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Nacional Segunda-feira, 29 de Abril de 2019, 11:34 - A | A

Segunda-feira, 29 de Abril de 2019, 11h:34 - A | A

Entrevista

Lula concede entrevista ao jornal EL PAÍS e “Folha de S.Paulo”

As entrevistas aconteceram no dia 26 de abril na prisão, após autorização judicial.

Flavia Andrade
Capital News

Ricardo Stuckert/Lula

Lula concede entrevista ao jornal EL PAÍS e “Folha de S.Paulo”

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Após autorização judicial, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva concedeu a sua primeira entrevista dentro da cadeia, a dois jornais que haviam solicitado o encontro há cerca de sete meses atrás, porém, mesmo com a anuência do ex-presidente, só pôde acontecer após decisão do Supremo Tribunal Federal. 

 

Lula fez um pronunciamento antes do início das perguntas. Durante a entrevista, estiveram presentes na sala, além dos jornalistas, os cinegrafistas Henry Milleo (EL PAÍS), Victor Parolin (Folha), os fotógrafos Isabela Lanave (EL PAÍS), Marlene Bergamo (Folha), Ricardo Stuckert (Lula), Carla Jiménez (diretora do EL PAÍS no Brasil), advogados Cristiano Zanin (PT) e Manuel Caetano (PT), Cezar Brito e Miriam Gonçalves (EL PAÍS), Franklin Martins, ex-ministro da Secretaria de Comunicação de Lula, delegados Rubens e Mauricio Grillo, da Polícia Federal de Curitiba, Paulo Roberto da Silva, chefe da Comunicação da PF, além de três agentes de segurança.

 

Leia a íntegra da entrevista concedida pelo ex-presidente Lula aos jornalistas Florestan Fernandes Júnior, do EL PAÍS, e Mônica Bergamo, da Folha de S.Paulo, em 26 de abril:

Veja a íntegra

 

Pergunta. A gente queria começar falando da prisão do senhor, que foi um dia histórico. O que passou pela cabeça do senhor quando estava sendo preso e sendo conduzido para a prisão?

 

Resposta. Durante todo o processo, eu não sei se cheguei a conversar com você, mas sempre tive certeza, desde que começaram os discursos e o processo da Lava Jato, de que tinha um objetivo central, que ia chegar em mim. Aliás, uma amiga nossa, jornalista importante, Tereza Cruvinel, escreveu um artigo importante em que ela falava: "o que eles querem na verdade é o Lula". Isso foi ficando patente em todos os depoimentos, vocês estão lembrados que a imprensa retratava: prenderam fulano, ah, vai chegar no Lula, prenderam fulano, ah, vai chegar no Lula. Prenderam fulano.. E muita gente que era presa, a primeira pergunta que faziam era: você conhece o Lula? Você é amigo do Lula? Você fez alguma coisa? Todo mundo. E eu sabia disso porque a imprensa retratava, as pessoas contavam, sabia disso porque advogado conversava com advogado. Foi ficando patético que o objetivo era chegar em mim. Tinha companheiros no PT que não gostavam quando eu dizia isso, sabe, eles vão chegar em mim e depois vão caminhar para criminalizar o PT. Pois bem, quando ficou claro que o objetivo central era efetivamente...Tinha muita gente que achava que eu deveria sair do Brasil, ir para uma embaixada, muita gente achava que eu deveria fugir. Eu tomei como decisão que meu lugar é aqui. Eu tenho tanta obsessão de desmascarar o Moro, desmascarar o Dallagnol e a sua turma e desmascarar aqueles que me condenaram, que eu ficarei preso cem anos, mas eu não trocarei a minha dignidade pela minha liberdade. Eu quero provar a farsa montada. Eu quero provar. Montada aqui dentro, no departamento de Justiça dos Estados Unidos, com depoimento de procuradores, com filme gravado, e agora mais agravado com a criação da fundação Criança Esperança do Dallagnol, pegando 2,5 bilhões de reais da Petrobras para criar uma fundação para ele. Fora 6,8 bilhões da Odebrecht e fora não sei quantas outras coisas. Eu tenho uma obsessão, você sabe que eu não tenho ódio, não guardo mágoa, porque, na minha idade, quando a gente fica com ódio a gente morre antes. Como eu quero viver até os 120 anos, porque acho que sou um ser humano que nasceu para ir até os 120, eu vou trabalhar muito para mostrar a minha inocência e a farsa que foi montada. Por isso eu vim para cá com muita tranquilidade. Havia uma briga no sindicato aquele dia entre os que queriam que eu viesse e os que não queriam. E eu tomei a decisão. Eu falei: eu vou, eu vou lá. Eu não vou esperar que eles venham até mim, eu vou até eles, porque eu quero ficar preso perto do Moro. O Moro saiu daqui. Mas eu quero ficar. Porque eu tenho que provar minha inocência.

 

P. Pode ser que o senhor fique aqui para sempre. Mesmo assim, o senhor acha que tomou a decisão correta?

 

R. Tomaria outra vez.

 

P. O senhor já pensou que pode ficar aqui para sempre?

 

Não tem problema. Eu tenho certeza que eu durmo todo dia com a minha consciência tranquila. Tenho certeza que o Dallagnol não dorme, que o Moro não dorme. E aqueles juízes do TRF4 que nem leram a sentença. Fizeram um acordo lá, era melhor que um só um tivesse lido e ter falado todo mundo aqui vota igual. Então eu quero, sinceramente. Quem tem 73 anos de idade, quem construiu a vida que eu construí neste país, quem estabeleceu as relações que eu estabeleci, quem fez o Governo que eu fiz nesse país, quem recuperou o orgulho e a auto estima do povo brasileiro como eu e vocês fizemos no meu período de Governo, não vou me entregar. Então eles sabem que tem aqui um pernambucano teimoso. Eu digo sempre, quem nasceu em Pernambuco e não morreu de fome até os cinco anos de idade, não se curva mais a nada. Você pensa que eu não gostaria de estar em casa? Eu adoraria estar em casa com a minha mulher, com o meus filhos, meus netos, com meus companheiros. Mas não faço nenhuma questão. Porque eu quero sair daqui com a cabeça erguida como eu entrei. Inocente. E eu só posso fazer isso se eu tiver coragem e lutar por isso.

 

P. Recentemente, o ministro Paulo Guedes disse que o senhor não cometeu nenhum crime, que não roubou. O ministro do Bolsonaro admitiu isso. Depois, o Marco Aurélio disse, recentemente, que não vê indícios de crime no triplex do Guarujá. E o Maurício Dieter, um dos maiores criminalistas, disse que não há crime material. O senhor acredita que com a devolução do dinheiro que foi pago pela sua esposa por esse triplex, você pode tentar conseguir sua absolvição, é possível isso? Você acredita nisso?

 

R. Por incrível que pareça, eu acredito. Sabe que nessas coisas eu continuo com a cabeça de Lulinha paz e amor. Eu acredito na construção de um mundo melhor, num mundo de Justiça. O que eu penso na vida? Penso que haverá um dia em que as pessoas que irão me julgar estarão preocupados com os autos do processo, com as provas contidas no processo, e não com a manchete do Jornal Nacional, com as capas das revistas, não com as mentiras do fake news. As pessoas se comportarão como juízes supremos de uma corte, que é a única coisa que a gente não pode recorrer. E que já tomou decisão muito importante. Essa Corte votou, por exemplo, células-tronco, contra boa parte da Igreja Católica. Já votou a questão Raposa Serra do Sol contra os poderosos do arroz no Estado de Roraima. Essa mesma corte votou união civil contra todo o preconceito evangélico. Essa corte votou as cotas para que os negros pudessem entrar. Ela já demonstrou que teve coragem e se comportou. Ora, no meu caso, a única coisa que eu quero é que vote com relação aos autos do processo. Eu não peço favor a ninguém, eu não quero favor de ninguém, eu não quero. Só quero, pelo amor de Deus, que as pessoas julguem, julguem em funções das provas. Eu tenho certeza, o Moro tem certeza. Se as pessoas não confessarem agora, no dia da extrema unção a gente vai confessar. Ele tem certeza que eu sou inocente. O Dallagnol ele tem certeza que é mentiroso. Eu tô aqui, meu caro, para procurar justiça, para provar a minha inocência, mas estou muito mais preocupado com o que está acontecendo com o povo brasileiro. Porque eu posso brigar, mas o povo nem sempre pode.

 

P. O senhor, durante esse um ano, passou por dois momentos de muita tristeza, que foi a morte do seu irmão e depois a morte do seu neto, Arthur. O que, para o senhor, depois de viver isso, o que fica da vida do senhor?

 

P. Olha Florestan, eu vou contar uma coisa para você. Esses dois momentos foram os mais graves. Eu poderia incluir a perda de um companheiro como o Sigmaringa Seixas, que foi meu companheiro de dezenas e dezenas de anos. E a morte do meu irmão Vavá, o Vavá é como se fosse um pai da família toda. E a morte do meu neto foi uma coisa que efetivamente não, não, não… [pausa e chora]. Eu às vezes penso que seria tão mais fácil que eu tivesse morrido. Porque eu já vivi 73 anos, eu poderia morrer e deixar meu neto viver. Mas não é. Não são apenas esses momentos que deixam a gente triste, sabe? Eu sou um homem que tenta ser alegre, tento trabalhar muito a questão do ódio, tento sabe, trabalho muito para vencer essa questão do ódio, essa mágoa profunda. Eu quando vejo essa gente que me condenou na televisão, sabendo que eles são mentirosos, sabendo que eles forjaram uma história, aquela história do power point do Dallagnol, aquilo nem o bisneto dele vai acreditar naquilo. Esse messianismo ignorante, sabe? Então eu tenho muitos momentos de tristeza aqui. Mas o que me mantém vivo, e é isso que eles têm que saber, eu tenho um compromisso com esse país, eu tenho um compromisso com esse povo. E eu to vendo o que e obsessão que está acontecendo agora, a obsessão de destruir a soberania nacional, a obsessão de destruir empregos, a obsessão de juntar um trilhão pra quê? Às custas dos aposentados? Se eles lessem alguma coisa, se eles conversassem, eles saberiam que esse cidadão aqui semianalfabeto, quarto ano primário, curso de torneiro mecânico, juntou trezentos e setenta bilhões de dólares de reserva que a 4 reais o dólar dá mais de um trilhão e duzentos sem causar nenhum prejuízo a nenhum brasileiro. Então, se eles querem juntar um trilhão tem uma fórmula secreta: coloque o povo no orçamento da União. Segundo, gere emprego. Terceiro: gere crédito pra pessoas. ‘Ah , mas o povo tá devendo? Tá.’ Tire o penduricalho da dívida do povo e ele paga apenas o principal no banco e você vai perceber que as pessoas voltam a poder comprar. Um país que não gera emprego, não gera salário, não gera renda, quer pegar dos aposentados, dos velhinhos, um trilhão? O Guedes precisava criar vergonha. Onde que ele fez esse curso de economia dele? Se ele quiser me visitar aqui eu discuto com ele como a gente resolve esse problema dos pobres sem causar prejuízo aos pobres. Por que que não mostra os privilegiados que ele fala que vai acabar com o privilégio? Coloca a lista no jornal de dez privilegiados. Coloca nome, CPF. Não, é o coitado que vai ter que trabalhar até os 65 anos, que vai ter que contribuir 40 anos. Ele não percebe que tem muita gente que morre antes de chegar nessa idade. Então eu lamento profundamente o desastre que está acontecendo nesse país e é por isso que eu me mantenho em pé. O dia que eu sair daqui, eles sabem: eu estarei com o pé na estrada. Para junto com esse povo levantar a cabeça e não deixar entregar o Brasil aos americanos. Acabar com esse complexo de vira-lata. Nunca vi um presidente bater continência para a bandeira americana. Nunca vi um presidente dizer 'eu amo os Estados Unidos'. Ama sua mãe, ama o seu país. Alguém acha que os EUA vão favorecer o Brasil? Americano pensa em americano em primeiro, segundo, terceiro, quarto e quinto lugar. E se sobrar tempo, pensa em americano. E fica os lacaios brasileiros achando que os americanos vão fazer alguma coisa por nós. Quem tem que fazer por nós somos nós. Acabar com o complexo de vira-lata, levantar a cabeça e a solução dos problemas do Brasil está dentro do Brasil.

