O impulso reformista do governo Temer despertou, no imaginário econômico, a esperança em sanar antigos problemas. Enquanto a dívida pública cresce a espantosos R$ 2 bilhões por dia, cresce também o senso de urgência em se fazer um ajuste fiscal robusto e modernizar a economia. Com o capital político escasso de um mandato “tampão”, o programa econômico dos cem primeiros dias será determinante para uma travessia bem-sucedida até 2018.
A coragem dos objetivos surpreende. E o faz porquecoloca em marcha um modelo liberal de Estado, de economia e de sociedade diverso daquele sob o qual a cultura política nacional se organizou desde a redemocratização, petrificado na Constituição de 1988. Num país em que o estoque de costumes, valores e crenças ligados a livre-iniciativa é sobrepujado pelo desejo de proteção do Estado contra o mercado, nenhum governo viabilizou-se eleitoralmente tendo como bandeira uma guinada liberal. Os pobres querem o Estado, os ricos o mercado e os políticos o voto. O novo governo precisa equilibra-se entre estas forças para sobreviver.
A contradição entre as necessidades econômicas do ajuste – impostas pela premência da dívida e o medo do calote –, e o desejo tantas vezes manifesto do eleitorado em direção diversa, colocam em dúvida a viabilidade política do programa. Ainda assim ele se anuncia com medidas duras, começandocom a tentativa detornar o orçamento público mais flexível e sem as amarras dos gastos obrigatórios em saúde e educação (já em parte permitidas pela Desvinculação das Receitas da União – DRU).
E vai além: pretende impor um limite legal para o gasto público, privatizar “tudo o que for possível” em termos de infraestrutura, eliminar indexações automáticas – inclusive do salário mínimo e da previdência –, aumentar a idade para aposentadoria, revisar a estabilidade do funcionalismo público, flexibilizar a legislação trabalhista, mudar as regras de partilha do pré-sal, cortar ministérios, modular os subsídios via BNDES, fechar acordos de livre-comércio, abrir o mercado doméstico para importações, entre outras. É muita coisa para pouco tempo.
A autoridade do novo programa andará sob o fio da navalha do crescimento econômico: ele precisa reanimar logo a economia e estancar o desemprego, caso contrário a agenda de austeridade será percebida como uma “ponte ao passado”. Como a boa política precede o bom governo – e Temer sabe melhor do que ninguém disso –, conviria nesse momento eleger prioridades, sob o risco de sacrificar o todo. É preciso escolher “temas consensuais” e que unifiquem a opinião pública nos cem primeiros dias, como por exemplo, a questão tributária.
Ainda que sejaimpossível baixar impostos à luz do cenário fiscal, colocar certa racionalidade na selva tributária brasileira já seria um grande legado do futuro governo. Unificar o PIS, a Cofins, o IPI e a CIDE, e num segundo momento a CSLL e o IRPJ num único tributo federal incidente sobre o valor agregado – uniforme para os setores – daria autoridade ao governo federal negociar uma reforma mais ampla do ICMS com os Estados, como a questão da “guerra fiscal”.
Há também que se dar um fim a excessiva administração microeconômica dos setores empresariais. Por meio dos regimes tributários e aduaneiros especiais, a política industrial e de comércio exterior atual – a pretexto de incentivá-los –, criou tantas distorções setoriais que nem mesmo as empresas beneficiadas conseguem adequar-se. No conjunto da obra, muitos regimes se anulam mutuamente – e o Estado é comumente chamado a arbitrar disputas inter e intra-setoriais, criando remendos à estrutura.
Há um modelo de país em jogo. A “estadolatria” mostrou-se fiscalmente insustentável, politicamente perigosa e economicamente limitante. O ideário de uma sociedade mais forte, dinâmica e independente do Estado pode e deve nortear o programa econômico do governo Temer, mas ele precisa ser inscrito no contexto atípico dos próximos dois anos. O tempo da política não é o tempo da economia, e o governo precisa operar nos dois tabuleiros para lograr êxito.
Pedro Pedrossian Neto
Economista, professor e mestre em Economia Política pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e ex-secretário-adjunto de Desenvolvimento Econômico de Mato Grosso do Sul
• • • • •
A veracidade dos dados, opiniões e conteúdo deste artigo é de integral responsabilidade dos autores e não reflete, necessariamente, a opinião do Portal Capital News |