Com direito a bolo de aniversário e festa, a rua 14 de Julho comemora hoje (14) 100 anos de existência e de muitas lembranças deixadas na memória de quem acompanhou o desenvolvimento e o crescimento de uma das principais ruas de Campo Grande.
Localizada no coração de Campo Grande, a rua 14 de Julho ainda guarda vestígios de quando começou a receber os primeiros comerciantes. A reportagem do Capital News conversou com alguns comerciantes e registrou um pouco destas histórias que marcaram a vida de muitas pessoas.
Apesar de figurar na primeira planta de Campo Grande em 1905, foi em 1911 que a rua 14 de Julho se tornou reconhecida por meio da liberação do primeiro alvará de comércio.
Logo no início a rua não era asfaltada e nem tão movimentada como atualmente. A largura da rua continua a mesma, porém, a ocupação dela é bem diferente. As fachadas das lojas também tiveram considerável mudança
Foto: Divulgação/Arca
Estendendo-se do Cemitério Municipal Santo Antônio até a Avenida Mascarenhas de Moraes, a 14 de Julho é considerada uma das mais largas e retas ruas de mão única da Capital, com 4,8 quilômetros de extensão. É muito conhecida por ser uma rua de grande volume comercial e pela intensa movimentação de pessoas e mercadorias.
Atualmente, as manifestações na 14 de Julho se restringem aos desfiles cívico e militar. Mas a via movimenta com intensidade a economia de Campo Grande, pois em suas quadras se concentra um comércio típico de ruas centrais das cidades brasileiras, especializado no atendimento da população em geral, composto por lojas de roupas, sapatos, laboratórios fotográficos, óticas, bem como de móveis, colchões, lanchonetes e restaurantes.
Hildebrando Campestrini, professor e historiador presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso do Sul e sócio-correspondente do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro diz que, apesar da rua ainda ser o centro de Campo Grande, ela perdeu o charme. “As lojas de grife se retiraram da 14 e foram para outros lugares, como por exemplo para a rua Euclides da Cunha ou até mesmo para o shopping. Os próprios shoppings estão tirando o lazer da 14. A rua era não só de grife e charme, mas sim de lazer”, comenta o historiador.
Aos 70 anos Campestrini lembra que aos finais de semana a rua era fechada da avenida Afonso Pena até a rua Dom Aquino. “Não podia entrar carro, só a pé. As pessoas passeavam lá, onde o único lazer era ver gente e as lojas bonitas. Hoje ela é uma rua comum que perdeu o movimento aos fins de semana”, ressalta o especialista.
Hildebrando Campestrini historiador afirma que o charme da rua 14 de julho não será mais o mesmo
Foto: Deurico/Arquivo Capital News
A Casa José Abrão foi fundada na década de 40 por José Abrão, um dos pioneiros no comércio de Campo Grande. Comercializava produtos do gênero alimentício e utilidades domésticas. Por volta de 1955, o filho dele, Alberto José Abrão, assume a empresa, que veio a promover algumas mudanças como a ampliação no setor de utilidades domésticas e introdução de ferragens e ferramentas para o campo.
Por volta de 1970, após perceber que os clientes tinham como opção presentear com produtos do setor de utilidades domésticas, resolveu abrir uma loja especializada no ramo de presentes, com opções para casamentos, aniversários, bodas entre outros. Surgiu, então, a Casa José Abrão Presentes.
Em 1994 assume José Alberto Murad Abrão, que promoveu a ampliação e modernização da loja. Aos 52 anos o proprietário relembra um dos principais eventos que costumava ocorrer na rua: o desfile de aniversário de Campo Grande.
Casa José Abrão é administrada pela terceira geração e segue com mais de 70 anos de tradição
Foto: Alessandra Carvalho/Capital News
“O aniversário de Campo Grande era o evento máximo da cidade, o mais importante. Todo mundo aguardava ansiosamente pela data. As pessoas traziam cadeiras, bebidas, alimentos e passavam o dia na rua. Hoje em dia é bem diferente”, comenta Alberto.
Para abastecer o comércio Alberto conta que o avô ia de charrete até a estação ferroviária buscar os produtos. “Antigamente isso aqui era tudo mato. Meu avô pegava a charrete e ia até a estação, estacionava em qualquer lugar que quisesse. Hoje em dia não tem mais lugar, todo mundo tem carro”, compara o empresário.
Outro fato curioso destacado pelo comerciante era a facilidade de comunicação entre as pessoas. “Para andar alguns metros, antigamente meu pai demorava uma hora, pois ia parando para conversar com as pessoas, todos se conheciam. Porém, antes de falecer ele mesmo dizia como as coisas tinham mudado, que ele não tinha mais a mesma conversa com as pessoas e que o mesmo percurso que antes demorava uma hora passou a ser feito em 15 minutos”, relembra.
O domingo na rua 14 de Julho era outro dia muito esperado pelos solteiros da época. Alberto conta que antigamente os homens colocavam a melhor roupa, o melhor terno e passavam o dia na rua paquerando as moças, que também se produziam para caminhar pela 14 e Julho.