 

P. Queria saber como é a rotina do senhor. O senhor passa muitos momentos sozinho?

 

R. Passo o tempo inteiro sozinho.

 

P. Já tive a oportunidade de entrevistar algumas pessoas presas, mas que tinham outras pessoas. E como é essa coisa do tempo não passar?

 

R. Eu leio. Eu vejo pen drive que o pessoal me manda. Assisto a muitos filmes, muitas séries, muitos discursos, muitas aulas. Por exemplo, fiz na minha cela - que trato como sala porque é melhor, não como cela - um curso sobre Canudos. O canal Paz e Bem tem um curso recontando as histórias, mostrando as mentiras que Euclides da Cunha contou sobre Canudos. A história não é aquela. Fiz um curso de oito aulas. Sugeri ao Mauro Lopes, do canal Paz e Bem, um curso retratos do Brasil sobre todas as lutas sociais do Brasil. E agora acho que toda segunda-feira tem uma aula. Eu espero juntar umas quatro ou cinco, recebo um pen drive, vou assistindo e vou me aprimorando. Quando eu sair daqui, sairei doutor.

 

P. Na sua rotina, o senhor lava sua roupa, lava suas próprias coisas? E a prisão mudou o senhor em alguma coisa?

 

R. É engraçado, eu sempre tive vontade de morar sozinho. Quando fiquei viúvo a primeira vez, em 1971, eu fiquei bravo com a minha mãe, porque meu sonho era alugar uma quitinete e morar sozinho. Minha mãe morava com a minha irmã, ela abandonou a minha irmã, foi na minha casa e exigiu que eu alugasse uma casa para ela morar comigo. E eu morei com a minha mãe por três anos e meio. Sabe aquele sonho que nunca tive? Jogar a cueca para qualquer lado, a camiseta para qualquer lado, a meia para qualquer lado. Não ter que prestar conta, não ter ninguém atrás de mim. Colhe, recolhe, põe na gaveta, põe no chuveiro. Hoje, eu faço isso. Mas eu preencho meu tempo vendo muita coisa. Não lavo as minhas roupas; mando para o meu pessoal lavar. Mas eu curto a solidão tentando aprender e mentalizar minha espiritualidade. Tentar gostar mais do ser humano. Ficar um pouco mais humano. Acho que vou sair daqui melhor do que entrei, com menos raiva das pessoas. Vou sair um cidadão bom daqui. E motivado para brigar. Estou doido para fazer uma caravana.

 

P. Tem um grupo de militantes aí na porta que dizem bom dia, boa tarde e boa noite para o senhor todos os dias. O senhor escuta esse grito? Como é para o senhor?

 

R. Escuto todo santo dia. Quando tem atividade, que eles colocam um carro de som um pouquinho melhor, eu escuto o discurso das 9h às 21h. Eu sinceramente não sei como um dia eu vou poder agradecer essa gente. Tem gente que está aqui exatamente desde o dia que eu cheguei. Vai para a casa, lava a roupa e volta. Então eu serei eternamente grato. Não sei se isso já aconteceu alguma vez na história com alguém, mas eu não sei o que fazer para agradecer. Já disse para todos que certamente a polícia tem as suas regras, o meu pessoal tem as suas regras, mas quando eu sair daqui quero sair a pé e ir lá no meio deles. A primeira cachaça eu quero tomar com eles. E brindar.

 

P. Vamos falar um pouco de política nacional. Seu partido perdeu a eleição ano passado e a extrema direita chega ao poder com o voto de muitos eleitores que eram do PT. Como o senhor avalia essa guinada à direita de um eleitorado que era tão grato à sua administração?

 

R. Vamos relativizar tudo isso, porque uma das coisas que eu esqueci de falar, uma das condições que fez com que eu também viesse pra cá, era porque não havia nenhum advogado naquele instante que não garantisse que eu disputaria as eleições sub judice, tá. Havia uma certeza de muitos juristas de que não haveria como impedir minha candidatura, mesmo condenado eu poderia concorrer sub judice. E eu tinha certeza e tava com um orgulho muito grande de ganhar as eleições de dentro da cadeia. É importante lembrar que eu cresci 16 pontos aqui dentro, sem poder falar. Aí, quando o ministro Barroso fez aquela loucura, que eu tive que assinar uma carta dizendo para o Haddad ser o candidato, ai eu senti que nós estaríamos correndo risco, porque a transferência de votos não é algo simples, não é automática, leva tempo e eu também tinha certeza que o Haddad poderia representar muito bem a candidatura como ele representou.

 

Tivemos uma eleição atípica no Brasil. Vamos ser francos. O papel do fake news na campanha, a quantidade de mentira, a robotização da campanha na Internet foi uma coisa maluca. E depois a falta de sensibilidade dos setores de esquerda de não se unir. A coisa foi tão maluca que a Marina Silva, que quase foi presidenta em 2014, teve 1% dos votos. A coisa é tão maluca que muita gente, e eu respeito o voto do povo, o povo não é bom só quem vota em mim, mas a verdade é que o povo votou, eu nunca tinha visto o povo, eu não pude nem votar, então conta um voto a menos para o Haddad, porque eu não pude votar. Eu nunca tinha visto o povo com tanto ódio nas ruas. Eu fui muito a estádio de futebol. Todo mundo sabe que sou corintiano, eu ia com palmeirense, santista, palmeirense, são-paulino, e a gente brincava, brigava, mas agora era uma loucura, era questão de ódio. Eu tenho acompanhado, está no mundo inteiro assim.

 

A política está efetivamente demonizada, e vai se levar um tempo muito grande para gente poder tratar a política com seriedade, veja o caso do Brasil. O que você tem visto nesses quatro meses? Eu não esperava que o Bolsonaro fosse resolver o problema do Brasil em 4 meses, só propõe fazer análise de cem dias quem nunca governou. Quem acha que, em cem dias, pode apresentar alguma coisa, ele realmente não aprendeu a sentar a bunda na cadeira. E, depois, com a família que ele tem, com a loucura que tem. O inimigo central dele, além o PT, que é o primeiro inimigo dele, é o vice. Quer dizer, é uma loucura. Ele passar a agredir os deputados, depois tenta agradar os deputados, diz que está fazendo a nova política, e ele faz a mesma, porque ele é um velho político. Então, o país está subordinado à ingovernabilidade. Está desgovernado. Ele até agora não sabe o que fazer, e quem dita regras é o Guedes. O homem de um trilhão. Todo santo dia, eu vejo o jornal das 19h, das 20h, das 21h, das 23h, do meio dia, em todos os canais. Nunca vi tanto jornal na vida. É tudo a mesma coisa. Parece as sentenças que dão contra mim. E é tudo a reforma da Previdência. Fez a reforma da previdência acabou o problema do Brasil, todo mundo vai ficar maravilhosamente bem. E eu acho que todo mundo vai se lascar se aprovada a Previdência tal como ele quer. Se a Previdência precisa de reforma, você senta com os trabalhadores e os atores empresários, aposentados, políticos, e encontra uma solução para arrumar onde tem que arrumar.

 

P.  Há um diagnóstico de analistas de que a população tem motivos para votar contra a política, dá pra culpar esse ou aquele? Houve corrupção, muitas coisas foram comprovadas, que autocritica o senhor faz depois de todo esse tempo? Erros do PT, como o PT sem o senhor vai para frente?

 

R. Obviamente que nós reconhecemos que perdemos as eleições. Agora, é importante lembrar a força do PT. Porque, só eu pessoalmente, tenho mais de 80 capas de revista contra mim. Quando fui preso, tinha 80 horas de Jornal Nacional contra mim. Mais 80 horas de Record, mais 80 horas de SBT, mais 80 da Bandeirantes. E eles não conseguiram me destruir. Isso significa que o PT tem uma força muito grande. O PT não foi destruído, o PT perdeu uma eleição. O PT provou que é o único partido que existe nesse país enquanto partido político. Quando você falar em partido político no país, você lembra do PT. O resto é sigla de interesses eleitorais em momentos certos. Quem acabou foi o PSDB. Esse acabou. Esse foi dizimado. Então veja, o PT perdeu as eleições, acho que o PT deve ter cometido erros durante nossos governos, devemos ter cometidos erros...

 

P. A parte da corrupção?

 

R. Veja, o Ayrton Senna cometeu um erro só e morreu... Ela [corrupção] pode ter havido, mas que se façam provas. Teve corrupção, você investiga, faz acusação, provou e está condenado. Fomos nós do PT que criamos todos os mecanismos para apurar a corrupção. Não foi nenhum adversário, fomos nós. Não foi o Moro. Foi o PT, no Governo Lula e Dilma, com Marcio Thomas Bastos, Tarso Genro mais José Eduardo Cardozo [ministros da Justiça petistas] que criou todos os mecanismos para garantir fortalecimento da PF com investimento em mais gente e mais inteligência, fortalecimento e independência do ministério público, transparência que nos criamos e eles acabaram agora. Com a transparência era possível saber o papel que a presidenta usava. Porque a gente queria transparência, e combater a corrupção é uma marca do PT. Se alguém do PT cometeu um erro, tem que pagar. O que queremos é que se apure, se investigue. Na hora que for investigado e for julgado, foi condenado... Eu falo por mim. Desafio Moro, Dallagnol, desafio 209 milhões de brasileiros, a provar minha culpa.

