Campo Grande 00:00:00 Sábado, 07 de Setembro de 2024


ENTREVISTA Sábado, 22 de Junho de 2024, 09:58 - A | A

Sábado, 22 de Junho de 2024, 09h:58 - A | A

Entrevista

Depressão na adolescência: como identificar e o que fazer?

Especialista em saúde mental fala sobre os sintomas, prevenção e tratamento

Renata Santos Portela
Especial para o Capital News

Acervo Pessoal

Dr. Eduardo Araújo

Psiquiatra alerta: se estiver enfrentando desafios emocionais, não hesite em buscar ajuda

Em alguns casos ela começa sutil, com isolamento, irritação e até falta de vontade de fazer coisas que antes dava prazer, estamos falando da depressão, que tem sido perigosa especialmente para os jovens. Segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde) a doença é uma das principais causas do suicídio, terceira principal motivo de morte da juventude no mundo.

A depressão é uma doença que acontece de uma forma para cada tipo de pessoa. Pode-se dizer que é uma combinação de fatores como emocionais, sociais e até biológicos. Mas como lidar com ela? O que fazer se um jovem próximo a você apresenta sintomas?

O Capital News bateu um papo com o médico psiquiatra Eduardo Gomes de Araujo. Ele é Coordenador de saúde mental de Campo Grande e Coordenador da residência de psiquiatria da SESAU Campo Grande vai falar sobre esses sinais e como prevenir.

Deurico/Capital News

Foto ilustrativa de lei Maria da Penha

A saúde mental não é diferente da saúde física, ambas merecem atenção, afirma especialista

1. Capital News: Depressão, ansiedade e distúrbios comportamentais estão entre as principais causas de doenças e incapacidades entre os adolescentes? Se sim, por quê?

Dr. Eduardo Araújo: Sim, por várias razões:

Antes é preciso entender que a adolescência é um período desafiador, em que o adolescente passa por mudanças físicas, hormonais, emocionais e sociais. É o período da construção da identidade, formação de relacionamentos interpessoais e em que se tem responsabilidades crescentes, que não existiam na infância.

Os adolescentes enfrentam uma multiplicidade de pressões, desde a necessidade de alcançar resultados acadêmicos até a adaptação aos padrões de beleza e comportamento impostos pela sociedade. Eles lidam com conflitos relacionais, com a família ou amigos, que na infância não precisavam lidar. Além disso, as expectativas sociais em relação à aparência (estão mudando rapidamente de corpo), popularidade e comportamento podem contribuir para a ansiedade e a depressão. Vale destacar, que a cobrança nem sempre é externa, podendo ser apenas a autocobrança do adolescente.

Outro aspecto a ser destacado é a flutuação hormonal que pode afetar o humor e o comportamento. Vale destacar a imaturidade cerebral, com tendência a ter alta impulsividade e dificuldade em lidar com a frustração.

Atualmente devemos também destacar o uso excessivo de tecnologia e mídias sociais como fatores que podem contribuir para sentimentos de isolamento, comparação social negativa e baixa autoestima entre os adolescentes, aumentando o risco de problemas de saúde mental. A opção por manter relacionamentos virtuais, ao invés de relacionamentos presenciais também tem contribuído para um processo de desconexão emocional, isolamento social e dificuldades na construção de habilidades interpessoais essenciais.

O bullying e o cyberbullying também causam um impacto negativo na saúde mental dos adolescentes. E ainda falando sobre tecnologia, a exposição a conteúdos prejudiciais online também não deve ser subestimada. Os adolescentes tendem a copiar comportamentos, e isso é muito perigoso.

Algo que merece destaque é o uso de substâncias como álcool e drogas ilícitas entre os adolescentes. Embora a lei restrinja o consumo de álcool à maioridade, a realidade é que muitas vezes o consumo se inicia precocemente, numa busca de autoafirmação ou por querer pertencer a determinados grupos. O álcool por si só é depressor do sistema nervoso central podendo levar a depressão, também causando desinibição para comportamentos indevidos, e aumento no risco de acidentes, dependência e/ou uso de outras drogas, podendo agravar os problemas de saúde mental.

Há também fatores genéticos para os transtornos mentais, que tendem a manifestar seus primeiros sintomas nessa faixa etária adolescente. E também os fatores ambientais (onde o adolescente vive), como violência, abuso, negligência ou instabilidade familiar, podem contribuir para o desenvolvimento de problemas de saúde mental.

2. Capital News: Pode-se dizer que as habilidades cognitivas, sociais e emocionais adquiridas na adolescência podem moldar a saúde mental dos indivíduos na fase adulta?

