Março não é apenas mais um mês no calendário. Para mim, ele carrega um significado profundo, uma memória tatuada na pele e no coração. É o mês da conscientização sobre o câncer de rim e da importância da doação de órgãos – duas pautas que não são apenas números frios de estatísticas para mim, mas uma parte visceral da minha história.
Falar sobre isso é reviver um dos momentos mais desafiadores e transformadores da minha vida: o dia em que decidi doar um rim para minha irmã, Jussara Stefanello.
Não há como romantizar uma decisão como essa. O medo estava ali, presente em cada pensamento, se enroscando nas dúvidas, no desconhecido, na inevitável pergunta: "E se algo der errado?".
Mas o medo não pode ser maior do que o amor.
Jussara, como tantos outros pacientes renais, vivia uma rotina exaustiva de hemodiálise, um tratamento que, apesar de manter a vida, não devolve a qualidade dela. A cada sessão, seu corpo se enfraquecia, sua energia se esvaía, seus sonhos pareciam cada vez mais distantes. Ver alguém que amamos nessa luta diária nos faz sentir impotentes. Mas, naquele momento, percebi que eu não era impotente. Eu tinha algo que poderia devolver a ela a liberdade de viver.
Foi assim que tomei minha decisão. Não por heroísmo, nem por obrigação, mas porque o amor nos move a fazer aquilo que precisa ser feito, mesmo quando dói, mesmo quando assusta.
O dia da cirurgia foi uma avalanche de emoções. Enquanto os médicos realizavam o transplante, minha família e eu segurávamos a respiração, em silêncio, rezando para que tudo desse certo. E deu.
Acordei ainda grogue da anestesia, e minha primeira pergunta foi sobre ela. "Ela está bem?" – como se apenas a resposta afirmativa pudesse me trazer de volta por completo. E ela estava. O rim começou a funcionar quase imediatamente, um pequeno milagre da medicina e da generosidade humana.
Nos dias que se seguiram, enquanto nos recuperávamos, percebi que minha doação não tinha sido apenas um ato físico. Foi um presente de vida, de esperança, de possibilidade.
Hoje, Jussara vive com saúde, e eu, com a certeza de que meu gesto valeu cada instante de recuperação, cada cicatriz. Doei um rim, mas ganhei algo muito maior: a alegria de vê-la viver plenamente.
Infelizmente, nem todos têm essa oportunidade. No Brasil, mais de 66 mil pessoas aguardam por um transplante, muitas delas dependendo da generosidade de um doador falecido. No entanto, a taxa de recusa familiar à doação de órgãos ainda supera os 40% – um índice alarmante para um país que poderia salvar tantas vidas se houvesse mais informação e conscientização.
O câncer de rim, por sua vez, é silencioso. Os sintomas muitas vezes só aparecem quando a doença já está avançada. Segundo o Instituto Nacional do Câncer (INCA), mais de 12 mil novos casos são diagnosticados anualmente no Brasil, levando a cerca de 4 mil mortes. Muitos desses óbitos poderiam ser evitados com diagnóstico precoce, hábitos saudáveis e exames regulares.
A Importância do Março Vermelho
O Março Vermelho nos convida a refletir e agir. Precisamos falar sobre a saúde renal com seriedade e compromisso. Precisamos incentivar a doação de órgãos como um ato de amor e legado.
Se há algo que aprendi com minha experiência é que a vida é um fio frágil, e cada um de nós pode ser o elo que fortalece essa corrente. Quando falamos sobre prevenção, conscientização e solidariedade, não estamos apenas lidando com números. Estamos lidando com histórias, com famílias, com pessoas que querem viver.
Por isso, deixo aqui um convite:
Converse com sua família sobre doação de órgãos. Não espere uma emergência para decidir. Cuide da sua saúde renal. Beba água, tenha uma alimentação equilibrada, faça exames regulares. E, por fim, divulgue essa causa. Quanto mais falarmos sobre isso, mais vidas podemos salvar.
Hoje, vivo com um único rim, mas meu coração bate mais forte do que nunca. Porque a verdadeira grandeza da vida está naquilo que conseguimos compartilhar.
E compartilhar vida é, sem dúvida, o maior presente que podemos dar.
*Jucli Stefanello
Pedagoga e advogada, com pós-graduação em Gestão Empresarial e Recursos Humanos. Com uma trajetória marcada pela defesa dos trabalhadores da educação, presidiu o Simted de Brasilândia por três mandatos e integrou a diretoria da Fetems. Atuou na gestão do Previsul e foi uma das responsáveis pela criação da Cassems, onde atualmente é Diretora de Clientes. Também é vice-presidente do CONESSP, reforçando seu compromisso com a saúde dos servidores públicos.
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