 

P. Eu queria entrar no mérito do caso do sítio, a reforma foi feita e o senhor usufruiu dessa reforma, não houve um erro?

 

R. Deixa eu falar: eu poderia ter aceito e nunca ter ido àquele sítio. Então eu cometi o erro de ir no sítio. Eu disse, e está provado, que eu fiquei sabendo daquele maldito sítio dia 15 de janeiro de 2011. E o sitio tinha dono, dono, pré-dono, e bidono. O Jacó Bittar era meu amigo de 40 anos, ele comprou o sítio no nome do filho dele com cheque dado pela Caixa Econômica Federal, e a polícia sabe disso. A Polícia investigou. Nós tivemos policiais e procuradores visitando casa de trabalhador rural, casa de pedreiro, casa de caseiro, perguntaram até para as galinhas ‘você conhece o Lula?’. ‘Você sabe se o Lula é dono?’. E nem as galinhas falaram. Porque eu não era dono. Se eu quisesse, eu podia comprar. Se eu cometi o erro de ir a um sítio que alguém pediu e a OAS reformou, alguém pediu e a Odebrecht reformou, então vamos discutir a questão ética, e não de corrupção. É outra questão. Acontece que o impeachment, a cassação da Dilma e o golpe não fecharia com o Lula em liberdade. Então, qual é o meu incomodo? Se eu estivesse aqui preso e o salário mínimo tivesse dobrado [as pessoas poderiam falar] poxa, o Lula é um desgraçado, ele foi preso e o salário dobrou. Mas não: acabaram agora com o aumento real do salário mínimo. Se eu estivesse aqui e o povo estivesse trabalhando com carteira assinada, mas não, inventaram agora um a história de carteira verde e amarela. Você vai receber logo. Verde amarela se você quiser, ter uma aposentadoria você pagando pelo banco ou ter aposentadoria normal. Essa opção é mentirosa. Nenhum empresário vai contratar trabalhador que não esteja com carteira verde amarela. Foi assim com Fundo de Garantia, eu estava dentro da fábrica em 1967. O patrão chegava e dizia ‘você vai fazer opção pelo Fundo de Garantia ou estabilidade?’. Vou ficar na estabilidade. Então, fora. Era assim. Essa gente pensa que o povo é imbecil pra ficar mentindo o tempo inteiro para o povo. 

 

Quando você fala em autocrítica pra mim eu acho que... Eu, por exemplo, acho que tive um erro grave. Eu poderia ter feito a regulamentação dos meios de comunicação. Fizemos um Congresso em 2009, só participou a Bandeirantes e a Rede TV se não me falha a memória, sabe, nenhuma outra TV participou, muitas rádios participaram, e, em junho de 2010, nós preparamos uma regulamentação dos meios de comunicação. Ao invés de dar entrada no Congresso, porque iria ter eleição, eu pensei "não, vou deixar para o novo Governo". A razão pela qual a Dilma não entrou, não sei. Então, essa é uma autocrítica que eu faço. Agora, pergunte o seguinte: imagina se todo mundo nesse Brasil fizesse uma autocrítica. A elite brasileira deveria estar fazendo agora uma autocrítica. ‘Puxa vida, como é que a gente ganhou tanto dinheiro no Governo do Lula? Como é que o povo pobre vivia tão bem? Como é que o povo pobre estava viajando pro Piauí, pra Sergipe, pra Garanhuns, e agora nem de ônibus pode viajar?’. Vamos fazer uma autocritica por causa do que aconteceu em 2018 na eleição. Vamos fazer uma autocritica geral. O que não se pode é esse país estar governado por esse bando de maluco que governa o país. O país não merece isso e o povo não merece isso.

 

P. A Odebrecht admitiu ter pago propina no Peru em troca de obtenção de contrato. A Transparência Internacional destaca que houve um ‘fordismo da corrupção’, com milhões de dólares distribuídos em vários países, e que o esquema da Odebrecht foi feito com o apoio do BNDES. Todo o esquema global contava com financiamento de campanha em países alinhados com o PT...

 

R.  Quem está falando isso?

 

P. A Transparência Internacional...

 

R. Com base no que?

 

P. Eles levantaram esses dados...

 

R. Devem ter lido no jornal O Globo. Só pode ser. Deixa eu lhe contar uma coisa. O presidente da República ele não tem como interferir na burocracia do BNDES para empréstimo. O BNDES foi criado para financiar o desenvolvimento brasileiro. Lembro do tempo do FHC, quando fiz a campanha em 2006, o Alckmin tentou dizer que ‘o Lula financia o metrô de Caracas, enquanto não financia o meu aqui’. E eu lembrei pra ele que quem tinha feito o acordo para financiar o metrô de Caracas foi o FHC, e fez bem. Quando o Brasil financia o desenvolvimento de um país através do BNDES, o Brasil está exportando serviços, está exportando engenharia, máquinas, está vendendo coisas para lá. É um ganho extraordinário para um país que quer ter importância no mundo. O BNDES tem uma burocracia onde o presidente da República não decide. Tem uma coisa chamada COFIEX e COFIG que participam ministro das Relações Exteriores, da Fazenda, 500 ministros participam para tomar as decisões. Só quem não participa é o presidente. E eu sou favorável a que o BNDES empreste dinheiro para o desenvolvimento dos países africanos e latino americanos. Sou favorável.

 

P. O senhor se sente injustiçado por esses empresários? Eles cresceram muito, se tornaram multinacionais e depois fazem delações premiadas contra o PT e o senhor...

 

R. Não fico com raiva pelo seguinte: tenho desafiado os empresários a dizer quem me deu cinco centavos. O Leo [Pinheiro], que estava preso aqui e fez a denúncia contra mim, passou três anos dizendo uma coisa e depois mudou o discurso. Meu advogado perguntou o porquê disso e ele disse ‘meu advogado me orientou’. E o que ele falou: ‘Lula sabia’. E agora o que está provado? Que a OAS gastou seis milhões de reais para uniformizar o discurso de seus funcionários com as delações. Então, como é que eu posso levar a sério isso? Não posso. O que eu posso dizer é que haverá tempo suficiente para que a gente faça uma investigação. Qual a intromissão do Departamento de Justiça dos Estados Unidos nesta investigação? Qual o interesse dos americanos na Petrobras? Os americanos, foi só a gente anunciar o pré-sal que eles recuperaram a quarta frota que funcionou na Segunda Guerra Mundial. Qual foi a resposta que eu dei? Criei o Conselho Sul-americano de Defesa, para juntar nossos Exércitos aqui contra a intromissão dos EUA. Então a coisa que mais acontece no Brasil é denúncia. Sou favorável que todas sejam apuradas, todo mundo sabe que, quando eu era presidente era contra policial federal investigar e denunciar antes de ter a prova. A coisa mais fácil do mundo é a imprensa investigar para você, e aqui no Brasil virou norma. Você é condenado pela manchete dos jornais. Quando o processo sair, se ficar provado que você não cometeu nada, você já está condenado. Você não sai mais na rua, seus filhos não vão mais à escola. Estou achando estranho essa tal dessa milícia do Bolsonaro.. Cadê aquele cidadão dos sete milhões? Aquele cara que é esperto para fazer dinheiro? Como é o nome dele? Queiroz. Cadê a imprensa que não vai atrás dele? O Brasil tem dois pesos e duas medidas. A vinda do Netanyahu aqui deve ter sido pra pagar a conta...

 

Eu, ex-presidente da Republica, foram na minha casa, recebi vários policiais na minha casa para fazer apreensão. O seu Queiroz não atende nenhum pedido do MP, e a polícia federal não foi buscar ele ainda. Um cidadão... Os policiais do exército dão 80 tiros num carro, matam um negro, e vai perguntar para o ministro da Justiça e ele fala ‘isso pode acontecer’. Ora, que país que nós estamos? O que o povo espera deste país? Então é isso, eu não tenho o direito de baixar a cabeça, ficar esmorecido, fraquejar, estou mais tinhoso que nunca. Respeito todo mundo, tenho apreço por todo mundo. Mas se tem um cidadão nesse país que vai continuar lutando para restabelecer a verdade nesse país sou eu.

 

P. Como o senhor recebeu a notícia sobre a morte do Alan Garcia no Peru?

 

R.  Você sabe que eu nunca consegui entender a morte do Getúlio Vargas. O último filme que eu assisti do Getúlio foi esse feito com o Tony Ramos, que é um bom filme. Eu lembro que, em 2005, em uma plenária com empresários no Alvorada eu falei ‘olha, quero que vocês saibam como sou: eu não vou me matar, porque eu não tenho vocação pra Getúlio. Eu não vou correr, porque não tenho vocação de pedir asilo político. Se alguém quiser me pegar, vai me pegar nesse país, e vai me pegar na rua, porque vou enfrentar na rua. E comecei a ir pra rua. Isso em junho de 2005. É, por isso, que eu ganhei em 2006 e, orgulhosamente, terminei meu mandato com 87% de bom e ótimo 10% de regular e 3% de ruim e péssimo que deve ter sido lá no condomínio do Bolsonaro e na sede do PSDB. Então eu efetivamente estou convencido que nós temos que lutar...

 

P. Mas e o Alan Garcia?

 

R. O Alan Garcia teve uma reação psicológica que muita gente teve, como nosso reitor da UFSC... Não é todo mundo que aguenta. Você quer saber uma coisa? A Marisa morreu por conta disso. Quem está falando é um homem de 73 anos de idade. A dona Marisa morreu por conta do que fizeram com ela e com os filhos dela. Dona Marisa perdeu motivação de vida, não saía mais de casa, não queria mais conversar nada. O AVC dela foi por isso. Agora, não pense que por causa disso vou ficar com o coração cheio de ódio, não, aqui tem muito lugar para amor. E o Alan Garcia não deve ter suportado. Não sei qual era a acusação contra ele, mas ele tinha saído muito mal do governo. O Peru tem uma coisa engraçada, o país cresceu 5% ao ano na mão do Toledo, do Alan Garcia, e eles terminam o mandato com 10% de aprovação. Por quê? Porque, como eles exportam tudo para os EUA, eles crescem, mas não tem distribuição de renda. Então, o país cresce a 5% e a miséria cresce a 10%. Então, eles não conseguiram ter candidato, nem o Toledo nem o Garcia. Então, eu sinceramente não sei...