Dr. Eduardo Araújo: Sim, desempenham um papel significativo na saúde mental dos adultos. Saúde mental é um processo contínuo, e devemos ainda jovens fazer bons plantios buscando uma boa saúde mental que colhemos na vida adulta.

Não usar drogas, por exemplo, é uma decisão que livrará o seu eu-adulto de muitos problemas. A droga, principalmente quando usada em grande quantidade e por muito tempo, desorganiza (por vezes, permanentemente) o equilíbrio dos neurotransmissores e o funcionamento de regiões cerebrais fundamentais, como o sistema de recompensa no núcleo accumbens, uma região do cérebro associada à motivação, prazer e recompensa, em que a pessoa aumentará o risco de desenvolvimento de transtornos mentais, como depressão, ansiedade e psicose, na vida adulta.

O uso de drogas durante a adolescência pode prejudicar o desenvolvimento cognitivo, afetando a memória, o aprendizado, a atenção e outras funções cerebrais. Além dos impactos na saúde mental e cognitiva, o uso de drogas na adolescência também pode aumentar o risco de problemas de saúde física na vida adulta, como doenças cardiovasculares, danos hepáticos, distúrbios respiratórios e câncer.

Pensando positivamente, o desenvolvimento da inteligência emocional, que se inicia na infância e adolescência, faz com que o indivíduo tenha uma maior probabilidade de ter relacionamentos saudáveis na vida adulta, e a lidar melhor com o estresse.

É na adolescência que iniciamos o aprendizado sobre como construir relacionamentos interpessoais, a ter uma comunicação eficaz e a desenvolver a empatia. Essas habilidades sociais são fundamentais para a vida adulta.

3. Capital News: De acordo com a OMS, a qualidade do ambiente onde as crianças e os adolescentes crescem determina o seu bem-estar e desenvolvimento. Você concorda com a afirmativa? Explique.

Dr. Eduardo Araújo: Em partes. Não diria que determina, pois o nosso cérebro tem uma capacidade incrível de lidar com adversidades. Mas, diria que influencia consideravelmente.

Desde os primeiros anos de vida, o ambiente em que uma criança é criada tem um impacto profundo em seu desenvolvimento cognitivo, emocional, social e físico. Um ambiente seguro, estável e afetuoso proporciona às crianças a segurança emocional necessária para explorar o mundo ao seu redor e desenvolver relacionamentos saudáveis. Por outro lado, ambientes instáveis, marcados por abuso, negligência ou violência, podem causar traumas emocionais duradouros e afetar negativamente o desenvolvimento mental.

Além disso, o ambiente desempenha um papel na promoção de hábitos saudáveis. Crianças que crescem em ambientes onde são incentivadas a praticar atividades físicas, ter uma dieta equilibrada e dormir adequadamente tendem a ter uma vida mais saudável. Por outro lado, a falta de acesso a alimentos nutritivos, ambientes seguros para brincar e rotinas de sono adequadas pode contribuir para problemas de saúde física e mental. Outro aspecto importante é o acesso a um bom ambiente educacional. Adolescentes que estão em ambientes onde são estimulados a pensar e a aprender, desenvolvem suas habilidades e têm mais chance de alcançar seu potencial máximo. A desigualdade socioeconômica pode limitar o acesso a essas oportunidades, privando muitos adolescentes de um bom estudo.

Acervo Pessoal

Dr. Eduardo Araújo

Encoraje o seu filho adolescente a falar sobre seus sentimentos. Aprenda a ouvir seu filho!

4. Capital News: As experiências negativas precoces em casa, no ambiente escolar ou espaços digitais, como exposição à violência, bullying e pobreza, aumentam o risco de transtornos mentais? Quais os principais e as consequências deles?

Dr. Eduardo Araújo: Sim. Essas experiências podem deixar marcas emocionais duradouras predispondo a uma série de problemas de saúde mental ao longo da vida.

A violência doméstica, por exemplo, pode criar um ambiente de medo e insegurança, levando a transtornos de estresse pós-traumático (TEPT), transtornos de ansiedade e depressão. O bullying na escola pode causar danos psicológicos significativos, levando a transtornos de ansiedade, isolamento social, depressão e até mesmo a pensamentos suicidas em alguns casos. Além disso, a exposição à pobreza pode aumentar o risco de desenvolvimento de transtornos depressivos, de ansiedade e de abuso de substâncias, devido ao estresse crônico e à falta de recursos adequados para lidar com os desafios da vida.

Esses transtornos mentais não apenas causam sofrimento significativo aos indivíduos afetados, mas também podem impactar negativamente sua qualidade de vida. Podem afetar também os relacionamentos interpessoais, desempenho acadêmico e oportunidades de emprego.

