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ENTREVISTA Domingo, 28 de Agosto de 2022, 08:13 - A | A

Domingo, 28 de Agosto de 2022, 08h:13 - A | A

Entrevista

Campo Grande completa 123 anos com centro lotado de imóveis abandonados

“Capital vira uma cidade-fantasma após o horário comercial”, diz historiadora

Renata Silva
Especial para o Capital News

Deurico/Capital News

123 anos de história: Campo Grande e suas curiosidades

Entre os pontos negativos, está o fato da cidade ter crescido só que em bairros distantes

Na semana que Campo Grande completa 123 anos de trajetória, o Capital News bateu um papo com um dos nomes mais importantes no contexto histórico da capital morena Maria Madalena Dib M Greco. Ela é historiadora, professora e Diretora Executiva responsável pelo acervo técnico do Instituto Histórico e Geográfico do Estado de Mato Grosso do Sul.

Acervo pessoal

Campo Grande completa 123 anos com centro lotado de imóveis abandonados

Maria Madalena Dib Mereb Greco

 

1. Capital News: Nesses 123 anos de Campo Grande, como a senhora avalia o desenvolvimento da capital?
Maria Madalena Dib M Greco: Campo Grande é uma cidade ímpar, você veja, nós ficamos no interior do Brasil, mas tivemos o privilégio de ter uma ferrovia que nos ligava aos grandes centros. Isso foi fundamental para a gente formar esse tecido social que hoje componha a cidade e junto com esse tecido social nós tivemos pessoas, tivemos valores e tecnologias que fizeram da capital uma cidade como ela é hoje.


Campo Grande é uma cidade que embora com o ar de interior, é referência em muitos pontos entre eles o saneamento básico e ruas elaboradas. Nós temos universidades importantes, muitos pontos positivos que eu vejo que só valorizam a nossa cidade.

2. Capital News: Quais são os pontos positivos e negativos nesses anos em Campo Grande?
Maria Madalena Dib M Greco: Os positivos é o que eu te disse, é uma cidade de vanguarda, uma cidade com muitos valores dentro do campo de pesquisa e que empregam aqui na cidade todos esses conhecimentos.


Os pontos negativos é que nós vamos ter que avaliar essa cidade com esse crescimento que ela teve muito alargado. Nós estamos tendo problemas hoje na questão da ocupação, temos ainda injustiças sociais. Mas eu vejo que nós estamos capacitados a resolvê-los.


O ponto negativo é exatamente esse, essa cidade que cresceu na sua franja e hoje nós estamos com um centro aqui que depois que o comércio fecha nós ficamos com o centro fantasma. É quase como se fosse uma cidade diferente dentro de uma grande cidade. Esse é um problema é uma conta que chegou aí que nós vamos ter que resolver.

3. Capital News: A senhora como historiadora, como avalia os nomes que contribuíram para a história da capital, quem são essas pessoas e quais tipos de contribuição elas deixaram?
Maria Madalena Dib M Greco: Olha quando a gente fala de pessoas a gente acaba incorrendo no risco de esquecer alguns nomes importantes, mas eu sempre qualifico pessoas como Rosário Congro que veio como um interventor e quando ele sai deixa uma cidade planejada para o futuro. Nós tivemos juristas, médicos extremamente importantes e competentes. Você vê Campo Grande em 1918 já tinha uma Santa Casa. Nós nos tornamos polo de referência na medicina, nós tivemos pessoas comprometidas com a cidade.

4. Capital News: Vazios urbanos, quais consequências para o desenvolvimento da capital?
Maria Madalena Dib M Greco: A questão do vazio urbano de Campo Grande têm a sua raiz na maneira como foi colocada ocupação aqui no Centro da cidade. Houve um processo na década de 50 e 60 onde aquelas pessoas que não tinham tantos recursos, que não podiam ter moradias que eram compatíveis com aquilo que se imaginava de bonito para cidade, foram alocados nas franjas de Campo Grande. Aí nós temos essa questão você vai montando núcleos, núcleos e núcleos ou fazendo loteamentos mais baratos e vai expulsando essa população aqui das regiões centrais. Hoje nós temos os vazios urbanos, seja pela especulação imobiliária, seja pela falta de uma política que force essas pessoas a construírem ou darem um uso a esses espaços, nós vamos conviver com isso.

Mas uma solução tem que ser dada, isso tem que ser ocupado de alguma forma, tem que fazer ser incorporado a cidade, como edificações ou uso. Eu acho inconcebível Campo Grande ter esses espaços imensos principalmente aqui na área onde é considerada a área de maior valorização Imobiliária. Nós temos que repensar, essa conta tá chegando agora e a cidade vai ter que trabalhar esse problema. Uma consequência muito direta desses vazios urbanos é que você tem que gerar equipamentos para as populações que estão na franja da cidade ou já cidades praticamente constituídas, como é o caso das Moreninhas e Aero rancho. O município acaba que têm que despender de maiores recursos para atender essas populações, sendo que dentro desses espaços vazios, nessas regiões, nós já temos equipamentos instalados como escola, educação, segurança, linha de ônibus, asfalto, etc.

