O penhor dessa igualdade conseguimos conquistar com braços livres...
No calor dos debates eleitorais, entre as proposta de campanha e as costumeiras acusações entre os candidatos, um aspecto não pode passar despercebido à sociedade brasileira: as referências que indicam posicionamentos contrários à liberdade de imprensa. Quando interesses particulares de integrantes do alto escalão do Executivo Federal aparecem de modo tão veementemente misturados aos projetos públicos, a repetida menção ao ‘excesso’ de liberdade da mídia mais parece uma intimidação ao meios que garantem o fluxo de informação ao cidadão brasileiro.
Mesmo respeitando o direito de livre expressão estendido aos líderes políticos federais, as insinuações de autoridade em relação aos veículos de comunicação indicam uma advertência à liberdade de manifestação, a qual nenhum setor pode ficar indiferente. Porque a informação é um direito comum, o que faz da liberdade de imprensa uma condição que não diz respeito só à imprensa, mas a toda a sociedade.
O papel da imprensa na estrutura das sociedades democráticas pode ser definido pela expressão ‘quarto poder’ na relação desta com os três poderes oficialmente constituídos. Na engrenagem democrática, temos o Executivo como gestor da máquina administrativa, o Legislativo propondo as leis ou os limites do Executivo e o Judiciário como a instância que interpreta a legislação e sua aplicação prática.
Nesse contexto, a imprensa tem papel fundamental a partir de sua função de informar à sociedade possíveis desvios das proposições dos agentes dessa estrutura, em especial do Executivo, que por sua natureza humana muitas vezes sucumbem às seduções ilícitas do poder e da corrupção. Por meio da evidência de fatos, a imprensa não só alerta o cidadão como provoca a atuação dos demais poderes constituídos na restituição da conduta ética esperada de cada um dos partícipes da estrutura que garante a democracia.
Cercear essa expressão é censurar o mais importante canal de transparência dos processos democráticos. Obviamente, a atuação da imprensa a qual nos referimos não se coaduna com os excessos que desrespeitam os direitos e garantias individuais do cidadão, tais como a presunção de inocência até a comprovação dos fatos. No caso da atuação recente da imprensa nacional, porém, as repercussões dos fatos – leiam-se renúncias e exonerações no alto escalão – dão crédito ao que foi noticiado, afastando a imprensa da acusação de atuação leviana.
A liberdade a que nos referimos aqui também não pode ser colocada em risco mesmo que este ou aquele veículo assuma posturas contrárias à livre expressão, quando essa lhe desfavorece. Pelo contrário, situações como essas só tornam-se públicas, permitindo o posicionamento da sociedade, por meio da livre expressão da mídia. Importante trazer à memória que os atuais agentes do Executivo Federal sempre se valeram da imprensa quando na oposição, aliando-se aos mesmos espaços então considerados democráticos. Agora, do outro lado do balcão do poder, acusam a mídia de se comportar como partido político, um discurso cada vez mais presente no cenário latino-americano que nos remete ao risco do totalitarismo e da censura.
Se não há democracia sem liberdade de expressão, limitar a liberdade de expressão é por em risco a democracia. Segundo relatório concluído recentemente pela Associação Nacional de Jornais (ANJ), a imprensa brasileira teve 70 casos de atentados contra a liberdade de informação nos últimos dois anos. O levantamento inclui restrições como censuras, ameaças, agressões e outras pressões exercidas contra os profissionais do setor no período de agosto de 2008 a setembro de 2010.
Movimentos que podem indicar o cerceamento oficial à livre expressão no Brasil já podem ser percebidos. O ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, Franklin Martins, viaja ao exterior para conhecer modelos de regulação da mídia na Europa. O Governo Federal organiza para novembro o Seminário Internacional Marco Regulatório da Radiodifusão, Comunicação Social e Telecomunicação, no qual espera reunir especialistas internacionais visando embasar uma proposta de regulação da mídia que o Planalto deverá remeter ainda este ano ao Congresso Nacional.
Neste momento decisivo para o País, quando é preciso pensar com maior seriedade o futuro brasileiro, nunca é demais lembrar que não há país democrático sem uma imprensa livre. E que eventuais dissonâncias entre os poderes políticos constituídos e a mídia são salutares a partir de uma liberdade que, na pior das circunstâncias, garante a exposição de opiniões. Pior mesmo é estarmos sujeitos a uma única versão dos fatos, aquela que vem empacotada com a mensagem oficial que caracteriza os regimes autocráticos, muitas vezes revestidos de uma falsa liberalidade.
Não queremos e não precisamos passar pelas restrições que hoje entristecem nossos vizinhos latino-americanos, limitação que foi imposta a partir da escolha revelada pelas urnas. E que o brado retumbante deste segundo turno se dê em favor do sol da liberdade, acalentada no berço esplêndido de uma livre e democrática expressão da imprensa e do povo brasileiro.
Eduardo Riedel é biólogo e presidente da Federação da Agricultura e Pecuária de MS (Famasul)