5. Capital News: Quais cuidados e ao que os pais devem estar alertas para que o adolescente se torne um adulto saudável?

Dr. Eduardo Araújo: Antes de tudo, os pais não devem atrapalhar. Os principais causadores de traumas nos adolescentes geralmente moram sob o mesmo teto. A decisão de ser um ajudador no processo de desenvolvimento mental do adolescente já é um grande êxito.

Como disse anteriormente, a adolescência é um período de transição complexa, em que os adolescentes estão enfrentando muitas mudanças, e os pais devem fornecer orientação, apoio e recursos para ajudar seus filhos adolescentes a enfrentarem todas as mudanças.

Uma das maneiras mais importantes pelas quais os pais podem promover a saúde e o bem-estar de seus filhos adolescentes é mantendo linhas de comunicação abertas e respeitosas. Isso envolve estar disponível para ouvir suas preocupações, ideias e experiências, e oferecer apoio emocional durante momentos difíceis. Por vezes, mais importante do que falar é o ouvir.

Os pais também podem ajudar os adolescentes a desenvolverem habilidades de enfrentamento saudáveis, fornecendo orientação sobre como lidar com o estresse, resolver conflitos e tomar decisões ponderadas.

Além disso, os pais têm um papel importante em promover hábitos de vida saudáveis em seus filhos adolescentes, incluindo uma dieta equilibrada, atividade física regular e rotinas de sono adequadas. O exemplo é o melhor professor.

Estabelecer limites e regras claras também é essencial para promover um ambiente familiar saudável durante a adolescência. Os pais devem estabelecer horários de retorno para casa, limite de tempo para uso de tecnologia e responsabilidades domésticas. No entanto, é importante que essas regras sejam estabelecidas de forma colaborativa e flexível. É algo a ser conquistado, jamais imposto.

Os pais devem promover a autonomia e a responsabilidade de seus filhos, incentivando-os a tomar decisões e a assumir responsabilidades progressivamente. Isso pode incluir questões como gerenciar suas finanças, cuidar de sua saúde física e emocional e buscar seus objetivos educacionais e profissionais.

Por fim, os pais devem estar atentos ao bem-estar emocional de seus filhos adolescentes e oferecer apoio emocional quando necessário. Nunca deve desprezar o sofrimento do filho adolescente, por mais banal ou imaturo que possa parecer. Devem estar cientes dos recursos disponíveis, como psicoterapia ou atendimento médico psiquiátrico, e ajudar os adolescentes a acessarem-nos, quando necessário.

Foto Cedida

Anualmente, mais de 700 mil pessoas cometem suicídio, segundo OMS

A saúde mental não é diferente da saúde física - ambos merecem atenção

6. Capital News: Quais os sintomas da depressão e no que ela se diferencia da tristeza?

Dr. Eduardo Araújo: A tristeza é uma emoção comum experimentada por todas as pessoas em alguns momentos da vida. Pode ser desencadeada por uma variedade de fatores, como perda, fracasso, frustração, solidão, estresse emocional e mudanças significativas na vida.

A depressão é uma condição de saúde mental grave que afeta milhões de pessoas no mundo, e é caracterizada por uma combinação de sintomas físicos, emocionais e comportamentais que persistem por longos períodos e interferem significativamente na vida diária de uma pessoa. A depressão vai além da tristeza temporária e pode ser debilitante.

Os sintomas da depressão podem variar de pessoa para pessoa, mas geralmente incluem sentimentos persistentes de tristeza, desesperança e desamparo. Além disso, a depressão pode causar uma série de sintomas físicos, como fadiga, distúrbios do sono e alterações no apetite. Os indivíduos com depressão também podem experimentar dificuldade de concentração, perda de interesse em atividades que costumavam ser agradáveis, sentimento de culpa ou inutilidade e pensamentos suicidas.

O que diferencia a depressão da tristeza é a gravidade e a persistência dos sintomas. Enquanto a tristeza é uma resposta emocional normal a eventos estressantes ou adversos e geralmente diminui com o tempo, os sintomas da depressão são mais intensos, duradouros e interferem significativamente na capacidade funcional da pessoa. A depressão não é apenas uma tristeza passageira; é uma condição clínica que requer atenção e tratamento adequados.

7. Capital News: A automutilação é considerada um sintoma de transtorno mental?

Dr. Eduardo Araújo: Sim, pode estar presente em muitos transtornos especialmente transtornos do humor, transtornos de ansiedade e transtornos de personalidade. A automutilação, é uma autolesão deliberada ou uma autoagressão, é o ato intencional de causar danos ao próprio corpo, geralmente através de cortes, queimaduras e arranhões.

