Campo Grande 00:00:00 Terça-feira, 01 de Abril de 2025



Opinião Domingo, 30 de Março de 2025, 16:25 - A | A

Domingo, 30 de Março de 2025, 16h:25 - A | A

Opinião

Isenção do Imposto de Renda é Avanço, Mas Reforma Precisa Ser Mais Abrangente

Por Antonio Tuccilio*

Artigo de responsabilidade do autor
Envie seu artigo para [email protected]

A proposta do governo de ampliar a isenção do Imposto de Renda para rendimentos de até R$ 5.000 mensais a partir de 2026 é, sem dúvida, um avanço. Atualmente, apenas quem recebe até R$ 2.259,20 mensais está isento do tributo, o que significa que a nova faixa poderá beneficiar cerca de 10 milhões de brasileiros, ampliando o total de isentos para aproximadamente 20 milhões de contribuintes.

A Confederação Nacional dos Servidores Públicos (CNSP) reconhece que os trabalhadores de renda mais baixa são os mais impactados pelo atual sistema tributário e que a ampliação da faixa de isenção é essencial para aliviar esse grupo, que já sofre com a alta carga de impostos indiretos embutidos no consumo, porque, no Brasil, diferentemente de outros países, o peso dos tributos sobre o consumo é muito maior do que sobre a renda, penalizando desproporcionalmente aqueles que ganham menos.

No entanto, é fundamental questionar: e os trabalhadores que ganham acima de R$ 5.000? Por que o governo optou por corrigir apenas uma parte da tabela do IR, deixando os demais contribuintes na mesma situação? Se o objetivo é tornar o sistema tributário mais justo, por que não corrigir toda a tabela? A defasagem acumulada de 167% impacta não apenas os que ganham até R$ 5.000, mas também aqueles que recebem um pouco mais e que, na prática, tiveram sua carga tributária aumentada com o passar dos anos.

Segundo dados da Receita Federal, aproximadamente 38,4 milhões de brasileiros apresentaram declaração do Imposto de Renda em 2022. Isso significa que 28,4 milhões de contribuintes continuarão pagando as mesmas alíquotas progressivas, sem qualquer reajuste na tabela, que permanece defasada.

Justiça Tributária Não Pode Ser Parcial

A CNSP entende que a prioridade deve ser, sim, reduzir a carga tributária sobre os que mais precisam, mas isso não significa que outras faixas de renda devem ser ignoradas. O custo de vida aumentou para todos, e a defasagem da tabela do IR penaliza tanto aqueles que ganham menos quanto os trabalhadores da classe média, que hoje são tributados como se fossem de alta renda, quando, na realidade, já perderam poder de compra devido à inflação e à falta de correção na tabela.

A correção da faixa de isenção é necessária e bem-vinda, mas se o governo realmente deseja justiça fiscal, essa revisão deveria ser mais ampla. A classe média não é formada por milionários, mas por trabalhadores que sustentam a economia, pagam impostos elevados e, ainda assim, não têm acesso a benefícios fiscais ou tributários. São professores, médicos, técnicos, servidores públicos, pequenos empreendedores e tantos outros profissionais que continuam sendo tributados como se estivessem em um patamar econômico muito acima da realidade.

Corrigir apenas uma parte da tabela mantém um sistema distorcido, no qual milhões de brasileiros seguem arcando com uma carga tributária elevada. Se há um esforço para tornar a tributação mais justa, por que não ampliá-lo para beneficiar também aqueles que não estão no topo da pirâmide econômica, mas que sofrem com a falta de atualização da tabela?

Um Avanço Parcial e a Questão do Populismo

É difícil ignorar o momento político no qual essa proposta surge. A popularidade do governo vem enfrentando desafios, e medidas como essa são frequentemente utilizadas para gerar impacto positivo imediato entre os eleitores. Mas será que a política fiscal do país deveria ser pautada por esse tipo de estratégia?