Aos 84 anos de idade, Hussen Omais conta que chegou do Líbano há 58 anos e há 53 montou a loja de tecidos na rua 14 de Julho. O filho dele, Roberto Kallil, 46 anos, é quem ajuda o pai na loja. “Antes o comércio era centralizado aqui, hoje está descentralizado, há espaço para todos”, diz Roberto.
Hussen Omais, 84 anos, é proprietário de uma loja de tecidos na rua 14 de Julho há 53 anos
Foto: Alessandra Carvalho/Capital News
Um dos momentos marcantes que Roberto vivenciou na rua 14 de Julho foi a época da divisão do Estado. “Me lembro que saímos da escola e ficamos gritando Campo Grande do Sul. Foi uma época que me marcou bastante, igual o desfile de 7 de setembro”, destaca Roberto ao relembrar do dia.
“No dia 7 de setembro nós acordávamos cedo para ver o desfile na rua 14 de Julho. Eram tanques do exército, soldados, era a coisa mais bonita de se ver, era época da ditadura, marcou minha vida”, conta ele.
Roberto Kallil, 46 anos, filho de Hussen, atualmente ajuda o pai na tradicional loja de tecidos
Foto: Alessandra Carvalho/Capital News
Quem nunca se questionou o que um homem faz andando pelas ruas da cidade com um rádio na mão? Aos 51 anos, Paulinho do Radinho, assim conhecido pela Capital Morena, é considerado personagem folclórico na história da Cidade. Paulinho conta que fixou o ponto de dança desde 1997, no cruzamento da avenida Afonso Pena com a rua 14 de Julho, por acaso.
“Eu tinha sofrido algumas desilusões e estava triste. Fui caminhando pela cidade com o meu rádio, parei um pouco no cruzamento e vários garotos de rua e outras pessoas começaram a me aplaudir. Foi quando pensei que a partir dali iria dançar naquele local para ver o sorriso das pessoas. Acredito que a rua 14 de Julho é a memória viva, o coração de Campo Grande. Grandes coisas aconteceram e acontecem ali”, desabafa o artista.
Há aproximadamente 15 dias Paulinho conta que caminhou durante 40 minutos pela rua 14 de julho, da Mato Grosso até a avenida Afonso Pena para se certificar de algo. “Todas as lojas tocavam música sertaneja. Em plena tarde, por volta das15 horas, todas as lojas da rua tocavam música sertanojo”, brinca ele em referência ao estilo musical.
“Eu não tenho nada contra “sertanjojo”, eu gosto de sertanejo. Parei nas lojas e pedi para os gerentes se não tinha como trocar o estilo das músicas, todos me falaram que não. Não tinha uma rádio tocando samba, rock, só sertanojo. Isso é demais, é querer alugar a cabeça da pessoa”, diz Paulinho ao ressaltar que sente que a rua 14 de Julho está “jogada às traças”. “Ela poderia estar melhor, mas eu moro aqui há tempos, amo a 14, eu chego alí e me dá alegria de ver as pessoas andando. Você ouve cada história. Paro para conversar todos os dias com as pessoas de lá”, conta Paulinho.
Revitalização
O projeto da Revitalização da rua 14 de Julho prevê aumento das calçadas de quatro para nove metros, duas faixas de rolamento, arborização, pavimentação, infraestrutura de drenagem, embutimento da fiação de energia elétrica, melhoria do mobiliário urbano, dentre outros.
Em relação à isso Campestrini diz que é necessário implantar equipamentos de lazer. “A limpeza da poluição é inquestionavelmente muito boa, mas se não forem agregados alguns equipamentos de lazer ela vai continuar como está, uma rua de comércio popular”, diz o historiador ao completar: “A rua 14 de Julho nunca vai voltar ao charme que tinha”.
Foto: Divulgação/ARCA
Vista da rua 14 de Julho. Após 100 anos o comércio local cresceu e se desenvolveu. O fluxo de veículos aumentou e é difícil encontrar uma vaga para estacionar no decorrer da via
Foto: Alessandra Carvalho/Capital News
Comemoração
Com entrada franca, o Projeto “100 anos da 14 de Julho” será realizado hoje, na Praça Ary Coelho, das 8 às 20 horas, com uma diversidade de manifestações culturais. O dia será voltado a atividades de lazer e cultura, com shows musicais, teatro, palestras, exposições de carros antigos e fotografias de época, stands de objetos de artes.
Na ocasião será lançado ainda um livro sobre a rua 14 de Julho, sorteio de prêmios, queima de fogos, bolo comemorativo, arrecadação de brinquedos, agasalhos e mantimentos, entre outras ações.
Estão programados shows musicais com Juci Ibanez, as duplas André & Kadu e Kid & Kenner. O seresteiro Eduardo Simioli, de 84 anos, e exímio conhecedor da história da rua 14 de Julho, assim como o artista Paulo do Radinho também marcarão presença na celebração.
O Coral da Igreja Batista do Conjunto União e o pastor Paulo Barão, da Faculdade Teológica de Mato Grosso do Sul, compõem o calendário de ações programadas para o centenário da 14 de Julho.
Foto: Divulgação/Arca
Por Valquíria Oriqui - Capital News (www.capitalnews.com.br)
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