 

Tem que ter muita decisão. Eu sei o que eu passei. Você não tem noção do que é passar seis meses esperando todo santo dia que a policia fosse à sua casa. Todo santo dia. Seis meses. E, de repente, você vê a polícia chegar com uma desfaçatez, todo mundo com maquina fotográfica no peito para tirar fotografia. Deveriam ter mostrado a quantidade de dólar que acharam na minha casa. A quantidade de joias que acharam de dona Marisa. Deveriam ter tirado foto e mostrado para a Globo. Enfiaram o rabo no meio das pernas, porque não encontraram nada. E a imprensa não fala que não encontraram nada na casa do Lula. É duro. Não queira que isso aconteça com você. Conheço casos de pessoas que estavam em cadeira de rodas, pediam para ir no banheiro e diziam ‘se você não falar o nome do Lula, não vai ao banheiro’. Tenho muita motivação para estar vivo. Estar vivo e não fazer nenhuma loucura é a forma que eu encontrei de ajudar esse país a se reencontrar com a democracia, se reencontrar com o amor, se reencontrar com a paz. Esse povo tem o direito de ser feliz, tem o direito de viver bem. Então é pra isso que eu existo, e pra isso vou lutar até o ultimo dia da minha vida.

 

Diga-me o seguinte: ‘Lula, você está livre, vai morar nas Bahamas, vamos alugar uma casa pra você lá você vai ter água de coco todo dia de manha. O compromisso é você não fazer política’. Eu digo o seguinte: vou ficar aqui, sem água de coco, sem Bahamas na esperança de que eu vou andar por esse país levantando a cabeça do meu povo pra gente conquistar direitos. O povo tem que tomar café da manhã, almoçar e jantar todo dia e, se puder, comer bolachinha no meio da tarde com café com leite. E, se puder, um lanchinho 22h antes de dormir. Quero que o povo vá ao teatro, ao cinema. Tem coisa mais maravilhosa do que o pobre pegar o avião. Não sabe nem como entra no banheiro, mas pega o avião e vai pra sua terra. E é, por isso, que eu vou brigar, e por isso que eu sei que tem muita gente e que não gosta de mim. Por isso, estou aqui de cabeça erguida, estou aqui com orgulho de defender o povo. Mas gostaria de estar fora, com meus netos e meus filhos.

 

P. Quem o senhor vê como seu principal adversário? Bolsonaro? Moro? Militares?

 

R. A vida inteira vocês gozaram de mim porque eu falava ‘menas laranja’. Mas o Moro falar ‘conge’ é uma vergonha. Sinceramente. É o mínimo que deveria saber, porque está escrito no código penal,  vários artigos que falam de cônjuge. O Moro não sobrevive na política. E o Bolsonaro ou ele constrói um partido político sólido, ou do jeito que está não perdura muito, porque ali você tem uma quantidade difusa de interesses. É só pegar a quantidade de siglas para alguém que diz que não gosta de política. O sujeito é deputado 27 anos e diz que não gosta de política. Não sei como você faz filho vereador, deputado, senador e você não gosta de política. Então, ele vai ter que ter muita capacidade de articulação, muita vontade, vai ter quer gostar muito de política para dar certo. A chance dele dar certo é a chance do Brasil da certo. O povo tem paciência, mas não tem toda a paciência do mundo.

 

P. Mas pode dar certo, não pode?

 

R. Não sei. Do jeito que está fazendo, não pode dar querida. Não há condições de dar. Veja, você diminui a renda per capita da sociedade, você diminui o salário mínimo, você diminui a possibilidade de oferta de emprego e você acha que tudo vai ser resolvido com um trilhão para a Previdência, para o sistema financeiro? Vai dar certo onde? Sabe o que dá certo? Dá certo se fizer como nós fizemos. Legalizamos e formalizamos seis milhões de microempreendedores individuais. Sabe por que a Previdência era superavitária no meu governo? Porque teve 20 milhões de pessoas trabalhando com carteira profissional assinada, porque teve seis milhões de microempreendedores individuais formalizados, porque o Brasil quadruplicou as exportações. Sabe? Então, se o país não crescer… você está lembrada que eu criei uma coisa chamada Primeiro Emprego? Foi uma farsa aquilo, coitado, uma loucura que eu achava que fazendo uma lei criando o primeiro emprego e pedindo para os empresários que eu ia pagar 200 reais e eles gerariam emprego. Nenhum empresário gera emprego porque eu estou dando 200 reais para ele. O que vai gerar emprego é quando eu fiz os puxadinhos da Caixa Econômica Federal, que eu fiz financiamento para construir um puxadinho, surgiram no mesmo ano dez fábricas novas de cimento no Brasil.

 

Então, quando você faz a economia, o povo come um pãozinho a mais, toma um cafezinho a mais, toma uma cervejinha a mais, ganha um real a mais, compra um chinelo a mais, aí você começa a gerar emprego no país. Agora, do jeito que eles estão fazendo, inclusive brigando com os nossos principais parceiros comerciais, sabe? Desprezando a América do Sul, desprezando… O nosso comércio com a Argentina é maior do que com todos os países da Europa. Como é que você vai desprezar o nosso comércio com a Argentina, com o Mercosul? Esse cara não entende de nada. Mas também o ministro que ele tem nas Relações Exteriores… Ele foi encomendado. Saudade do Silveirinha no tempo do Geisel, que teve a coragem de reconhecer a Angola, sabe? Esse cidadão que está aí, sinceramente, o Celso Amorim deve essa para nós… Como é que deixa um cara desse na carreira do Itamaraty?

 

P. Presidente, só para retomar: e os militares? Eu perguntei sobre Moro, Bolsonaro…

 

R. Sabe uma coisa que eu tenho vontade? Quando eu sair daqui, eu quero conversar com os militares. Eu tenho vontade de perguntar para o chefe da Marinha, para o chefe da Aeronáutica e para o chefe do Exército qual o presidente da República que fez mais coisa para eles do que eu fiz. Eu quero perguntar para eles qual é a razão do ódio que eles têm do PT. Quando eu cheguei na Presidência, em 2003, Mônica, soldado brasileiro saía 11 horas, porque não tinha dinheiro para almoçar, recruta não ganhava salário mínimo. Eu, além de pagar salário mínimo, além de dar almoço para eles, ainda criei o Soldado Cidadão, para dar curso de formação. Pergunta para o General Enzo o que era o Batalhão de Engenharia do Exército Brasileiro. As máquinas estavam todas quebradas, não tinha nem caminhão. Pergunta para ele o que eu fiz. Deixei eles mais poderosos do que uma empreiteira dessas. Pergunta para a Aeronáutica o que era a Aeronáutica quando eu cheguei na Presidência, o avião do presidente era chamado de “sucatão”. Você ia viajar para a Europa, quando você parava em Cabo Verde, ali nas Ilhas Canárias, na Ilha do Sal, tinha 18 mecânicos dentro do avião para catar parafuso que caía no aeroporto. Tinha um avião que eu emprestava para levar autoridade em casa, quando levantava voo em Brasília, pegava fogo no avião, tinha que descer rapidamente porque senão explodia. O Celso Amorim perdeu uma pasta, que queimou dentro do avião. Era isso que ele tinha. Quando eu comprei o avião novo, é porque eu me respeito. Eu, se pudesse, ia de jegue para a Europa. Como eu não podia ir, eu tive a coragem de comprar o avião. Hoje eu me arrependo de não ter comprado um Airbus 140, fui comprar logo um menor. Devia ter comprado um grandão, sabe? Pois é, peguei acho que 15 ou 20 aviões da Rio Sul, que não pagou o BNDES, foi dado para a Aeronáutica. Deixei a Aeronáutica com cara de Força Aérea.

 

Pergunte para a Marinha. Eu fui visitar o Barão de Tefé, lá na base brasileira na Antártica. Eu cheguei lá, um país grande não pode ter um navio de pesquisa daquele. Se o cara entrasse com a barriga, a bunda ficava para fora, num lugar que tem que fazer pesquisa. Nós autorizamos o almirante a comprar um navio decente. Caparaó, por exemplo, o Governo não dava dinheiro para enriquecer urânio. Pergunta para ele quem foi que garantiu 30 milhões por mês para Caparaó funcionar.

 

Então, é o seguinte, eu não sou contra militar fazer política, não. Militar quer fazer política? Faz, ué. Militar quer fazer política, sai do Exército, vai para a reserva… Aliás, é importante lembrar que a política no Brasil começou com o Marechal Deodoro da Fonseca. Eles fazem política no Brasil. Eles só não participaram do poder decisivo no governo de Fernando Henrique Cardoso e no meu governo, e no da Dilma também. No restante, eles tiveram.

 

P. E o Mourão?

 

R. Veja, eu acho que se você tiver um militar competente, não tem problema que ele vá para o Governo. Agora, o que não pode é do jeito que está. Não dá, não dá. Eu não sei a qualificação das pessoas que estão lá, não conheço. Agora mesmo eu vi no noticiário de ontem que o Ministro do Meio Ambiente desmanchou não sei o quê lá no Chico Mendes e colocou não sei quantos cabos, soldados, militar… Olha, para cuidar de Meio Ambiente você coloca gente especialista. Você já tem os especialistas da Polícia Federal, você tem os especialistas do Ministério Público, coloca técnico. Para que militarizar o governo? Eu não sou contra eles participarem não, agora militar tem que saber que eles têm um papel a cumprir com a Constituição. O militar tem que cuidar dos interesses deste país e da defesa da nossa sociedade contra possíveis inimigos externos. Entre fronteira seca e fronteira marítima, nós temos quase 22 milhões de quilômetros quadrados. É muita coisa para os militares cuidarem. Muita coisa. A burocracia, vamos deixar para os burocratas.

 

P. Eu queria que o senhor falasse do Mourão. O senhor tem acompanhado os movimentos do General Mourão?

 

R. Eu tenho. Agora, eu não posso falar, porque eu também não conheço o Mourão. Eu sou agradecido, por exemplo, de um gesto dele na morte do meu neto. Ele foi um cara que disse, diferentemente do filho do Bolsonaro, que postou uma série de asneiras no Twitter, ele foi um cara que deu uma declaração de que era uma questão humanitária eu ir visitar meu neto. Mas eu estou vendo a briga, estou acompanhando a briga. Ninguém nunca mais, ninguém nunca mais, presta atenção, ninguém nunca mais vai ter neste país uma dupla harmônica como Lula e Zé Alencar. O sindicalista e o empresário. Que fez o país ter orgulho, que fez o país crescer. Eu duvido que tenha um empresário neste país que tenha sido tratado com mais respeito por qualquer governo do que por mim. Duvido. A diferença é que eu tratava ele bem, mas também tratava bem o sem-terra, o sem casa, os moradores de rua. Tratava [bem] a sociedade brasileira. Então eu volto a te dizer: esse povo é a minha motivação. Eu quero que você saia daqui e retrate o seguinte: você não conversou com um cidadão alquebrado, você conversou com um cidadão que tem todos os defeitos que um ser humano pode ter, mas tem uma coisa que eu não abro mão. Isso eu aprendi com a Dona Lindu, que nasceu analfabeta e morreu analfabeta: dignidade e caráter não tem em shopping, não tem em supermercado e você não aprende na universidade. Isso é de berço. E isso eu tenho demais, e não abro mão disso. Esse é meu patrimônio.