Pode ocorrer por uma variedade de motivos, incluindo a tentativa de lidar com emoções intensas, aliviar sentimentos de dor emocional, forma de se punir, expressar raiva reprimida, ou tentar sentir uma sensação de controle sobre a própria vida.

No transtorno de personalidade borderline percebemos a autolesão como um dos critérios para o diagnóstico, mas pode estar presente em outros transtornos mentais.

8. Capital News: Quais os impactos da depressão na vida do adolescente?

Dr. Eduardo Araújo: A depressão pode ter impactos significativos na vida de um adolescente, afetando várias áreas do seu funcionamento diário, bem-estar emocional e relacionamentos interpessoais.

Em primeiro lugar, a depressão pode interferir no desempenho acadêmico do adolescente, resultando em queda nas notas, falta de motivação para frequentar a escola e dificuldade de concentração. Isso pode levar a um ciclo negativo, onde o baixo desempenho acadêmico aumenta os sentimentos de desesperança e inadequação, contribuindo ainda mais para a depressão.

Além disso, a depressão pode impactar o sono do adolescente, causando insônia, dificuldade em adormecer ou acordar cedo demais. Isso pode levar à fadiga durante o dia, diminuição da energia e irritabilidade. A depressão também pode afetar o apetite do adolescente, resultando em perda ou ganho de peso significativo.

Nos relacionamentos interpessoais, a depressão pode levar a sentimentos de isolamento social, dificuldade em se conectar com os outros e conflitos familiares ou de amizade. O adolescente deprimido pode se sentir incompreendido, rejeitado ou julgado pelos outros, o que pode aumentar ainda mais sua sensação de solidão e desesperança.

Além disso, a depressão pode aumentar o risco de comportamentos de risco, como o uso de substâncias, automutilação ou pensamentos suicidas. Esses comportamentos podem ter consequências graves para a saúde física e mental do adolescente e exigir intervenção imediata por parte de profissionais de saúde mental.

9. Capital News: Qual o tratamento para depressão na adolescência?

Dr. Eduardo Araújo: O tratamento para depressão na adolescência geralmente envolve uma abordagem multidisciplinar que combina diferentes formas de intervenção, incluindo terapia psicológica, medicamentos e suporte familiar.

A terapia cognitivo-comportamental (TCC) é uma das formas mais comuns de terapia utilizadas no tratamento da depressão adolescente. A TCC ajuda os adolescentes a identificar padrões de pensamento negativos e distorcidos, desenvolver habilidades de enfrentamento saudáveis e mudar comportamentos que contribuem para a depressão.

Além da terapia, medicamentos antidepressivos também podem ser prescritos para adolescentes com depressão moderada a grave. Os medicamentos podem ajudar a estabilizar o humor, aliviar sintomas de depressão e melhorar a função cognitiva e emocional.

Além da terapia e medicamentos, o suporte familiar desempenha um papel fundamental no tratamento da depressão na adolescência. Os pais e outros membros da família devem fornecer apoio emocional e incentivar o adolescente a aderir ao tratamento.

A educação sobre a depressão e o estigma associado a ela também é importante, tanto para o adolescente quanto para sua família, para que possam entender melhor a condição e como melhor apoiar o adolescente durante sua recuperação.

10. Capital News: Qual mensagem você deixa?

Dr. Eduardo Araújo: Como psiquiatra, tenho o privilégio de testemunhar todos os dias o quanto a saúde mental é relevante em nossas vidas. O cuidado da nossa saúde mental é uma jornada que não deve ser negligenciada, especialmente quando se trata dos adolescentes, uma fase da vida repleta de desafios e descobertas.

A saúde mental dos adolescentes importa! E em meio às dificuldades e imaturidade emocional é essencial que estejamos atentos às suas necessidades emocionais e lhes ofereçamos apoio.

Lembre que buscar ajuda não é um sinal de fraqueza, mas sim de coragem e busca pelo autoconhecimento

Lembre que buscar ajuda não é um sinal de fraqueza, mas sim de coragem e busca pelo autoconhecimento. Encoraje o seu filho adolescente a falar sobre seus sentimentos. Aprenda a ouvir seu filho!

Além disso, não tenha estigma em relação aos transtornos mentais. A saúde mental não é diferente da saúde física - ambos merecem atenção, cuidado e tratamento adequado.

Não hesite em buscar ajuda se estiver enfrentando desafios emocionais.

Comente esta notícia


Reportagem Especial LEIA MAIS