A partir de 2025, as empresas brasileiras assumem um novo e inadiável compromisso: cuidar da saúde mental de seus colaboradores. Aquilo que, por muito tempo, foi tratado como gesto de boa vontade ou iniciativa pontual — quase sempre restrita a datas simbólicas — passa agora a ser um dever legal. A recente atualização da Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1), que estabelece as diretrizes gerais sobre segurança e saúde no trabalho, deixa isso muito claro. Pela primeira vez, os riscos psicossociais, como estresse crônico, assédio, sobrecarga e conflitos interpessoais, ganharam o reconhecimento oficial, com a obrigação expressa de que sejam identificados, avaliados e devidamente gerenciados pelas organizações.
A NR-1 ampliou seu escopo para além das condições físicas e operacionais, reconhecendo que o sofrimento emocional também adoece — muitas vezes com cicatrizes invisíveis, mas profundas. A norma trata, de forma objetiva, da responsabilidade das empresas em lidar com questões como assédio moral, jornadas abusivas, ambientes tóxicos e sobrecarga de trabalho, fatores que silenciosamente têm afetado a saúde de muitos trabalhadores. Esses elementos deixam de ser vistos como questões “subjetivas” e passam a ser classificados como riscos reais, que exigem ações concretas, planejadas e contínuas de prevenção e acolhimento.
Com a nova NR-1, todas as empresas — independentemente de porte ou setor de atuação — passam a ter uma responsabilidade mais estruturada: identificar e gerenciar os riscos que possam comprometer a saúde de seus colaboradores. Para isso, torna-se obrigatório manter um Gerenciamento de Riscos Ocupacionais (GRO) sempre atualizado. Esse instrumento funciona como um verdadeiro mapa da saúde organizacional, exigindo uma análise profunda e sistemática dos perigos presentes no ambiente de trabalho — agora incluindo os riscos psicossociais, como estresse, pressão excessiva, clima interpessoal hostil e desgaste emocional. Com base nesse diagnóstico, a empresa deverá elaborar o Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR), que detalha as medidas de prevenção, correção e acompanhamento desses riscos, com foco na proteção integral da saúde — física, mental e emocional — do trabalhador.
Essa atualização normativa responde a um cenário preocupante, que vem se agravando ano após ano. O número de afastamentos por questões de saúde mental disparou no Brasil, e as causas são bem conhecidas por quem vive o cotidiano corporativo: estresse constante, ansiedade crescente, quadros de depressão que evoluem silenciosamente até o esgotamento total. Esses não são casos isolados — são sintomas de um modelo de gestão que historicamente ignorou o fator humano. As consequências já são visíveis: queda na produtividade, ambientes tensos, aumento da rotatividade e custos operacionais elevados com licenças médicas e baixa performance. A conta da negligência com a saúde emocional chegou.
A nova NR-1 também está alinhada com as recomendações da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que há décadas defende que um ambiente laboral saudável deve ir além da ausência de acidentes físicos, contemplando também o equilíbrio emocional e a proteção psicológica dos indivíduos.
Além disso, o novo marco regulatório indica uma fiscalização mais rigorosa. O Ministério do Trabalho e Emprego já anunciou que, a partir de 2025, irá intensificar as auditorias em setores com altos índices de afastamentos por doenças mentais, como teleatendimento, instituições financeiras e unidades de saúde. Serão avaliadas, entre outras exigências, a existência do PGR, a adequação do GRO à realidade da empresa e a eficácia das ações de mitigação dos riscos identificados.
Mais do que uma obrigação normativa, essa mudança representa uma oportunidade de transformação na cultura organizacional brasileira. Empresas que colocarem a saúde mental como prioridade estratégica estarão mais preparadas para evitar sanções legais e, principalmente, para construir ambientes mais seguros, humanos e produtivos. O cuidado com o fator humano deixou de ser um diferencial — tornou-se, definitivamente, um imperativo legal e moral.
Promover a saúde mental no trabalho não exige, necessariamente, estruturas complexas ou investimentos exorbitantes. Medidas simples, como canais internos de escuta, capacitação de lideranças, rotinas que respeitem os limites humanos e espaços de diálogo já geram impactos significativos. A própria norma sugere, de forma orientativa, a adoção de Primeiros Socorros Psicológicos (PSP), que capacitam os próprios colaboradores para oferecer suporte inicial a colegas em sofrimento emocional, até que possam ser encaminhados a ajuda profissional especializada.
Estamos diante de um novo capítulo nas relações de trabalho. Um momento que exige das empresas não apenas atenção, mas compromisso real com a saúde emocional de seus times. Cuidar de pessoas é, agora, uma exigência da lei e sempre foi um princípio fundamental de uma gestão verdadeiramente humana, eficiente e sustentável.
*José dos Santos Santana Jr
Advogado especialista em Direito Empresarial e da Saúde e sócio do escritório Mariano Santana Sociedade de Advogados
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