 

P. Presidente, eu queria falar um pouco da questão internacional. Recentemente, a Ucrânia elegeu um humorista como presidente da República, a direita tem avançado fortemente em vários cantos do planeta, e vai ter eleição neste fim de semana na Espanha. Queria saber como o senhor vê essa eleição, com o crescimento da direita, apesar de os progressistas do PSOE estarem à frente nas pesquisas.

 

R. Eu acredito que, na Espanha, PSOE e Podemos vão ganhar as eleições. O avanço da direita no mundo é a desmoralização da política no mundo. Eu não posso achar ruim que tenha ganhado um humorista… O Beppe Grilo, eu fiz passeata com o Beppe Grilo, em solidariedade a mim em 2000, em uma cidadezinha da Itália. Eu não posso achar ruim que ganhe um humorista na Ucrânia, porque o que eles falaram quando um metalúrgico ganhou as eleições? Eles menosprezavam, analfabeto, peão que não sabe falar, que não sei das quantas… Eu lembro do Maluf dizendo “A dona Marisa não vai conseguir limpar aqueles vidros todos do Palácio” [diz com voz jocosa]. Era assim que eles falavam comigo. Então não vou desprezar pelo fato de o cara ser humorista, porque o cara pode ser humorista de profissão e se transformar num puta de um político. Todo mundo pode se transformar num baita de um político. Para ser um, você tem que ter paciência, você tem que conversar e aprender a conviver democraticamente na adversidade. Você não conversa só com quem você gosta, você conversa com seus adversários também. Você não conversa com a tua turma, você conversa com todas as turmas se você quiser governar. É assim que se faz no mundo inteiro.

 

Eu acho que na Espanha nós vamos ter um governo mais progressista.

 

P. Com relação à Venezuela…

 

R. [interrompe]: Por que sabe o que acontece? O discurso da direita, gente, é tão xenófobo que não pode dar certo. Veja o Macron, na França. O Macron era do Governo, negou o governo socialista, fingiu que não era político, foi eleito presidente da República, e o que ele está fazendo agora? Porque não tem saída. O Bolsonaro, ele tem que governar com aqueles políticos que estão lá. Vamos ser francos, vocês que gostam de política. Não dá saudade o Brasil não ter uma figura como Ulysses Guimarães? Cadê o grande Ulysses Guimarães? Não tem mais. Acabou, foi nivelado por baixo. Qual é o grande orador que você tem no Senado? Qual é o grande tribuno que você tem na Câmara? Acabou, porque a política foi avacalhada. Eu vejo muita televisão e em qualquer programa de televisão o cara vai lá, sem mais nem menos, e esculhamba a política. Olha, mas se ele esculhamba nominando quem é, tudo bem. Quer avacalhar com o político Lula, vai lá e fala o Lula é isso e isso, esculhamba o Lula. Agora, o Lula tem também o direito de abrir um processo contra ele. Mas o cara generaliza a política como se fosse um só, o povo vai desacreditando. Como é que você acha que o povo reage assistindo o Jornal Nacional e meia hora todo santo dia falando de corrupção? Como é que é o ânimo do cara que levanta de manhã para trabalhar, para ganhar um salário mínimo? O cara acha que todo mundo é ladrão. Quando a Globo é acusada por não pagar 600 milhões de reais à Receita Federal, eles dão um comunicado pelo William Bonner e acabou, ninguém fala mais nada. A Folha não publica matéria sobre a Globo, ninguém publica. Mas se é o coitado do Lula… Imagina se os milicianos do Bolsonaro fossem amigos da minha família.

 

P. Com relação à Venezuela, o senhor teve uma relação muito boa quando era presidente com o Hugo Chávez, e depois que o Chávez saiu, a Venezuela entrou em uma crise profunda e hoje vive um embate que está sendo muito ruim para a população e para o país. Muitas pessoas deixando a Venezuela e vindo para o Brasil, fugindo da pobreza e da falta de perspectiva. Como o senhor vê a questão da Venezuela e quais as perspectivas para preservar a democracia e o desenvolvimento da Venezuela hoje?

 

R. Vou só te contar um pequeno caso: o primeiro contato que eu tive com o Chávez foi depois que ele virou presidente. Quando ele não era presidente, ele foi no Foro de São Paulo em El Salvador e nós do PT, eu e Marco Aurélio, não deixamos ele participar porque ele era golpista, então a gente resolveu não deixar ele participar, porque ele tinha tentado dar o golpe na Venezuela. Depois, quando ele foi presidente e derrubaram ele, ele voltou para o Governo e o Fernando Henrique Cardoso me liga perguntando se eu atenderia um telefonema do presidente Chávez. Me explicou o que era: o Chávez estava pedindo um navio de combustível, porque os trabalhadores da PDVSA estavam em greve e ele pedia para o Brasil emprestar um navio de gasolina para eles. “Eu, por mim, empresto, Lula, mas como você já ganhou as eleições, embora não tenha tomado a posse, eu disse para o Chávez que você que decide”. Aí o Chávez me liga e eu decidi mandar um avião de gasolina. Essa foi a primeira vez.

 

O Chávez era uma figura estupenda. Era voluntarista, eu tinha discordâncias políticas com ele, mas era uma figura encantadora, era aquele cara que fazia você se sentir bem em qualquer lugar, mas ele era muito voluntarista. Era complicado. O Celso Amorim pode te contar. Eu tomei posse dia primeiro de janeiro, dia 21 de janeiro, eu já tive que criar o grupo de amigos para resolver problema da Venezuela. Criei o grupo de amigos, colocando Estados Unidos, colocando Espanha, por que Espanha? Porque o Aznar tinha sido o primeiro presidente a apoiar os golpistas. Coloquei Estados Unidos, que era o inimigo deles, a Espanha, o Brasil, acho que a Argentina, eu não sei se a França… E quando eu coloquei o Fidel Castro, ele ficou muito nervoso e falou “por que vocês estão entregando a Venezuela para o imperialismo? Não pode ter um grupo de amigos com os Estados Unidos”. Eu falei “oh, Fidel, deixa eu falar uma coisa para você. O grupo de amigos que nós estamos criando não são amigos do Chávez, são amigos da Venezuela, da democracia, então tem gente que a oposição leva em conta”. Os americanos eram levados em conta pela oposição, o Aznar também. Então o que aconteceu, deu certo. Negociamos, houve o referendo… Participou o Jimmy Carter, o Colin Powell, que tinha uma belíssima relação com o Celso Amorim… Eu cansei de ligar para o Bush, para parar de falar bobagem contra a Venezuela, que era tudo o que o Chávez queria. Falou bobagem, uma passeata, falou bobagem, outra passeata. Ora, para de falar bobagem que não tem passeata, pô. Então, obviamente, eu, se pudesse mandar para você uma coisa… Eu mandei uma carta para o Maduro no dia da posse dele, quando ele tomou posse pela primeira vez, tentando aconselhar ele como eu achava que ele deveria fazer, porque ele não tinha, na minha opinião, a perspicácia do Chávez, não tinha a liderança pública do Chávez, a respeitabilidade do Chávez, então ele precisaria fazer as coisas diferente do Chávez. Ele precisaria compartilhar mais. Se eu não sou individualmente essa figura pública de poder como o Chávez era, eu tenho que juntar gente, tenho que trabalhar em equipe. Então, eu mandei uma carta para ele, se eu achar essa carta, vou te mandar para você ver. Obviamente, eu não concordo com a política econômica da Venezuela, acho que é um equívoco, mas muito menos eu concordo com o Brasil reconhecer o tal do Guaidó. Sinceramente, é uma pouca vergonha. É levar o Brasil ao mais baixo nível de política externa que eu já vi na vida. E depois daquela vergonha de dizer que ia mandar caminhão de alimento e mandar duas caminhonetes vazias. O Brasil precisava tomar cuidado com a Venezuela, porque o Brasil chegou a ter cinco bilhões de dólares de superávit. Sabe por que nós decidimos fazer a refinaria Abreu e Lima em Pernambuco? Porque era preciso que a gente importasse alguma coisa da Venezuela para ter comércio balanceado. Ninguém consegue fazer comércio com um superávit muito alto. O Brasil tinha quase cinco bilhões, eles não produziam nada, compravam tudo do Brasil, até ovo.

 

Eu não esqueço o dia que eu fui na Venezuela visitar a base do Fuso, e o Hugo Chávez me contando, todo entusiasmado, engenheiro soviético montando lá… e eu tinha saído do hotel, que não tinha leite nem ovo. Eu falei “Chávez, você não sabe que a segurança alimentar é a arma mais importante para um país? Aí você gastou não sei quantos bilhões nisso aqui…E é capaz de ter uma guerra e você e os soldados não terem força...não tinha leite nem ovo no hotel, Chávez… Então é preciso cuidar para a Venezuela crescer, a Venezuela tem tudo, tem sol, tem água, tem energia. A Venezuela poderia ser um país com status suficiente. Mas como a doença da vaca holandesa prevaleceu, então tudo depende da PDVSA. Como a PDVSA não fez investimento em modernização, ela também não produz o tanto que deveria produzir. Mas eu não concordo de maneira alguma com os EUA e a Colômbia querer se meter com a Venezuela. Cada um que se meta na sua vida, e deixem o povo da Venezuela democraticamente seus dirigentes. Se o povo quiser ir pra rua pra derrubar, que vá pra rua, mas é o povo, não é o Trump que vai derrubar o Governo da Venezuela. Então é preciso respeitar a autodeterminação dos povos.

 

P. Presidente, na Argentina o  [Maurício] Macri que é um político neoliberal não teve sucesso na economia. Está prometendo uma regulação dos preços...

 

R. Vai fazer o que o Sarney fez em 86...

 

P. Ele está caindo nas pesquisas e a Cristina Kirchner está à frente dele. Como o senhor analisa a situação na Argentina? Cristina tem chance de voltar?

 

R  Tudo o que eu desejo é que a Argentina encontre o caminho da democracia. Eu convivi com o [Néstor] Kirchner e com a Cristina e o que eu posso dizer é que eles fizeram um bem enorme para o povo argentino. Eles obviamente alimentaram o ódio da elite argentina, aqueles mesmo que apoiavam o Cavallo quando era ministro da Fazenda, e achavam que os EUA iam botar muito dinheiro na Argentina. Não colocou, o que colocou foi a seriedade do Kirchner e da Cristina que ganharam a confiança do povo e fizeram a Argentina produzir e ter uma economia forte. A fome voltou na Argentina, o desemprego voltou na Argentina, o povo voltou para a rua. O neoliberalismo não dá certo em lugar nenhum do planeta terra. Me prove algum lugar. Todo mundo que fica aceitando a receita de ajuste fiscal, não dá certo. Você quer diminuir a dívida pública no Brasil? Aumenta o crescimento econômico, o PIB, produz mais pão, mais feijão, mais carro, mais carne que você aumenta o PIB e cai a dívida pública. Então, eu estou torcendo para a Cristina, se for candidata, ganhar as eleições. O povo argentino na sua maioria vai ser muito mais feliz.

