Sobrinhos do líder indígena Guarani Marçal de Souza estão vivendo da coleta de materiais recicláveis em Dourados. Os irmãos Evaristo Garcete de Souza e Irina Garcete de Souza vivem na cidade e passam as noites em um trailer que mede 10m x 3m, próximo à Usina Velha de Dourados com mais outros quatro catadores.
Irina já vivia de catar materiais recicláveis como papelão, alumínio e plástico há vários anos, e o irmão resolveu acompanha-la por opção pessoal e por não estar contente com a vida na Reserva.
A decisão de não viver mais entre os conterrâneos já vinha sendo planejada havia algum tempo, mas foi depois que se separou da esposa que Evaristo decidiu sair de casa e procurar a irmã Irina. “Quando saí já lembrei da minha irmã e hoje um cuida do outro. Para mim ela é a única família que tenho”, afirma Evaristo.
Do tio Marçal os dois só têm boas lembranças. “Quando a gente era pequeno ele cuidava da gente”, sorri Evaristo com um ar nostálgico, olhando na direção da Usina Velha que fica poucos metros de onde fica agora a residência do grupo e do trecho que separa as propriedades rurais da região das terras indígenas de Dourados.
Os irmãos Souza contam que quando o tio foi assassinado por um fazendeiro contrário às idéias de reforma agrária pregadas por Marçal de Souza, eles ainda eram pequenos, mas não esqueceram o fato. “O que seu sei é que a gente estava na escola, ainda éramos pequenos. Os homens chegaram no tio e falaram que estavam passando mal, ele era enfermeiro, quando ele virou as costas para atender os homens, foi baleado à traição. Nem chance de se defender ele tinha”, afirma indignado Evaristo enquanto a irmã balança a cabeça em sinal de aprovação. Os irmãos Souza são filhos de Julião Garcete de Souza e Inácia Garcete de Souza.
Quem foi Marçal de Souza
Marçal de Souza Tupã-Y nasceu na véspera do Natal de 1920, em Rincão do Júlio, na região de Ponta Porã, Estado de Mato Grosso do Sul. Órfão aos oito anos, foi educado numa missão presbiteriana, e morou com a família de um oficial do Exército em Recife, onde estudou até a segunda série do antigo ginasial.
Na década de 1940, já adulto, voltou ao Mato Grosso do Sul, onde trabalhou como enfermeiro do posto da Funai (Fundação Nacional do Índio), na aldeia Campestre em Antônio João, onde morava. Na aldeia, se tornou guia e intérprete dos antropólogos Darcy Ribeiro e Egon Shaden.
No dia 11 de julho de 1980, quando o Papa João Paulo II se despedia do povo no Aeroporto de Manaus, Tupã-Y fez um discurso em que denunciou as agressões dos brancos contra os índios e reclamou da perda dos direitos indígenas ao longo da História. “Dizem que o Brasil foi descoberto. O Brasil não foi descoberto, Santo Padre. O Brasil foi invadido e tomado dos indígenas. Esta é a verdadeira história de nosso povo.” Com isso, o índio desconhecido ganhou projeção internacional.
Sua luta constante pela demarcação das terras indígenas incomodava fazendeiros e madeireiros. Foi assassinado com cinco tiros na noite de 25 de novembro de 1983.
Ele estava com a mulher, a índia Celina Vilhava, de 27 anos, grávida de nove meses. O líder guarani Marçal de Souza Tupã-Y tinha 63 anos quando morreu. As investigações do crime, que teve repercussão internacional, apontaram como mandante um fazendeiro que tinha oferecido a Tupã-Y uma grande quantia de dinheiro para que convencesse os Kaiowá a sair da aldeia de Pirakuá, em Bela Vista (MS), para reservas já demarcadas pelo governo. Tupã-Y, que quer dizer “Deus pequeno”, em guarani, recusou a oferta e foi ameaçado.
O fazendeiro foi considerado inocente em dois julgamentos. Em 2003, passados 20 anos do assassinato, o crime prescreveu e os culpados não podem mais ser julgados. A impunidade prevaleceu. (Com informações do Governo Federal)