada a necessidade de áreas maiores, é preciso que se respeite o direito de propriedade dessas áreas.
Necessário é que se observe o aspecto econômico da situação. A ação de expropriação de terras consideradas indígenas – que não implica em indenização – envolve uma área de 12 milhões de hectares em 26 municípios de onde sai 65% da soja produzida no Estado e inúmeros empreendimentos em andamento. Não sabemos qual a pretensão da Funai nesta área, o que reforça o clima de insegurança jurídica para novos investimentos. O Brasil tem 112 milhões de hectares destinados às reservas indígenas, cerca de 13% do território nacional. Demarcar mais áreas para indígenas em terras regulares aumenta a insegurança e não resolve a questão desses povos, que carecem de estrutura, capacitação e acompanhamento, ou seja, de políticas públicas indigenistas sustentáveis.
A responsabilidade pela mudança na condição das populações indígenas é do poder público. E ao mesmo tempo em que o governo deve pensar em alternativas para acomodar essas comunidades, a mídia precisa sair da superficialidade na abordagem desta questão, sob o risco de formar opinião a partir de conceitos imprecisos e inconsistentes.
E voltando ao cenário de degradação encontrado hoje nas aldeias e sua relação com os ambientes urbanos, não se atribuem problemas como prostituição e consumo de drogas encontrados nas periferias a um único fator, mas a um conjunto de condições que gera essa desestrutura social. Obviamente que a cultura indígena tem suas especificidades - e dentro dela as particularidades de cada etnia – as quais precisam ser respeitadas, mas tratando-se de necessidades tão elementares os indígenas estão na mesma condição do que qualquer outro cidadão desassistido pelo Estado. E como qualquer outro cidadão nesta condição, tem o direito de ter a proteção que compete ao poder público.
Eduardo Corrêa Riedel é produtor rural, biólogo (UFRJ), mestre em Melhoramento Genético Animal (UNESP), MBA em Gestão Empresarial (FGV) e presidente da Federação da Agricultura e Pecuária de MS (Famasul) e do Conselho Deliberativo do Sebrae/MS.