Corrigir apenas a faixa de isenção e ignorar o restante da tabela gera um efeito desigual e perpetua a injustiça tributária. O governo está corrigindo a isenção para quem ganha até R$ 5.000, mas quem recebe entre R$ 5.000 e R$ 7.000 terá apenas um desconto parcial, e quem ganha acima de R$ 7.000 continuará sem qualquer mudança na tributação.

Impacto Fiscal e Alternativas para Compensação

A principal justificativa para a falta de uma correção mais ampla da tabela é o impacto fiscal. A estimativa oficial do governo aponta que a ampliação da isenção para R$ 5.000 causará uma perda de arrecadação de R$ 27 bilhões anuais. Para compensar essa redução, está sendo discutido um aumento na tributação sobre os contribuintes de renda mais elevada, especificamente aqueles que ganham mais de R$ 600 mil por ano, que poderão enfrentar uma alíquota efetiva de até 10%.

Mas será que essa é a melhor estratégia? Já que propostas que aumentam a carga tributária sobre as faixas de renda mais altas frequentemente enfrentam resistência no Congresso Nacional, como inclusive já está acontecendo.

A CNSP defende que existem outras formas de equilíbrio fiscal, como a revisão das desonerações fiscais concedidas a setores que não necessitam desses benefícios. O Brasil possui um histórico de incentivos fiscais concedidos sem critérios claros, e muitos desses subsídios acabam beneficiando grandes empresas que já possuem alta lucratividade e não necessitam de incentivos para operar.

Um levantamento do Tribunal de Contas da União (TCU) apontou que o Brasil concedeu mais de R$ 370 bilhões em desonerações fiscais em 2024, sendo que parte desse montante beneficiou setores que não demonstraram retorno efetivo para a economia. A revisão desses benefícios poderia compensar boa parte da renúncia fiscal causada pela ampliação da isenção do IR, sem necessidade de aumentar a carga sobre os trabalhadores.

A Questão dos Penduricalhos e a Tributação de Benefícios

Outro ponto crucial que precisa ser debatido é a tributação de benefícios concedidos a certas categorias, como deputados, senadores e juízes, que frequentemente recebem indenizações e auxílios que não entram na base de cálculo do IR.

Esses benefícios incluem auxílios-moradia, verbas indenizatórias e rendimentos acumulados, que muitas vezes são isentos de tributação, criando uma distorção no sistema fiscal. Enquanto um trabalhador comum tem sua renda integralmente tributada, certas categorias conseguem evitar a taxação sobre uma parte significativa de seus rendimentos. Tributar essas verbas poderia gerar um impacto positivo na arrecadação e contribuir para um sistema tributário mais justo.

Conclusão

A ampliação da faixa de isenção do IR para R$ 5.000 é uma medida positiva e necessária, que beneficia milhões de brasileiros que mais precisam de alívio tributário. A CNSP reconhece a importância dessa correção e defende que os trabalhadores de renda mais baixa devem ser a prioridade em qualquer reforma fiscal. No entanto, corrigir apenas essa faixa da tabela sem revisar as demais alíquotas mantém um sistema tributário injusto, no qual uma parcela significativa da população segue arcando com uma carga desproporcional. Sem uma revisão ampla de todas as faixas de renda, o sistema tributário brasileiro continuará penalizando trabalhadores da classe média e protegendo setores privilegiados.

Se há um compromisso real com a justiça fiscal, a revisão deve beneficiar todos os brasileiros, sem exceção. A correção da faixa de isenção é um primeiro passo, mas não deve ser o único.


*Antonio Tuccilio
Presidente da Confederação Nacional dos Servidores Públicos

 

• • • • •

 

A veracidade dos dados, opiniões e conteúdo deste artigo é de integral responsabilidade dos autores e não reflete, necessariamente, a opinião do Portal Capital News

 

Comente esta notícia


Reportagem Especial LEIA MAIS