5. Capital News: Volume de imóveis desocupados em Campo Grande, quantos são e quantos ocupados pela população de rua?
Maria Madalena Dib M Greco: Eu não sei quantos imóveis abandonados há em Campo Grande, eu acho que nem a prefeitura sabe, creio que não existe um levantamento oficial disso, mas é uma coisa que já salta os olhos. Você anda aqui pelo centro e o que tem de imóveis para alugar, vender ou imóveis abandonados e que estão sendo ocupados por uma população de rua é vísível. Essas situações geram uma série de problemas entre eles o social, de segurança pública que estão cada vez mais latentes dentro da nossa sociedade. Aqui no centro, só para você ter uma ideia, ao lado do Hotel Gaspar tinha uma universidade e fechou. Você vira a avenida Calógeras, você tem um morador, os demais imóveis, quase que uma quadra inteira, estão todos desocupados ou abandonados. Na Antônio Maria Coelho vai ter uma ótica, novamente uma série de imóveis abandonados ou ocupados, esses são alguns dos exemplos de quantas situações como essa, nós temos em Campo Grande.

6. Capital News: Quais rumos para resolver esse problema?
Maria Madalena Dib M Greco: O que fazer para resolver isso é bem complexo porque você está tratando de imóveis privados. Uma forma de minimizar esse problema seria o poder executivo, o legislativo, criarem algum tipo de ônus para quem tá fazendo exploração Imobiliária ou para essas pessoas que tem esses Imóveis abandonados, para que assim elas tomem alguma providência.

7. Capital News: Como é que se faz isso?
Maria Madalena Dib M Greco: As pessoas só reagem a partir do momento que se mexe no bolso delas. Então se você onerar no IPTU, aplicar multas, não sei qual seria o mecanismo legal, mas você forçaria essas pessoas a tomarem atitude. Se fizer um IPTU diferenciado para quem não está usando o imóvel ou para quem está explorando, esperando valorizar, eu penso que alguma coisa vai acontecer.

Outra solução seria a Prefeitura negociar esses espaços para fazer moradia popular, porque daí nós vamos resolver também um outro problema, que a gente vê todos os dias na mídia que são as pessoas reclamando do sistema integrado de transporte. Nós estamos criando em Campo Grande, um sistema pendular, ou seja, a pessoa vem para o centro, trabalha aqui e vai embora para dormir em casa. Ai ele Depende de uma, duas ou três conduções, isso onera o trabalhador e sobrecarrega o sistema de transporte.

8. Capital News: A senhora então considera que Campo Grande é uma “cidade-fantasma”?
Maria Madalena Dib M Greco: Campo Grande têm uma cidade-fantasma após o horário comercial, dentro de uma grande cidade. Olha como os bairros resolveram o problema: Você anda nos bairros à noite e têm vida, o pequeno comércio está funcionando, as feiras livres estão funcionando, mas aqui no centro não, aqui no centro virou uma cidade-fantasma e está se tornando inseguro caminhar à noite o que vai exigir cada vez mais do Sistema de Segurança Pública estar fazendo patrulhamento. Nós temos que repensar essa cidade, se a data é começar a pensar 123, não sei, eu não vejo solução para agora, mas nós temos que começar a pensar nisso já!

9. Capital News: Soluções para resolver a ocupação do centro da cidade?
Maria Madalena Dib M Greco: Eu acho que vai ter que ser feito um trabalho muito importante, porque ainda nós temos esse sentimento de província. “Eu não quero pessoas que não têm poder aquisitivo alto ou são pessoas mais simples ali por perto”, nós vamos ter que pensar nisso. Eu fiquei chocada quando eu vi a reação dos comerciantes, da população ali da área, daquele quadrilátero do hotel Campo Grande quando disseram que iriam fazer ali moradias populares. Eu ouvi muito a expressão: “Como assim? Vão enfiar uma favela no centro da cidade? Não é favela, são trabalhadores, são pessoas que estarão abrigadas, pessoas que estão produzindo, gerando renda e essa renda, inclusive, que é o que mantém o comércio do bairro, que é essa pequena renda que faz gerar a economia da cidade.

Eu acho que nós temos que repensar Campo Grande, a cidade têm muitas coisas boas acontecendo, a gente ver diariamente a capital sendo citada como uma cidade com os melhores IDHs do país, mas essa inserção, essa inclusão dessas pessoas ela é uma questão crucial para que a gente repense a cidade sabe para os próximos 123 anos.

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