Excertos de cartas preteridas por outros veículos de comunicação refletem o que se pretendeu opinar, discutir e comentar. No âmbito cultural e em relação à política internacional, algumas notícias merecem uma maior reflexão ali contida.
Morei na Alemanha em período posterior à reunificação e vivenciei a duplicidade de respeito e crítica a Helmut Kohl – falecido agora –, mesmo dentre seus oponentes que diziam que haviam comprado o país vizinho – a Alemanha Oriental. No meio universitário, a tendência era o voto nos social-democratas, mas admirava-se, mesmo assim, a condução serena e até segura que o chanceler fazia. Ele ganhou um timão de madeira simbólico por isso. Um comportamento difícil de imaginar em nosso país com tanta polarização.
Modernidade e liberdade conviverão ou se conflagrarão dentro da inexorabilidade de nossa existência e do desenvolvimento. O editorial da Folha de S. Paulo de 15/6 (O preço do esquecimento) toma a precaução de trazer os limites da história pessoal para o debate, sem tomar partido, além da decisão jornalística ali expressa. E dialoga com os vinte anos das primeiras imagens digitais feitas por celulares, lembrada na crônica de Roberto Dias na mesma edição (Há 20 anos, a foto que compartilhou uma revolução), símbolo da exposição individual. Ainda há espaço para reflexões sérias e balizadas sobre nós mesmos, ainda que a estrutura política e governamental desmorone.
Nesse sentido, corajosa é a publicação de “Olga Benario Prestes – uma comunista nos arquivos da Gestapo” por sua filha Anita Leocádia. Em tempos incertos, nos quais o boato vale até mais que o fato, é importante a análise do arquivo nazista, ainda que provavelmente incompleto. Pelo volume de documentos, era esperada uma obra de maior fôlego, como a própria autora afirmara antes, mas que seja representativa de mais esse pedaço triste e antes nebuloso de nossa história. E que o livro não se torne tão indisponível para venda, como o anterior sobre Luis Carlos Prestes.
Por fim, uma lembrança quanto a questão que contrapõe conhecimento e crença. Se até o “design inteligente” é defendido por renomados cientistas, o que dirá a homeopatia, assunto sobre o qual pesquisadores da USP têm debatido. Os efeitos da auto-sugestão são conhecidos, mas o que se vê é a exacerbação da promessa de cura por meio da crença. A questão por trás disso é o poder religioso (mítico, místico, ou qualquer outra denotação), não apenas no meio político e social, mas também no científico. Feito um câncer, destrói o organismo consciente que luta para sobreviver de forma mais esclarecida.
*Adilson Roberto Gonçalves
Doutor em química pela Unicamp, livre-docente pela USP e pesquisador do Instituto de Pesquisa em Bioenergia da Unesp-Rio Claro
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