 

P. Como o senhor viu a declaração do Battisti depois de extraditado, admitindo ter participado de quatro assassinatos. Se arrependeu de deixar ele viver no Brasil?

 

R  Não me arrependi, porque não sabia. Eu recebi informações através do Ministério da Justiça, que conhecia o processo, que ele não tinha crimes. Ai o Tarso tomou a decisão. Agora, se depois disso, ele assumiu o que fez, eu lamento profundamente. Aliás eu não conheci o Battisti, porque acho que eu não fazia parte da turma que ele tinha confiança. Esse cidadão ficou no Brasil, foi preso.. Mas não o conheci. Mas lamento profundamente que ele tenha confessado. Meu amigo Mino Carta tinha razão. Ele bateu muito no PT nessa questão. Também não sei as condições que ele confessou... Uma porradinha aqui, outra ali, um choquinho aqui... Aí o cara termina falando coisa que não fez...

 

P. O senhor acha que na Itália isso aconteceria?

 

R. Não sei, não sei, é uma suposição.

 

P. Como o senhor vê o quadro, o PT com a esquerda, o Cid e o Ciro Gomes tem aquele bordão ‘o Lula tá preso babaca’...

 

R. Isso não é um bordão, é uma constatação. Eu tô preso...

 

P.  O senhor não fica chateado?

 

R.  Não, só não precisava chamar os outros de babaca. Mas de dizer que eu estou preso, é só ler o jornal que vai saber. Posso dizer uma coisa carinhosa? Eu acredito que a esquerda brasileira está acumulando um conjunto de pessoas muito importante. Vamos pegar o PT: apesar de algumas pessoas não gostarem do PT, ele é um partido muito forte. Aliás, é o único partido organizado efetivamente em todos os estados. Tem cabeça, tronco e membros. Você tem o Ciro Gomes, uma pessoa importante no Brasil. Tem o Flávio Dino. Alguns governadores importantes do PT na Bahia, Sergipe, a Fátima Bezerra no RN, você tem alguns governadores importantes do PSB, você tem uma novidade política que não teve bom desempenho eleitoral, mas é um menino que vai crescer muito que é o companheiro [Guilherme] Boulos...

 

P. E o Haddad?

 

R. Tem o Haddad, eu falei do PT, não queria personalizar, mas o Haddad é uma figura importante. Embora não tenha saído vitorioso nas eleições, ele se notabilizou como uma figura importante. Obviamente que se o Bolsonaro tivesse aceitado um debate... É a segunda eleição que não debate. Não sei se vocês se lembram, em 1994 não teve debate. Em 1998 não teve debate e ninguém colocava a cadeira vazia. Eles não iam e ficava por isso mesmo.

 

E o Bolsonaro efetivamente não tinha sustentação para debater. Acho que ele nunca se importou a aprender. Eu fui obrigado a aprender um pouco de economia por conta da minha atividade sindical. Eu era obrigado a aprender para negociar. Depois no PT, eu fazia ao menos uma vez por mês reuniões com 30 dos mais renomados economistas deste país. Então acho que o Bolsonaro não gosta disso. E acho que a esquerda vai apresentar um projeto. Eu digo ao PT que não tem que apresentar propostas. Apresenta um projeto como o que o Haddad apresentou na campanha. Faz um confronto de ideias para a sociedade perceber que é possível um outro Brasil. E é possível, porque eu provei na prática que é possível construir um novo Brasil. Consegui provar com a bênção de Deus e do povo brasileiro que o povo não é problema, o povo é solução.

 

Eu pessoalmente gosto do Ciro Gomes, tenho respeito por ele. Ele não causa mal ao PT, ele causa mal a ele. O Ciro precisa aprender uma lição elementar. É aprender a ouvir coisas que você não gosta. Suportar os contrários. Aprender a conviver na adversidade. Ele precisa aprender essa lição mínima. Quando ele foi governador do Ceará ou prefeito de Fortaleza ele não precisava disso. Mas, agora para ser presidente do Brasil, ele precisa. E ninguém será presidente do PT se romper com o PT, como o PC do B. Não sei se a direita aceitaria ele. Como eu gosto do Ciro, se um dia ele pedir pra me visitar vou aceitar para ter uma conversa boa com ele. Gosto do Flávio Dino. Não sei se a Marina teria propensão de voltar para a esquerda, porque a Marina acabou né, coitada. Teve 1% dos votos depois de quase ser eleita é muito pouco. Não sei o que ela vai fazer. Mas penso que a esquerda pode construir um grande projeto para o Brasil e voltar ao poder.

 

P. Mas sem o PT na hegemonia, né?

 

R. Veja, o PT, porque o PT de vez em quando aparece como hegemônico? Você acha que um partido que tem 30% de voto vai começar abrindo mão de sua candidatura? Não vai. Como eu acho que o PT já teve presidente 4 vezes, eu acho que o PT pode escolher um companheiro de outro partido político e ser candidato a presidente. O PT pode participar do governo, pode ter vice. Eu acho que tudo é possível. O que você precisa é não exigir que o PT abra mão sem apresentar uma proposta alternativa. Se você tem 10% e eu tenho 30%, e você acha 'no segundo turno eu sou melhor que você', se você é melhor do que eu, por que você não ganha no primeiro turno? Eu lembro do Brizola em 1989. O Brizola é uma pessoa que faz falta no Brasil hoje. O [Miguel] Arraes é uma pessoa que faz falta. Sabe os políticos que fazem falta? A sabedoria política, não tem mais isso.

 

P. O Fernando Henrique não?

 

R. O Fernando Henrique Cardoso não tem jogado no papel o que o nome dele deveria merecer. Ele fala muito sobre quase tudo desnecessariamente. Eu, sinceramente, acho que ele poderia ter um papel de grandeza para quem já foi presidente da república, para quem já foi chamado de príncipe da sociologia. Ele poderia ter um papel mais respeitoso com ele mesmo, não comigo. O problema do Fernando Henrique Cardoso é que ele nunca aceitou o meu sucesso. Ele me adorava no fracasso. Quando fui eleito, ele falou 'o Lulinha só vai durar quatro anos e aí eu vou voltar com pompa e tudo', ele me tratava bem. Chegava a dizer que achava que ele queria que eu ganhasse ao invés do Serra. Porque ele falava 'o Lula vai ganhar, ele é um coitado, metalúrgico, não vai conseguir fazer nada e eu vou voltar quatro anos depois cheio de moral. O Serra, se ganhar, vai me ferrar, então eu prefiro o Lula'. Não deu certo. Porque quem deu certo não foi eu, quem deu certo foi a paciência e a competência do povo brasileiro. Que me ajudou, acreditou. Quantas vezes eu dizia 'meu governo vai ser medido por quatro anos. Não adianta cobrar de mim agora, isso aqui é que nem um pezinho de jabuticaba. Você planta e, se não for enxertado, demora 15 anos para dar. Se ele for enxertado, vai dar no primeiro ano; mas tem que jogar água. O governo é isso'. E eu tinha muito medo de não dar certo. Dizia: 'eu não posso dar errado'. Eu tinha muito medo do [Lech] Walesa [presidente de 1990 a 1995] na Polônia. Olhava para o fracasso do Walesa de ser presidente da República depois do estaleiro de Gdansk e na reeleição ter 0,5% dos votos, falei 'Deus me livre. Não quero ser isso'. E graças a Deus, o povo brasileiro me fez... até hoje tenho muito orgulho de ser considerado o melhor presidente da história do Brasil. Carrego isso com muito orgulho. Ninguém vai tirar isso do povo brasileiro. E quem quiser ganhar de mim, que faça mais. Não é me xingar.

 

P. Mas ganharam agora do senhor..

 

R. De mim, não. Não concorri. Se eu tivesse concorrido, certamente ganharia as eleições.

 

P. O senhor pensa em concorrer a presidente? O senhor está preso e não pode concorrer durante muitos anos...

 

R. A Folha de S. Paulo escreveu que eu já vou ser candidato em 2039?

 

P. Mas o senhor seria candidato bem mais velho? O senhor não bota na cabeça que o senhor nunca mais vai ser candidato?

 

R. Eu sou um homem de muita crença. Eu vejo cientista falar que o homem que vai viver 120 anos já nasceu. Por que não sou eu? Eu acho que a Igreja Católica ensinou o seguinte: com 75 anos o velho se aposenta que é melhor dar lugar para o novo. Eu acho que vai surgir muita gente boa nesse país e eu me contentarei em apoiar qualquer pessoa daqui para frente para ser candidata a presidente da República. Agora, eu estou vendo nos EUA um monte de gente querendo ser candidata com 78, 79 anos. E isso começa a me dar uma coceira aqui. Quem sabe eu ainda posso voltar, com uma bengalinha na mão. Como diz aquela música, 'bota o velhinho na parede que o velhinho tá de volta'. Quem sabe? Mas se depender de mim, vou trabalhar para ter alguém mais novo, alguém com mais energia.

 

P. Presidente, seu ex-ministro Palocci virou agora delator. Ele disse inclusive que havia uma conta no exterior no nome do Joesley, onde era depositado dinheiro para o PT. Ele disse também que as duas campanhas da Dilma para presidência custaram 1,4 bilhões de reais, que não foram declarados à Justiça Eleitoral. Por que que o senhor acha que seu ex-ministro estaria mentindo?

 

R. Se ele disse que o Joesley tem uma conta no exterior, eu acho que ele tem conta em vários países, porque ele tem fábrica em vários países. Não vejo nenhuma novidade. Lembro de um tempo que saiu na imprensa que o Joesley tinha aberto uma conta para o meu futuro no exterior. Depois ele disse que utilizou a conta para comprar uma ilha que era do [Luciano] Huck lá em Angra dos Reis para dar de presente para a mulher dele, comprou um barco... ou seja, o dinheiro que ele disse que é meu ele gastou. Quando eu sair daqui vou abrir um processo contra ele. Para devolver o que é meu, segundo ele disse. Eu era um cara que tinha profundo respeito pelo Palocci. O Palocci era uma pessoa que, se não tivesse feito bobagem, poderia ter crescido na política brasileira. Comecei a perder a confiança no Palocci com aquela história do caseiro no primeiro mandato. Ele saiu do Governo em março de 2006. Eu vinha para o Paraná que eu tinha uma atividade aqui e tinha lido na imprensa, então liguei para o Palocci e disse: 'Palocci, estou indo para o Paraná e vou voltar 15h da tarde. Se você não tiver resolvido o problema do caseiro, você não está mais no Governo. Não é possível um Ministro da Fazenda ganhar de um caseiro. Ou você explica essa história ou cai fora'. Quando voltei, liguei para ele e ele não tinha explicação. Eu comecei a achar que o Palocci não dizia a verdade, porque ele nunca teve a coragem de me dizer se ia ou não ia na casa. Se ele mentisse para a Polícia Federal, para o PMDB, para o Senado era um problema dele. Mas para mim, que era o presidente dele? Ele nunca me disse. E me disse que não sabia andar de carro em Brasília. E entre o Palocci dizer que não ia na casa e o caseiro dizer que ele foi, eu acreditava no caseiro.

