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Reportagem Especial Sábado, 14 de Dezembro de 2013, 13:00 - A | A

Sábado, 14 de Dezembro de 2013, 13h:00 - A | A

SOS Porto Esperança: comunidade ribeirinha centenária sob ameaça

Anahi Zurutuza, enviada especial para Porto Esperança - Capital News - (www.capitalnews.com.br)

De um lado o rio Paraguai e do outro uma fazenda. A sensação que se tem ao pisar em Porto Esperança, distrito de Corumbá, é que as palafitas onde vivem as famílias, a qualquer hora, podem ser “engolidas” pelo rio. Mas, não é o assoreamento e o avanço do Paraguai sobre as casas que está tirando o sono dos moradores da pequena comunidade, existente ali há mais de 100 anos. Há meses, os cerca de 80 ribeirinhos temem ser expulsos do local por uma empresa dona de 707 hectares que margeiam as casas do lugarejo.

As famílias não tiveram mais paz, depois da chegada da Agropecuária Brahman Beef Show (ABBS) a Porto Esperança, relata o vice-presidente da Associação de Moradores de Porto Esperança, Jorge Bernardes Moreira, 54 anos, morador da comunidade há 51 anos. O representante da empresa, Robson Camargos, de Minas Gerais, comprou a Fazenda Triângulo (hoje Porto Belo), há um ano, estaria coagindo ribeirinhos para que abandonem o distrito.

“Eles foram cercando as casas vazias e compraram algumas que ainda tinham moradores”, conta Moreira. Segundo o ribeirinho, o representante legal da ABBS, Robson Camargos, convenceu alguns ribeirinhos com o argumento de que as terras da Fazenda Triângulo terminam na beira do rio e que as famílias poderiam perder suas casas, porque estariam em terreno irregular.

“Aqui já não tem recursos, o acesso é difícil e as pessoas não entendem das leis. Aí chega uma pessoa e diz que todo mundo está irregular, tem gente que acredita”, afirma Jorge Moreira.

Depois de adquirir pelo menos 20 moradias da comunidade, Camargos mandou que funcionários cercassem tudo o que “pertence” à ABBS, impedindo o livre acesso dos ribeirinhos às áreas coletivas da comunidade, além de acabar com pequenas plantações.

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Casas que estavam abandonadas foram compradas e cercadas pela por empresa de Minas Gerais, tirando a liberdade de moradores, segundo Jorge Moreira
Foto: Anahi Zurutuza/Capital News

Uma das moradoras mais antigas, Fermesina da Silva, 91 anos, perdeu parte do canavial, plantado para vender garapa e fazer rapadura. “Eles passaram a cerca deles no meio do canavial. A gente não pode passar para o outro lado para cuidar da cana porque tem medo do que pode acontecer”, relata a filha da idosa, Ivete Medeiros, 50 anos, que mora com a mãe.

Luiza Helena Martinez, 54 anos, também teve pés de laranjinha, frutinha utilizada como isca, derrubados. “Algumas são nativas, mas a gente cuidava e vendia a laranjinha para pescador. Eu não reclamei de passarem a cerca, se a terra é deles, é deles. Mas, não precisavam ter feito isso”.

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Para fazer cerca, funcionários da ABBS derrubaram pés de laranjinha nos fundos da casa de Luiza Helena Martinez
Foto: Anahi Zurutuza/Capital News

Isolamento

Moradores contam que não podem mais utilizar, por exemplo, o campo de futebol e a estrada que dá acesso à BR-262.

Se sair ou chegar a Porto Esperança já era complicado, porque a estrada fica intransitável quando chove, do mês passado para cá, moradores não podem sequer tentar usar a via. A estrada, agora, fica dentro da propriedade da ABBS.

O problema é que a relação entre os ribeirinhos e o representante legal da empresa é tensa. As famílias afirmam ter visto homens armados fazendo a segurança da fazenda. “As pessoas ficam com medo de desafiar. Todo mundo está acuado”, ressalta o vice-presidente da associação de moradores.

O custo para ir a Corumbá é alto. Situado a 20 quilômetros por água até a beira da BR-262, para sair de Porto Esperança de barco são necessários 20 litros de gasolina, hoje, cerca de R$ 60. Do ponto de desembarque na rodovia são necessários mais 70 quilômetros de carro até a “Capital do Pantanal”.

"Vai ficando cada vez mais difícil viver aqui, por isso que tem gente indo embora mesmo. Mas, quem vive da pesca, quem é piloteiro de barco para turista, vai viver do quê na cidade?”, questiona Jorge Moreira.

Bons tempos

Porto Esperança já foi ponto estratégico para a chegada e saída de grãos, gado e minério no rio Paraguai. Depois da chegada da ferrovia ao local, em 1917, a comunidade só cresceu. Moravam ali não só os ribeirinhos, mas os trabalhadores da Noroeste do Brasil (NOB). Em 1950, a população de Porto Esperança chegou a 1174 habitantes.

No local, pessoas nasceram e morreram. Mas ainda existem os sobreviventes que, vivendo no mesmo lugar há meio século, ficam sem rumo só de pensar em ter de sair da beira do Rio Paraguai.

Ela mudou-se para lá em 1962. Maria Tereza Bernardes Esteves, 86 anos, criou filhos, netos e bisnetos na palafita em frente ao rio Paraguai e próximo a estação de trem. Apesar da idade, as recordações dos tempos áureos de Porto Esperança não lhe saem da mente. “A gente tinha cartório, tinha delegado, tinha até cadeia aqui, mas eu nunca ouvi fala de crime nenhum em Porto Esperança. A gente fazia festa de Natal, Ano Bom, São João. Sempre foi maravilhoso viver aqui".

Fermesina, que mudou-se para Porto Esperança em 1954, quer passar o restante da vida no local onde ficou viuva, criou os filhos, viveu alegrias e tristezas. “Tenho para onde ir, mas não quero viver na casa do outros”, afirma Fermesina.

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Dona Fermesina diz que só sai de Porto Esperança quando morrer
Foto: Anahi Zurutuza/Capital News

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