 

P. Então por que ele foi coordenador da campanha da Dilma? 

 

R. Aí é outra história. Eu estou dizendo que ele saiu porque não respondeu para mim a questão do caseiro. Ele foi eleito deputado federal, depois na campanha da Dilma foram colocadas três pessoas na coordenação. Ele, José Eduardo Cardozo e José Eduardo Dutra. O presidente do PT, o secretário-geral do PT e o Palocci, remanescente da minha vitória, deputado federal e que não ia concorrer mais. Foi junto coordenador com o Cardozo, Dutra e João Santana. Certamente a Dilma admirava o trabalho dos três porque fizeram ela ganhar as eleições.

 

P. Presidente, o que todo mundo está querendo saber hoje no Brasil é o seguinte: o país está numa crise econômica profunda, o desemprego aumentou apesar da reforma trabalhista, as perspectivas não são boas pro futuro, os investimentos não surgiram e muitas indústrias estão indo embora. Inclusive a indústria automobilística. O que o senhor faria para recolocar o país no crescimento econômico?

 

R. Antes de responder a questão do desemprego, preciso dizer uma coisa: você estava perguntando uma coisa do Palocci e eu estava respondendo. Desde os anos 70, há no Brasil uma disputa entre o cara que foi preso e denunciou o companheiro que era traidor e o que não denunciou e foi herói. Sempre teve isso. Eu nunca tratei assim. Acho que o ser humano tem um limite de suportar do ponto de vista psicológico, da dor que ele recebe. Eu tenho pena do Palocci. Porque um homem da qualidade política do Palocci não tinha o direito de jogar a vida fora como ele jogou. Tenho um profundo respeito pela mãe do Palocci, que é fundadora do PT, que carrega barro até hoje pelo PT em Ribeirão Preto. Mas, lamentavelmente, eu tenho pena do Palocci. Ele não merecia fazer com ele o que ele tá falando.

 

Agora, economia não tem mágica. 50% dos problemas econômicos do país são resolvidos quando quem está governando tem credibilidade interna e externa. As pessoas que levantam de manhã para trabalhar ou as pessoas que estão lá fora pensando em fazer qualquer coisa pelo Brasil, as pessoas tem que saber se quem tá falando por aquele país tem seriedade. Tem credibilidade. Se essa pessoa ter credibilidade e seriedade, as pessoas passam a acreditar. Por isso é que eu, quando tomei posse em 2003, gastei parte da gordura política que tinha para fazer coisas que o PT não queria que eu fizesse. Eu aumentei o superávit primário para 3,45. Isso na esquerda do PT era para me matar. O que nós fizemos? Nós, em três anos, resolvemos a casa, botamos em ordem. Bom lembrar que em 2004 zombaram de mim quando eu disse 'espetáculo do crescimento', mas em 2004 a economia cresceu 5,8%. Eu disse isso num comício dentro da Ford. E depois a economia começou a andar, mais devagar mas foi andando. Então eu queria conquistar credibilidade e tive muito apoio lá fora. Tive apoio do Gordon Brown, sou agradecido ao Bush, ao Schroder e, depois, Angela Merkel, sou agradecido ao primeiro ministro da Índia... essas pessoas todas depositaram muita confiança. Eu posso pegar o depoimento, como o do presidente [Ricardo] Lagos do Chile. Ele, depois de dois anos de governo, me disse: 'Lula, eu sinceramente quero te pedir desculpas porque quando você ganhou, eu achei que ia ser um desastre. E você deu um show de bola'. Então nós começamos a trabalhar com muita seriedade, não se brincava nesse país. Não tinha mágica, não inventávamos nada. E quando decidimos criar o Bolsa Família, o país não poderia criar e eu disse que era para criar. Eu tinha certeza que tínhamos que vencer aquela batalha com os economistas. Tem que distribuir primeiro para crescer ou tem que crescer para distribuir? Nós vamos crescer e distribuir juntos. O cidadão vai comprar dois pães a mais, vai tomar dois cafés a mais, vai comer um pedaço de carne a mais. O orgulho que eu tinha quando o cidadão falava na televisão que tinha comido um filé, uma picanha. Hoje isso é possível de se fazer no Brasil. E isso tem que gerar emprego, tem que gerar renda, aumentar salário. O crédito consignado tem que voltar com certo equilíbrio, você não pode emprestar dinheiro no crédito consignado a 30% o mês. Tem que emprestar a um juro muito pequeno para o povo poder pagar. Eu não esqueço nunca quando fizemos aquela propaganda com o Ronaldo [Fenômeno], que ele tinha quebrado o joelho na Inter de Milão, e a imprensa brasileira dizia que tinha acabado a carreira dele. E ele treina, treina, treina e se recupera. Aí colocamos aquela propaganda: 'sou brasileiro e não desisto nunca'. Aquela foi uma coisa extraordinária. Aí começou a vir empresa para cá. A gente produzia 1,7 milhões de automóveis. Quando eu deixei o governo, a gente tava produzindo 4 milhões. Quer um erro no governo Dilma que eu não faria? Entre 2009, quando veio a crise, eu desonerei 47 milhões entre 2009 e 2010. E desoneração sempre funcionava para mim como se fosse uma comporta. Como uma hidrelétrica: eu abro quando quero produzir mais energia e depois eu fecho. De 2011 a 2014, entre desoneração e isenção fiscal, conversei com o Guido Mantega e eles fizeram 540 bilhões de reais. A Folha de S. Paulo até fez uma matéria grande sobre isso. Foi quando a Dilma percebeu que não dava para desonerar, porque você mandava pro Congresso para desonerar a fábrica de maçã. O Eduardo Cunha colocava maçã, pêra, abóbora, abacaxi, melancia, vinha 500 coisas de volta. A Dilma tentou consertar, fez uma medida provisória e mandou para o Congresso acabando com a desoneração. O Renan Calheiros mandou de volta, não aceitou a medida provisória. Então eu acho que exageramos na desoneração, se bem que tivemos uma contrapartida positiva: o desemprego chegou a 4,3% e mantivemos todas as políticas sociais, como o Minha Casa Minha Vida, que agora está acabando.

 

P. O próprio PT faz críticas a Dilma. O senhor sempre fala que tem muito orgulho em ter saído com 85% de aprovação e ser o presidente mais bem avaliado do Brasil. O senhor tem vergonha de ter eleito uma presidente que foi a mais mal avaliada; Temer é o único que "ganha" dela.

 

R. Orgulho. Tenho muito orgulho de ter a Dilma.

 

P. Mas o povo brasileiro...

 

R. Nem todo filho consegue ter o sucesso que você teve. O Pelé não teve nenhum jogador como ele. É importante lembrar que em 2013 a Dilma tinha quase 75% de preferência eleitoral.

 

P. E em 2015?

 

R.  Espera aí, deixa eu falar querida. Depois do que aconteceu a partir de 2013, que eu acho que nem a imprensa, nem a esquerda e nem os cientistas políticas avaliaram direito. O que foi a Primavera Árabe? Aquela loucura. Eu fiquei muito feliz quando derrubaram o [Hosni] Mubarak [no Egito]. Porque conheci ele bem. E o Obama tinha acabado de ir lá fazer um discurso. Aí elegem o [Mohamed] Morsi. Com três meses, derrubam o Morsi. E quem tá governando? Uma junta militar. E não tem mais nenhuma manifestação na rua. Invadiram a Líbia quando o... o que eu vou dizer aqui é pecado, mas eu vou dizer. Porque se eu não dizer vocês não vão entender. O [Muamar al] Kadafi; por que fazer o que fizeram com o Kadafi? O Kadafi, eu achava ele muito parecido com o Cauby Peixoto. Tinha feito um implante de cabelo e estava cabeludo, utilizava muita base no rosto. Usava umas mantas bonitas, uns panos de seda branco cheio de base. Ele não causava mais mal a ninguém. Aquela loucura de matar aquele cara; o que que criaram na Líbia? Agora começou a guerrilha de verdade. No Iraque, eu conversei muito com o Bush: 'ô Bush, não tem armas químicas no Iraque. Não faça isso'. E ele fez, porque ele precisava se reeleger. E eu acho que o [Nicolas] Sarkozy e o inglês fizeram a Guerra do Iraque para poderem se reeleger, e não deu certo. Então, eu sinceramente acho que o mundo está precisando de lideranças. E nós não temos lideranças mundiais. Não temos. Então precisamos tentar, no campo da política, dizer o seguinte: quem vai resolver o problema do mundo é você ter uma classe política séria, com partidos sérios, organizados seriamente, para poder consertar o país. Não tem o gênio que você pega na universidade, coloca e ele vai lá governar. Se fosse fácil assim, você não teria problema em nenhum país. Harvard teria presidente em todo o mundo.

 

P. Presidente, o senhor fez a sua carreira como líder sindical que acabou na política dentro do sindicado de metalúrgicos de São Bernardo do Campo. O sindicato vai fazer 60 anos em uma crise de emprego e com as montadoras saindo do ABC. O que o senhor diria hoje para os seus companheiros que estão no sindicalismo, no ABC? Ainda tem alguma coisa positiva?

 

R. Eu não queria dizer para os metalúrgicos não, eu queria tentar discutir com meus companheiros do movimento sindical. A classe trabalhadora mudou. A classe trabalhadora de 2020 não é mais a classe trabalhadora de 1980. Mudou profissionalmente, intelectualmente. Hoje o trabalhador não tá mais na fábrica, ele trabalha fora. Ele trabalha em casa, fazendo bico. Não tem mais aquela classe trabalhadora concentrada dentro de uma fábrica como tinha antes. Hoje o cara está no shopping, não tem condições de se unificar porque cada loja é uma loja. Então está muito mais difícil fazer sindicalismo hoje. Eu ia na porta da Volkswagen em 80 e eram 40.000 trabalhadores. Hoje, aquela Volkswagen são apenas 12.000; é um desmonte daquela fábrica. O mundo do trabalho mudou radicalmente e enquanto isso temos que repensar como reorganizar a classe trabalhadora. O cara que trabalha por conta própria, em casa, não tem mais a mesma consciência de classe daquele tempo. Então o papel do movimento sindical agora é tentar reorganizar a classe trabalhadora. A Volks tem mais metalúrgico fora do que dentro. Então o movimento sindical tem uma tarefa forte de descobrir o novo discurso e uma nova razão para a sua existência.

 

P. Eu recebi muitas mensagens durante esses sete meses que eu e a Mônica ficamos aguardando para fazer essa entrevista, e as pessoas que me escreveram querem um posicionamento de otimismo do senhor. Elas estão precisando de injeção de otimismo. O que o senhor teria a dizer a essas pessoas que tão no Brasil querendo uma saída melhor?

 

R. Se querem otimismo, é comigo mesmo. Vamos lembrar que, quando fui eleito em 2002, qual era a lógica do Brasil. 'O Brasil tinha uma dívida externa impagável. O Brasil está quebrado. E você não vai conseguir governar o país'. Foi assim que eu entrei para ser presidente da República. Quando entrei no sindicato, também disseram 'olha, tem a lei de greve, a estrutura sindical e você não vai conseguir mudar o sindicato'. Em três anos, a gente mudou o sindicalismo brasileiro. E em três anos nós começamos a mudar o Brasil. Por isso que eu digo que você tem que ter credibilidade, tem que construir uma relação de confiança com a sociedade, e você tem que fazer com que a sociedade confie em você. Interna e externa. Às vezes, eu fico chateado porque tem muitos empresários covardes. Que poderiam nesse instante estar brigando pelos interesses do Brasil. Indústria forte é bom para o Brasil, nós precisamos ter indústria forte, empresário forte. Cadê essa gente que não se manifesta? Estamos vendo destruírem a educação, cadê o pessoal que não se manifesta? Então eu acho que, como já provamos que é possível construir esse país, as pessoas têm que acreditar que depende de nós, de cada um. Não adianta ficar xingando o Bolsonaro e achando que ele vai fazer. Ele não vai fazer. Quem coloca os ministros da Educação que ele colocou não gosta de educação. Quem coloca o cara do meio-ambiente que ele colocou não gosta de meio-ambiente. Quem coloca o Guedes na economia não gosta do povo. Ao invés de ficar esperando que o Bolsonaro resolva nosso problema, nós temos que, enquanto sociedade civil organizada, começar a se mexer, a lutar, a brigar pelos nossos interesses, cobrar o Congresso Nacional, fazer pressão. Você acha que vamos evitar a aprovação da Previdência social como eles querem fazendo uma manifestação na Paulista? Não. A manifestação tem que ser na cidade do deputado federal. Tem que ser na porta da casa dele, na rua dele. Se não, como é que o Bolsonaro trabalha? Robô mandando zap para senador, para deputado, para um monte de gente. 'Ah eu votei em tal coisa porque recebi muito zap'. Nós temos que brigar. Meu otimismo é esse: nunca dependi de nada, nunca dependi de favor, nunca fiquei esperando. Temos que construir a nossa proposta e ir para a rua tentar construí-la. Via Congresso Nacional, via pressão em cima do governo. É uma disputa. Nós estamos vendo na Inglaterra se manifestando. Ontem eu vi um velhinho de 89 anos fazendo manifestação em frente a um banco pela preservação ambiental. Eu vejo os coletes verdes na França, agora não sabem nem pelo que tão brigando mais, mas tão brigando todo dia. E no Brasil nós temos que fazer isso. Estão tirando os nossos direitos. Antigamente, você tinha os europeus perdendo direito. E o Brasil ganhando direito. Nós nem chegamos aos direitos que eles chegaram e já perdemos. Porque eles estão desmontando tudo que nós conquistamos. Simplesmente destruindo. Quando falam de reforma política, na verdade eles são demolidores do futuro dos nossos velhinhos. Também nunca vi unanimidade no meio de comunicação favorável à reforma. Eu assisto muito debate. Não tem um cara contrário que vai ao debate. Só gente favorável. É impressionante. Se eu fosse um jornalista da Globo, eu dizia 'é impressionante como só tem gente a favor. Voltamos a ter um pensamento único a favor da reforma'. Discute, gente. É o povo. Esse Guedes daqui a pouco vai embora. O Guedes, a hora que ele cair, ele vai morar nos EUA e ninguém vai nem lembrar dele. Mas quem vai ficar com uma vida desgraçada são mulheres e homens que trabalharam a vida inteira nesse país. Então a hora de lutar é agora. Como é que o cara manda um projeto para a comissão aprovar admissibilidade e não mostra o que é? 'Não posso mostrar, é segredo'. Gente do céu, você está tratando com os interesses de milhões de homens e mulheres, você não está tratando com interesse de banqueiro. Todo esse sacrifício do povo brasileiro para favorecer o Santander, para favorecer o Itaú, o Bradesco. Que palhaçada é essa com o nosso país? Então o povo tem que saber que o otimismo está dentro de nós. Com um mandato de quatro anos, a gente tem que saber que esse cara ganhou as eleições, a gente goste ou não goste, a gente tem que saber que ele pode imprimir o jeito dele governar e cabe a gente aceitar ou não. Se a gente não aceita, tem que lutar. Tem que ir para a rua, tem que dizer para o povo, tem que brigar. É assim que a gente faz política. Achar que o Bolsonaro vai fazer o que você quer, esqueça.

 

P. Queria falar de algo bem episódico, mas que quer dizer muito. O ex-primeiro ministro de Portugal José Sócrates deu uma entrevista e comentou o telefonema que o ministro Gilmar Mendes deu ao senhor no dia do velório do seu neto. E ele diz o seguinte: para ele, 'são dois adversários, que sempre tiveram uma disputa política, mas que o ministro Gilmar ligou para ele, o presidente Lula chorou, o ministro Gilmar chorou e são dois adversários chorando pelo passado que perderam. Onde um adversário reconhece a legitimidade do outro, não pensa em privar o outro de ver o velório do seu neto e não pensa em privar essa pessoa de ver o velório do seu irmão'. Eu queria que o senhor comentasse isso sob essa perspectiva.

 

R. O único comentário que eu tenho a fazer é agradecer a bela fala do companheiro Sócrates. Eu não sabia que ele sabia. Nem sabia que a imprensa tinha dado um destaque àquilo. Nem sabia se o Gilmar tinha pedido para divulgar. Recebi um telefonema dizendo 'o ministro Gilmar quer falar com você', e ele tinha ligado também quando a Marisa morreu. A Marisa era amiga da mulher dele. É um gesto humanitário. Eu atendi, estava realmente chorando. Ouvi o Sócrates dizer que ele chorou, eu não ouvi porque também foi uma conversa muito rápida. Mas sou agradecido. Sou agradecido ao Tasso Jereissati, que mandou um telegrama me dizendo palavras carinhosas como 'eu também sou avô'. Então eu acho que, graças a Deus, a Internet ainda não acabou com o pouco de humanismo que existe dentro de nós. Ainda sobrevivemos. E tem gente que consegue sobreviver. Em compensação, têm canalhas e mais canalhas que vão para o Twitter falar bobagem e mais bobagem. Esses eu trato como canalhas, que não merecem o menor respeito. Aliás eu nunca gostei muito de gente que utiliza Twitter porque é só meia palavra. Aquilo já diminui o vocabulário das pessoas. Com o tempo esse cara não vai saber nem escrever mais.

 

P. O senhor fica mais preocupado aqui preso com o que? Com a família, com os amigos, saber que eles estão passando dificuldades para se colocar na sociedade. Porque, diferente do que disseram, muitos estão numa situação financeira...

 

R. Estão todos mal. Estou com meus bens todos bloqueados. Você veja o absurdo: eu tinha sido multado em 32 milhões de reais para pagar não sei o que. O STJ diminuiu para dois milhões. Qual é a diferença? Qual é a lógica? Qual é a lógica até de multar em dois milhões?

 

P. Mas o senhor assinou essa lei, presidente. Uma lei que exige o pagamento de uma multa.

 

R. Mas deixa eu falar uma coisa para você, querida. Eu estou fazendo a comparação de 32 para dois. E, depois, dos dois, o suposto apartamento, que o Moro mentiu dizendo que é meu, ele colocou no leilão. E quem ganhou deve ser o amigo dele, porque não dava para comprar aquilo do jeito que comprou. Alguém que comprou é amigo do Moro. Ali foi um ajeito, um trambique que foi feito. Mas o cara comprou o apartamento por 2 milhões. Se o apartamento foi vendido no leilão por dois milhões, os dois milhões eram para a Petrobras. Então qual é a multa? Apenas lembrando isso. Eu espero que, a partir desse processo que a dona Marisa ganhou em São Paulo, as pessoas desbloqueiem os bens pelo menos da parte da dona Marisa para que os filhos possam, pelo menos, sobreviver dignamente. Eu fico preocupado. Tenho preocupação com meu filho, que vem aqui me ver sempre. Mas eu fico preocupado é com a situação do Brasil. Não consigo imaginar os sonhos que eu tive para esse país, quando a gente descobriu o pré-sal, para fazer esse país virar gigante. Eu tenho orgulho e sonhei grande, porque passei a ser um presidente muito respeitado. Aqui na América do Sul, o Brasil era referência. Eu sonhava em criar um bloco na América do Sul para a gente ter força para negociar com a União Europeia, com os EUA, com a China. Individualmente a gente é muito fraco. Eu fui o único presidente a ser chamado para todas as reuniões do G8. Eu digo eu, porque eu era o presidente, mas o Brasil foi muito importante no G20. Tudo isso desmanchou. Agora o prefeito de Nova York não quer fazer um jantar com o presidente do Brasil. O dono do restaurante se recusa. A que ponto chegamos? Que avacalhação! Um país que, em 2008, quando ganhamos as Olimpíadas, eu tinha certeza que o Brasil chegaria a ser a quinta economia do mundo. Até brincava com os alemães: se preparem que nós estamos chegando aí. Para o Brasil não tem limite.

 

P. Se o senhor algum dia sair daqui...

 

R. Eu vou sair, querida. Espero que você esteja aqui.

 

P. Presidente, além de tomar uma cachaça com seus apoiadores, qual a primeira coisa que o senhor vai fazer?

 

R. Eu adoraria poder um dia fazer um debate em uma universidade com Moro e Dallagnol juntos. Adoraria um debate. Eles levando as milhares de páginas que contaram mentiras e eu levando a minha verdade. Eu adoraria. Com a cara boa, tranquila, bonitão como eu tô hoje. Para discutir. Mas na verdade eu quero comer um churrasco, uma bela de uma picanha, uma panceta bem passadinha e tomar um, como diria o José Alencar, um golo. Mas eu vou fazer. Tenham paciência. Quero agradecer a vocês e sobretudo agradecer a Justiça que fez justiça nesse caso. Poderia ter feito isso antes das eleições de 2018. Lamentavelmente não foi feito, então, quero agradecer a vocês dois pela briga, pela tenacidade e espero que tenhamos outras entrevistas. Se deixarem. Muito obrigado.

 

Álbum de fotos

Ricardo Stuckert/Lula

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